João
Filho: Afastamento do juiz Appio era tudo que o partido da Lava Jato queria
para tentar ressuscitar
DEPOIS DE SOFRER DURAS derrotas nos últimos
dias, entre elas a cassação do
mandato de um dos seus principais representantes, uma chama de esperança fez o lavajatismo se levantar do seu leito de
morte. O juiz Eduardo Appio, que estava à frente dos casos da Lava Jato e vinha
sendo a pedra no sapato do lavajatismo, foi afastado cautelarmente da 13ª Vara
de Curitiba pelo TRF-4.
A história que motivou a decisão do TRF-4 é
ridícula, sendo ela verdadeira ou não. Marcelo Malucelli, que é um dos
desembargadores do tribunal, entrou com uma representação contra Appio,
acusando-o de fazer uma ameaça contra seu filho, João Eduardo Barreto
Malucelli. Appio teria fingido ser um servidor da área da saúde da Justiça
Federal para fazer questionamentos sobre a declaração de imposto de renda de
Marcelo Malucelli. A ligação foi registrada em vídeo. A voz, de fato, é
bastante parecida com a de Appio. Uma perícia da Polícia Federal fez a
comparação das vozes e, apesar de não confirmar que a voz é do juiz, apontou
que essa hipótese é bastante provável. Isso foi o suficiente para o TRF-4
imediatamente afastar Appio.
Nada nesse episódio é crível. Quem vê essa história
e não desconfia de mais uma armação da Lava Jato enlouqueceu ou estava morando
em Nárnia nos últimos anos. A operação se especializou em tramóias jurídicas
para atingir objetivos políticos. Presenciamos de tudo: desde intimidação de
delatores e conluio com juízes a grampos ilegais. Lembremos que o filho de
Marcelo Malucelli é sócio dos lavajatistas Sergio Moro e de Rosângela Moro,
além de ser o “conje” da filha do casal. Lembremos também que Malucelli
pai mandou
prender ilegalmente Tacla Duran, o homem que
acusa Moro e Dallagnol de extorsão. Lembremos ainda que foi
comprovado que o TRF-4 participou de um conluio com o
então juiz Moro e com o então procurador Deltan Dallagnol. Nos diálogos
revelados pelas reportagens
da Vaza Jato, os procuradores usavam códigos para se referir a
Moro e ao TRF-4. O juiz era chamado de “russo”, enquanto o tribunal era chamado
de “Kremelin”. O que não falta é motivo para se desconfiar dessa história que
levou ao afastamento de Appio, que hoje, junto com Tacla Duran, é um dos
inimigos mortal do lavajatismo.
Apesar da desconfiança ser legítima, não é possível
afirmar que estamos diante de mais uma armação da turma da Lava Jato. Existe a
possibilidade de que a ligação seja realmente de Appio. Além da perícia indicar
que muito provavelmente a voz é dele, o silêncio do juiz está ensurdecedor. Por
que Appio se cala diante de uma acusação tão grave? É no mínimo estranho adotar
o silêncio depois de passar os últimos dias dando entrevistas e falando fora
dos autos. A discrição, aliás, não é um requisito da magistratura que Appio tem
cumprido – o que é lamentável. O homem que tem a faca e o queijo na mão
para enquadrar os crimes lavajatistas parece mimetizar alguns traços
repudiáveis da Lava Jato. Portanto, desconfiar de Appio também me parece
legítimo. A possibilidade dele ter sido um aloprado e ligado para o filho de
Malucelli, mesmo que isso não lhe rendesse benefício algum, não me parece tão
remota.
Além do afastamento, o juiz teve notebook, desktop e
celulares apreendidos e encaminhados para perícia. Ele também está proibido de
entrar nas dependências da Justiça Federal e teve o acesso eletrônico ao
sistema do tribunal suspenso. Tudo isso aconteceu instantaneamente e sem que
haja provas definitivas de que a ligação teria sido feita por Malucelli. A
condenação veio antes da apuração. O tribunal que ficou conhecido pela
conivência com as irregularidades no sistema de Justiça de repente ficou
implacável com elas. O padrão lavajatista segue firme dentro do TRF-4.
