sexta-feira, 26 de maio de 2023

Em iniciativa pioneira, Brasil apresenta resolução que eleva saúde indígena a prioridade global

Reconhecer o tratamento dado à saúde indígena enquanto um problema mundial e propor um plano global sobre o tema. Esse é o ponto central de proposta pioneira apresentada pelo Brasil, em conjunto com 13 países e a União Europeia, na Assembleia Mundial de Saúde (AMS), em Genebra. Em coletiva de imprensa nessa quarta-feira (24), a ministra da Saúde Nísia Trindade e o secretário de Saúde Indígena Weibe Tapeba conversaram com jornalistas sobre os pontos principais do documento, que deve ser apreciado neste sábado (27). A resolução inclui a saúde indígena como uma questão prioritária na pauta da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que as nações avancem em sistemas de saúde que promova a saúde desses povos.

A ministra destacou o esforço anterior da delegação brasileira em relação a esta pauta junto ao conselho executivo da OMS ao longo da construção da proposta. “Foi um trabalho realizado em conjunto para chegarmos até a possibilidade de uma votação. E aí vêm as adesões, o diálogo, é uma diplomacia da saúde com a pauta da saúde indígena. Todo o trabalho de conversa com outras delegações para reforçar a resolução. (…) É um processo normal da política, de um consenso que vai se estabelecendo. Podemos dizer que a resolução agora está muito mais completa do que a proposta inicial feita pelo Brasil, o que é ótimo”, celebrou.

Trindade explicou ainda que, embora comece a valer assim que aprovada, a resolução aponta para a necessidade de um tempo de adaptação para o desenvolvimento das diretrizes do plano global de ações relacionadas à questão, além dos planos regionais dos países signatários. Entre os exemplos de mudança de abordagem necessária, está a assimilação de costumes das populações indígenas para a oferta de um tratamento mais adequado.

“Eu daria até um exemplo bem singelo dessas particularidades, que é o fato de quando uma pessoa indígena precisa de uma internação hospitalar, ou atendimento que não pode ser feito ambulatoriamente, em geral ela vai com um grupo de parentes. Quando nós falamos da humanização do atendimento, uma das questões que tratamos é justamente a presença de acompanhantes”, lembra.

·         Troca de experiências

Além da União Europeia, Austrália, Bolívia, Canadá, Colômbia, Cuba, Equador, Guatemala, México, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru e Estados Unidos uniram-se ao Brasil para a apresentação da resolução. “Só a enumeração de países mostra a adesão que teve essa proposta”, destacou a ministra brasileira. Para o secretário Weibe Tapeba, a adoção de um instrumento internacional sobre saúde indígena é uma oportunidade para a troca de experiências sobre o tema entre as nações signatárias.

“A ideia é que cada país possa desenvolver seus planos nacionais a partir de suas particularidades, com apoio das recomendações inovadoras [trazidas pela proposta], como a valorização da medicina tradicional e a formação e a capacitação dos profissionais. Nosso país tem muito a ajudar os outros países, porque nós já temos um subsistema implantado, temos uma política consolidada, mas precisamos olhar as iniciativas de outros lugares que não incluímos ainda no Brasil. Certamente, essa troca de experiências será um mote muito grande que teremos a partir de então”, evidenciou Tapeba.

·         Indicadores da saúde indígena

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgados em 2021, a população indígena é de 476 milhões de pessoas vivendo em 90 países em todo o mundo. Isso representa cerca de 6% da população mundial, mas 19% das pessoas extremamente pobres. Além disso, essas populações também têm uma expectativa de vida até 20 anos menor que pessoas que não são indígenas em todo o mundo.

·         Retorno do Brasil à agenda mundial

A participação da ministra da Saúde, Nísia Trindade, na 76ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS) destaca a retomada do protagonismo do Brasil na agenda internacional sobre o tema. Órgão decisório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a reunião conta com a presença dos países-membro e desenha as políticas da Organização para os próximos doze meses. Neste ano, o tema escolhido foi “OMS aos 75: salvando vidas, levando saúde para todos”. Em discurso na segunda-feira (22), a ministra destacou a volta do país em defesa da equidade em saúde, da cultura de paz e do multilateralismo.

