Provocados e testados
Primeiro,
foi a conclusão fatalista do republicano Donald Trump, garantindo, pela
televisão, que a América já perdeu o Brasil, depois de perder Cuba e Venezuela.
Em seguida, vieram parlamentares democratas de Biden, preocupando-se com novo
papel brasileiro na balança política do Ocidente, da qual pendem divergências
políticas e econômicas entre Estados Unidos e China. O governo Lula, com apenas
quatro meses, andou rápido para estreitar e aquecer as relações com os
chineses, sem maiores preocupações ao adotar atitude de franca simpatia em
relação a uma das duas forças em que se concentra a disputa pelo domínio
universal. Uma decisão destinada a provocar importantes desdobramentos; mas
vê-se que, nesse particular, conseguimos ganhar preocupações tanto de democratas
como de republicanos, o que não é pouco. Contudo, suficiente para exigir
talento e contorcionismo da diplomacia brasileira, sem faltar a visível
antipatia dos europeus pelo Mercosul, que voltou a entusiasmar o Brasil.
São
desafios que na semana passada já vinham aguçando preocupações de parlamentares
e setores produtivos, porque as ampliadas relações com a China podem empurrar o
Brasil para se machucar na linha dos dois fogos mais poderosos do mundo. Por
achar que Brasília planeja o esvaziamento dos interesses americanos, a reação
não exclui retaliações. Fácil observar.
Certos
setores, antes empenhados apenas no escapelo de Bolsonaro, agora sinalizam que
Lula pode ser a bola da vez. Observe-se que, repentinamente, áreas influentes
junto a Washington, que ignoravam temas políticos brasileiros, como a CPMI 8 de
Janeiro, passaram a apoiá-la e cobrá-la, forçando o governo a admitir a
investigação.
O
cenário da recepção chinesa à gorda e alegre comitiva brasileira, em dimensões
raramente vistas para uma delegação estrangeira, teve a clara intenção de criar
contraste com a pobre receptividade oferecida ao presidente Lula em Washington,
poucas semanas antes. Não se subestime a sutileza de uma cultura milenar.
Tendências
nas relações externas, quando mais salientes, precisam cultivar instrumentos de
defesa, e precaver os revezes, que nunca faltam. A propósito, tome-se em conta
a sabedoria do então chanceler Afonso Arinos, quando, nos anos 60, o presidente
Jânio Quadros resolveu dar uma guinada à esquerda, contemplando a Europa
Oriental, sob o clima de Guerra Fria, além de agraciar Che Guevara com a maior
comenda nacional. Ensinava ele que é preciso ter cuidado, quando as coisas saem
muito do figurino.
·
A ditadura do tempo
Interessante
refletir sobre os contrastes do cronômetro do presidente Lula. Se, de um lado,
dispõe de tempo demais, pois venceu apenas quatro dos 48 meses de mandato, esse
mesmo tempo parece exíguo, quando se trata de construir bases mais sólidas para
governar, e que lhe assegurem caminhar sem maiores tormentos, como o impasse
que envolve o governo na intimidade dos graves fatos de 8 de janeiro. Se ainda
são quatro anos pela frente, não é menos verdade que as horas correm
impiedosas, e o presidente não tem direito de fingir não vê-las passar, pois os
fatos vão desafiando seu prestígio junto aos que o elegeram.
A
primeira questão reside em crescentes dificuldades nas relações com o
Congresso, culminando com a CPMI do vandalismo, que o Planalto desejou
inviabilizar, e, por fim, sem forças para reagir, passou a aceitá-la. Pois,
antes mesmo de ser instalada e conhecida a relatoria, ela já conseguia entrar
no Gabinete de Segurança Institucional e sacrificar o general Gonçalves Dias,
assessor in pectoris da Presidência. Lula sentiu o soco, não há negá-lo.
A
bancada governista, cercada de emendas e afagos palacianos, não teve como
evitar a investigação, fracasso parlamentar que pode custar dores de cabeça ao
governo, além de pagar pelos inevitáveis atrasos na tramitação das matérias de
interesse de gestões ministeriais. A CPMI também revela terem sido
insuficientes a Lula os bons préstimos do fidelíssimo presidente do Senado.