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Moro
A punição de Appio vem dentro de um contexto de
guerra jurídica entre os tribunais de Curitiba. Recentemente, o TRF-4 suspendeu
uma decisão de Appio que anulou
uma das condenações de Sérgio Cabral e impediu
que ele realizasse uma audiência
em que Palocci pediria a revisão dos termos do acordo de delação premiada. O próprio desembargador Malucelli travou batalhas particulares com
Appio ao atropelar duas decisões suas: revogou a
prisão do doleiro Alberto Youssef e restabeleceu
a prisão de Tacla Duran.
Colocar Appio sob suspeita era tudo o que o
lavajatismo queria. Agora, o inimigo número 1 de Moro e Dallagnol carrega sobre
si uma nuvem de dúvidas. O homem que abriu espaço para as acusações de Tacla
Duran foi afastado e em seu lugar entra Gabriela Hardt— a lavajatista de quatro
costados que copiava sentenças de Moro para condenar Lula. O desfecho desse
episódio não poderia ter sido mais perfeito para o lavajatismo. Aqueles que não
conseguiam dormir com as denúncias de Tacla Duran, podem respirar aliviados ao
menos por enquanto.
Imediatamente após a notícia de que Appio havia sido
afastado, Moro e Dallagnol festejaram nas redes sociais como se os crimes
cometidos pela Lava Jato tivessem sido absolvidos. O telefonema de Appio, sendo
verdadeiro ou não, está sendo usado para se tentar emplacar a ideia de que há
em curso uma perseguição contra a Lava Jato. É uma tentativa desesperada de
tentar recuperar a imagem da operação. O fato é que, se Appio foi mesmo um
aloprado, que seja devidamente punido com o rigor da lei. Mas isso não servirá
para absolver os inúmeros crimes graves cometidos pela Lava Jato.
Ø Em marcha fúnebre, sepultura da Lava Jato se mantém como altar de
disputas políticas. Por Bruno Boghossian
O afastamento do juiz Eduardo Appio deu à Lava Jato
mais um atestado de óbito para sua coleção. O conflito entre o magistrado
responsável pelos processos em Curitiba e os desembargadores do TRF-4 contribui
para a autópsia de uma operação que nasceu e morreu como joguete de vontades
políticas.
A Lava Jato já estava morta quando Appio assumiu a
função, em fevereiro. Os excessos cometidos pela força-tarefa desde as etapas
iniciais, os arranjos revelados pela Vaza Jato, as sentenças anuladas, os
acertos do mundo político para frear investigações e a aliança com o
bolsonarismo cavaram esse túmulo.
A longa marcha fúnebre começou na origem de uma
operação que se alimentava do voluntarismo e aceitava exibir uma indisfarçável
motivação política. No artigo em que lançou as bases da Lava Jato, Sergio Moro
descrevia a tarefa de corrigir a máquina do poder de fora para dentro.
O raciocínio se refletiu nas ferramentas usadas por
investigadores, nos métodos para obter provas e na escolha dos alvos da
operação. Os abusos praticados a partir dessa doutrina deram fôlego à Lava
Jato, mas logo provocaram sua asfixia.
Num golpe do destino, a operação definhou porque
perdeu sustentação política. As infrações cometidas pela força-tarefa
fortaleceram uma coalizão interessada em reagir à Lava Jato, e a situação
piorou de vez quando seus protagonistas buscaram abrigo partidário e eleitoral
com o grupo que se beneficiou de suas ações.
Desde então, a sepultura da Lava Jato se mantém como
uma espécie de altar político frequentado tanto por guardiães como por
detratores.
Ao assumir os casos remanescentes, Appio exibiu
simpatias partidárias, se lançou numa cruzada para rever atos passados e
decidiu investigar integrantes da Lava Jato —o que seria legítimo, não fossem
as suspeitas de que ele buscou atalhos nesse caminho.