 

Ø  ENSP realiza primeiro estudo de corte de nascimentos em indígenas no Brasil

 

Foi publicado recentemente na revista The Lancet Regional Health – Americas um artigo sobre a construção de padrões de domicílio, água e saneamento, e posição socioeconômica da população indígena Guarani. Trata-se da primeira investigação em coorte de nascimentos indígenas realizada no Brasil, de acordo com o pesquisador do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Andrey Moreira Cardoso, coordenador da investigação e um dos autores do artigo, realizado em parceria com pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições nacionais e internacionais. Os resultados do artigo apontam que mais de 60% das crianças investigadas estão nos padrões socioeconômicos abaixo da linha de pobreza.

Segundo Andrey, apesar da importância dos determinantes sociais da saúde, estudos sobre os efeitos das condições socioeconômicas, sanitárias e habitacionais sobre a saúde infantil indígena são escassos em todo o mundo. “Desta forma, o objetivo deste estudo foi identificar padrões de habitação, água e saneamento, e posição socioeconômica, a partir da linha de base da primeira coorte de nascimentos indígenas no Brasil – a Coorte de Nascimentos Guarani. Os dados foram coletados por meio da implantação de um sistema de vigilância local em 63 aldeias da etnia em cinco estados do Sul e Sudeste do Brasil, entre os anos de 2014 e 2017”, explicou o pesquisador.

Os estudos de coorte partem do pressuposto que uma população será acompanhada ao longo do tempo para analisar a incidência de agravos e doenças e buscar uma possível associação causal entre diferentes condições de exposição de risco à saúde e os desfechos de interesse na população estudada.

O estudo transversal na linha de base da coorte de nascimentos de indígenas Guarani usou métodos estatísticos multivariados para reduzir um grande número de variáveis socioeconômicas habituais em estudos epidemiológicos e identificar padrões distintos de acesso a políticas públicas habitação e saneamento e posição socioeconômica, buscando explorar a associação entre estes padrões e desfechos de saúde.

Mais de 60% das crianças investigadas encontravam-se nos padrões socioeconômicos abaixo da linha de pobreza

Os resultados do estudo identificaram três padrões para habitação e para água e saneamento, e quatro padrões para posição socioeconômica, resultando em 36 combinações de padrões. “Mais de 62% das crianças investigadas situavam-se nos padrões socioeconômicos abaixo da linha de pobreza. Foram encontradas associações estatisticamente significativas entre domicílios precários e extrema pobreza e hospitalização no primeiro ano de vida”, alertou Cardoso.

O pesquisador destacou ainda, que o estudo identificou uma distribuição heterogênea das crianças nas 36 combinações de padrões identificados. “Esses achados destacam que, caso as dimensões de habitação, água e saneamento e posição socioeconômica se confirmem como determinantes independentes dos desfechos de saúde em crianças Guarani – como observado na questão da hospitalização – elas devem ser consideradas separadamente em modelos múltiplos, buscando melhorar a estimativa de seus efeitos independentes sobre a saúde infantil. Além disso, o método empregado nesse estudo poderia orientar a investigação sobre esses determinantes em estudos em outras populações indígenas”, analisou Andrey.

·         Artigo está disponível em acesso aberto

O artigo “How, what, and why: housing, water & sanitation and wealth patterns in a cross-sectional study of the Guarani Birth Cohort, the first Indigenous birth cohort in Brazil”, publicado no volume 21, de maio de 2023 da The Lancet Regional Health – Americas, está disponível em acesso aberto e traz um debate sobre as limitações dos indicadores socioeconômicos tradicionalmente utilizados para captar a diversidade socioeconômica em comunidades indígenas e rurais.

O estudo é de autoria da pós-doutoranda da ENSP, Aline Diniz Rodrigues Caldas – supervisionada por Andrey Moreira Cardoso no Programa de Pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública – com a participação de pesquisadores do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da London School of Hygiene and Tropical Medicine.

 

Fonte: Ministério da Saúde/Informe Ensp

 

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