Melhor para o governo seria jogar todas as fichas no deputado Artur Lira, mais
hábil e não vacila nas horas graves.
Não
bastassem os obstáculos internos e externos, o presidente ainda tem de pousar
os olhos nas conchas do Congresso, e descobrir maneira de reanimar o Partido
dos Trabalhadores, que, inapetente para maiores embates, continua satisfeito
com os louros da vitória, sem dar conta de que louros murcham com os desafios e
as horas que estão correndo. A acomodação dos governistas é o melhor presente
que a oposição precisa para se movimentar. Sempre foi assim.
Ø
"Lula saiu, de
Portugal, maior do que é", diz embaixador em Lisboa
A
despeito de todas as polêmicas em torno de declarações referentes à guerra da
Rússia com a Ucrânia e dos protestos da extrema-direita, o embaixador do Brasil
em Portugal, Raimundo Carreiro, acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) saiu maior do que é de sua visita de cinco dias ao país europeu.
"Houve ganhos tanto do ponto de vista econômico, com o fechamento de
vários acordos, quanto do político, pois resultou na reinserção do Brasil como
potência no debate internacional. O Brasil voltou a ter voz", afirma.
Para
Carreiro, os desafios a partir de agora são manter as conquistas. "É
preciso acompanhar todos os acordos assinados, para que, efetivamente, passem a
valer e, claro, avançar em outros pontos relevantes, como o pacto entre o
Mercosul e a União Europeia", diz. O primeiro-ministro de Portugal,
António Costa, assumiu a posição de ponta de lança para que a parceria entre os
dois blocos econômicos, cujas negociações se arrastam por mais de 20 anos,
finalmente saia do papel. Na Espanha, que assumirá a presidência da UE a partir
de julho, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, definiu o acordo comercial como
prioridade.
O
embaixador assinala que o estreitamento dos laços entre Brasil e Portugal é
fundamental, dado o crescimento do número de brasileiros em território luso.
Com a concessão automática das autorizações de residência, processo que passou
a vigorar em 13 de março último, a comunidade de cidadãos legalizados do Brasil
vivendo no país europeu saltou de 233 mil, em dezembro de 2022, para quase 340
mil. "Temos muitos projetos em comum, seja na economia, seja na educação,
na saúde e na cultura", destaca.
Carreiro
enfatiza que, com a viagem de Lula, recebido em Portugal com todas as honras de
chefe de Estado, dá por cumprida a sua missão como embaixador, iniciada há
quase um ano e meio. Ele ressalta o desejo de retornar ao Brasil para
contribuir com o governo. "Disse isso ao presidente, mas, caso a opção
seja pela minha continuidade à frente da embaixada, o trabalho continuará da
mesma forma, sempre priorizando os interesses brasileiros", ressalta. A
seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
·
Como o senhor avalia a visita do presidente Lula a
Portugal?
Com
certeza, foi vitoriosa. Brasil e Portugal sempre foram países muito próximos,
mas que andavam afastados nos últimos anos. Tenho certeza de que, com todos os
acordos que foram fechados entre os dois países — foram 13 — e com a retomada
do diálogo político, o presidente saiu muito maior do que já era quando chegou
em Portugal. O Brasil recuperou o seu papel de potência dentro do debate
internacional.
·
Mas houve percalços, com críticas às declarações do
presidente de que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto a Rússia e os
protestos organizados pelo Chega?
O
presidente Lula reforçou que o Brasil é contra a invasão da Ucrânia pela Rússia
e que está disposto a liderar um grupo de pelo menos 20 países para negociar a
paz na região. Isso ficou claro. Nos reunimos, na embaixada, com representantes
da comunidade ucraniana que vive em Portugal. Ali foi anunciado que o
ex-chanceler Celso Amorim, assessor internacional da Presidência da República,
irá à Ucrânia para uma conversa com o presidente daquele país (Volodimir
Zelenski). Com relação aos protestos do Chega, houve apoio maciço ao presidente
e condenação aos deputados que desrespeitaram um chefe de Estado estrangeiro,
convidado para falar no Parlamento. Do lado de fora da Assembleia, havia pouco
mais de 500 pessoas protestando, muito longe da maior manifestação da história
de Portugal prometida pela extrema-direita. Vimos, ainda, um presidente Lula
tranquilo, preocupado em acalmar o presidente do Parlamento (Augusto Santos e
Silva). O presidente cumpriu seu papel como líder que sempre foi.