A reação partiu do consórcio que, por anos, se
dispôs a preservar até as ilegalidades da operação: antes mesmo de uma apuração
conclusiva, o TRF-4 afastou o juiz.
Ø O vale tudo contra a Lava Jato. Por Andrei Meireles
Desde sempre, a Justiça no Brasil parece reproduzir
a gangorra na política. Há muitas e muitas décadas prevalece no país a máxima
de “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. No antológico Quincas
Borba, Machado de Assis foi no ponto: “O melhor modo de ter o chicote é ter-lhe
o cabo na mão”. A avidez pelo desmonte da Operação Lava Jato reproduz os
defeitos a ela atribuído.
O parecer do ministro do Benedito Gonçalves propondo
a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol, endossado por todos seus
colegas no Tribunal Superior Eleitoral, é a negação de toda a pregação da
advocacia criminalista em favor de uma justiça “garantista” dos direitos
dos réus. Essa turma simplesmente fingiu que não viu.
Pelo prognósticos de advogados e repórteres que
cobrem o STF, os garantistas do STF, como Gilmar Mendes, vão referendar a
decisão do TSE. É o avesso do discurso que adotaram para enterrar a Lava Jato.
O que está em questão nem é mais se Sérgio Moro e
Deltan Dallagnol extrapolaram suas atribuições legais. Depois de endossar uma
penca de decisões de Moro e seus parceiros, inclusive a prisão de Lula, o STF
fez uma revisão e anulou as sentenças de Moro, classificadas como parcial.
Na esteira dessa virada da ventania, a
Procuradoria-Geral da República, sob a batuta de Augusto Aras, detonou a força
tarefa do ministério público. Alvejada por todos os lados, a Lava Jato parecia
ter morrido. Além de seus escombros, o que ainda restava começou a ser removido
pelo juiz Eduardo Appio, escalado para a famosa 13 Vara Criminal de Curitiba. Lá,
suas seguidas canetadas anulavam condenações e delações sobre megas esquemas de
corrupção.
Estava virando celebridade quando foi afastado do
cargo pelo Tribunal Regional Federal da 4 Região, acusado de ter ameaçado um
dos desembargadores que investigava sua conduta em outros procedimentos. Pela
denúncia, Appio tentou constranger o desembargador Marcelo Marucelli em um
telefonema em que teria usado nome falso para ameaçar seu filho, o advogado
João Eduardo Barreto Marucelli, sócio e genro de Sérgio Moro.
A conversa constrangedora, em que revelou ter acesso
a dados confidenciais de João Eduardo, terminou com uma ameaça velada. “E o
senhor tem certeza de que não tá aprontado nada?”. Pela investigação do
TRF, com o auxílio da Polícia Federal, além da probabilidade da voz no
telefonema gravado ser do juiz Eduardo Appio, há digitais dele no acesso a
dados confidenciais de João Eduardo.
O que se espera diante dessas evidências é um mínimo
de cautela. Não foi a reação do advogado Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakkay,
a mais estridente voz do movimento de parte dos criminalistas contra a Lava
Jato: “Afastar o juiz de sua jurisdição por um ato que, ao que tudo indica, não
tenha gravidade suficiente para tal, é um abuso inominável. É o judiciário
desdenhando do judiciário”.
Como assim? Quando a Vaza Jato revelou conversas em
que juiz e procuradores da Lava Jato acertavam procedimentos nas
investigações, Kakkay e outros advogados defenderam a prisão de Sérgio Moro.
Agora, diante a acusação de tentativa de chantagem de um juiz a um
desembargador, antes mesmo de concluída a apuração, é definido por Kakkay como
um ato de menor gravidade.
O problema é que esses dois pesos e duas medidas
parece valer também em julgamentos em última instância em Brasília.
Fonte: The Intercept/Folha/Os Divergentes
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