·
Dos 13 acordos assinados entre Brasil e Portugal, quais
o senhor destacaria?
Na
educação, finalmente, chegou-se a um entendimento para que diplomas de
estudantes brasileiros e portugueses sejam reconhecidos automaticamente nos
dois países. Esse tema se arrastava desde 2018. No nosso caso, tínhamos mais de
5 mil processos pendentes, dificultando a vida de trabalhadores e estudantes.
Na saúde, ficou acertado, por exemplo, que a Fiocruz construirá uma fábrica de
medicamentos e vacinas em Portugal, movimento que pode se estender aos países
da Comunidade da Língua Portuguesa. Nos direitos humanos, houve acordos para
proteção de testemunhas e de respeito às pessoas com deficiências. Há que se
destacar, ainda, o acordo operacional entre a Embraer e a Ogma, empresa
portuguesa, para a produção e manutenção dos aviões de defesa Super Tucano, já
seguindo os parâmetros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
·
Mas ainda há muito a avançar, em especial no acordo
Mercosul-União Europeia...
Portugal
e Espanha, ressalte-se, defendem que o acordo seja fechado rapidamente. O
presidente Lula disse que há poucos detalhes a serem definidos. Creio que tudo
está muito bem encaminhado nesse sentido. Além disso, nos próximos 30 dias,
devemos finalizar o acordo com Portugal para reconhecimento das carteiras de
motoristas dos dois países. Estava quase tudo certo isso ser assinado durante a
visita do presidente Lula, mas acabou não saindo.
·
A comunidade brasileira não para de crescer em
Portugal. O que esperar desse movimento?
Temos
trabalhado incansavelmente para que todos os problemas à comunidade sejam
sanados. Nos empenhamos muito para que Portugal seguisse o acordo de mobilidade
que havia assinado com o Brasil e a CPLP. Isso permitiu que, em março último,
fosse lançada a plataforma para a concessão automática de residência a brasileiros
que estavam esperando pelo documento há dois anos. Desde então, mais de 100 mil
brasileiros foram regularizados. Tenho que ressaltar que o governo de Portugal
tem sido muito sensível em relação às nossas demandas. Durante as eleições
brasileiras, no ano passado, o metrô anunciou que fecharia a estação que dá
acesso à Universidade de Lisboa, onde a votação aconteceria, para obras. Liguei
para o presidente da empresa e, imediatamente, o fechamento foi suspenso. E
assim tem sido em todas as nossas demandas, sempre que possível.
·
A estrutura para a visita de Lula a Portugal foi
enorme…
Com
certeza, mas tudo transcorreu da melhor forma possível. A comitiva tinha mais
de 60 pessoas e tudo seguiu como o previsto, na segurança e no suporte ao
presidente. Parlamentares realizaram os encontros pretendidos. Ministros
cumpriram todas as agendas. A entrega do Prêmio Camões ao cantor Chico Buarque
foi um sucesso. Na recepção após o recebimento do prêmio, houve um fato
inédito: as presenças do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e do
primeiro-ministro na festa. Esperávamos 60 pessoas e compareceram 160.
·
O senhor tem demonstrado desejo de retornar ao Brasil…
Sim,
como embaixador, receber o presidente da República no país onde se está
acreditado é a maior das missões. Já expressei ao presidente Lula o meu desejo
de retornar ao Brasil para uma função no governo que contribua para o país. Mas
se o desejo dele for o de que eu continue como embaixador em Portugal,
permanecerei executando meu trabalho com toda a dedicação.
Fonte:
Por Wilson Cid, no Jornal do Brasil/Correio Braziliense
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