Em
iniciativa pioneira, Brasil apresenta resolução que eleva saúde indígena a
prioridade global
Reconhecer o tratamento dado à saúde indígena
enquanto um problema mundial e propor um plano global sobre o tema. Esse é o
ponto central de proposta pioneira apresentada pelo Brasil, em conjunto com 13
países e a União Europeia, na Assembleia Mundial de Saúde (AMS), em Genebra. Em
coletiva de imprensa nessa quarta-feira (24), a ministra da Saúde Nísia
Trindade e o secretário de Saúde Indígena Weibe Tapeba conversaram com
jornalistas sobre os pontos principais do documento, que deve ser apreciado
neste sábado (27). A resolução inclui a saúde indígena como uma questão
prioritária na pauta da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que as nações
avancem em sistemas de saúde que promova a saúde desses povos.
A ministra destacou o esforço anterior da delegação
brasileira em relação a esta pauta junto ao conselho executivo da OMS ao longo
da construção da proposta. “Foi um trabalho realizado em conjunto para
chegarmos até a possibilidade de uma votação. E aí vêm as adesões, o diálogo, é
uma diplomacia da saúde com a pauta da saúde indígena. Todo o trabalho de
conversa com outras delegações para reforçar a resolução. (…) É um processo
normal da política, de um consenso que vai se estabelecendo. Podemos dizer que
a resolução agora está muito mais completa do que a proposta inicial feita pelo
Brasil, o que é ótimo”, celebrou.
Trindade explicou ainda que, embora comece a valer
assim que aprovada, a resolução aponta para a necessidade de um tempo de
adaptação para o desenvolvimento das diretrizes do plano global de ações
relacionadas à questão, além dos planos regionais dos países signatários. Entre
os exemplos de mudança de abordagem necessária, está a assimilação de costumes
das populações indígenas para a oferta de um tratamento mais adequado.
“Eu daria até um exemplo bem singelo dessas
particularidades, que é o fato de quando uma pessoa indígena precisa de uma
internação hospitalar, ou atendimento que não pode ser feito ambulatoriamente,
em geral ela vai com um grupo de parentes. Quando nós falamos da humanização do
atendimento, uma das questões que tratamos é justamente a presença de
acompanhantes”, lembra.
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Troca de experiências
Além da União Europeia, Austrália, Bolívia, Canadá,
Colômbia, Cuba, Equador, Guatemala, México, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai,
Peru e Estados Unidos uniram-se ao Brasil para a apresentação da resolução. “Só
a enumeração de países mostra a adesão que teve essa proposta”, destacou a
ministra brasileira. Para o secretário Weibe Tapeba, a adoção de um instrumento
internacional sobre saúde indígena é uma oportunidade para a troca de
experiências sobre o tema entre as nações signatárias.
“A ideia é que cada país possa desenvolver seus
planos nacionais a partir de suas particularidades, com apoio das recomendações
inovadoras [trazidas pela proposta], como a valorização da medicina tradicional
e a formação e a capacitação dos profissionais. Nosso país tem muito a ajudar
os outros países, porque nós já temos um subsistema implantado, temos uma
política consolidada, mas precisamos olhar as iniciativas de outros lugares que
não incluímos ainda no Brasil. Certamente, essa troca de experiências será um
mote muito grande que teremos a partir de então”, evidenciou Tapeba.
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Indicadores da saúde indígena
Segundo dados da Organização das Nações Unidas
(ONU), divulgados em 2021, a população indígena é de 476 milhões de pessoas
vivendo em 90 países em todo o mundo. Isso representa cerca de 6% da população
mundial, mas 19% das pessoas extremamente pobres. Além disso, essas populações
também têm uma expectativa de vida até 20 anos menor que pessoas que não são
indígenas em todo o mundo.
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Retorno do Brasil à agenda mundial
A participação da ministra da Saúde, Nísia Trindade,
na 76ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS) destaca a retomada do protagonismo do
Brasil na agenda internacional sobre o tema. Órgão decisório da Organização
Mundial da Saúde (OMS), a reunião conta com a presença dos países-membro e desenha
as políticas da Organização para os próximos doze meses. Neste ano, o tema
escolhido foi “OMS aos 75: salvando vidas, levando saúde para todos”. Em
discurso na segunda-feira (22), a ministra destacou a volta do país em defesa
da equidade em saúde, da cultura de paz e do multilateralismo.
Ø ENSP realiza primeiro estudo de corte de nascimentos em indígenas no
Brasil
Foi publicado recentemente na revista The Lancet
Regional Health – Americas um artigo sobre a construção de padrões de
domicílio, água e saneamento, e posição socioeconômica da população indígena
Guarani. Trata-se da primeira investigação em coorte de nascimentos indígenas
realizada no Brasil, de acordo com o pesquisador do Departamento de Endemias da
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Andrey Moreira
Cardoso, coordenador da investigação e um dos autores do artigo, realizado em
parceria com pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições nacionais e
internacionais. Os resultados do artigo apontam que mais de 60% das crianças
investigadas estão nos padrões socioeconômicos abaixo da linha de pobreza.
Segundo Andrey, apesar da importância dos
determinantes sociais da saúde, estudos sobre os efeitos das condições
socioeconômicas, sanitárias e habitacionais sobre a saúde infantil indígena são
escassos em todo o mundo. “Desta forma, o objetivo deste estudo foi identificar
padrões de habitação, água e saneamento, e posição socioeconômica, a partir da
linha de base da primeira coorte de nascimentos indígenas no Brasil – a Coorte
de Nascimentos Guarani. Os dados foram coletados por meio da implantação de um
sistema de vigilância local em 63 aldeias da etnia em cinco estados do Sul e
Sudeste do Brasil, entre os anos de 2014 e 2017”, explicou o pesquisador.
Os estudos de coorte partem do pressuposto que uma
população será acompanhada ao longo do tempo para analisar a incidência de
agravos e doenças e buscar uma possível associação causal entre diferentes
condições de exposição de risco à saúde e os desfechos de interesse na população
estudada.
O estudo transversal na linha de base da coorte de
nascimentos de indígenas Guarani usou métodos estatísticos multivariados para
reduzir um grande número de variáveis socioeconômicas habituais em estudos
epidemiológicos e identificar padrões distintos de acesso a políticas públicas
habitação e saneamento e posição socioeconômica, buscando explorar a associação
entre estes padrões e desfechos de saúde.
Mais de 60% das crianças investigadas encontravam-se
nos padrões socioeconômicos abaixo da linha de pobreza
Os resultados do estudo identificaram três padrões
para habitação e para água e saneamento, e quatro padrões para posição
socioeconômica, resultando em 36 combinações de padrões. “Mais de 62% das
crianças investigadas situavam-se nos padrões socioeconômicos abaixo da linha
de pobreza. Foram encontradas associações estatisticamente significativas entre
domicílios precários e extrema pobreza e hospitalização no primeiro ano de
vida”, alertou Cardoso.
O pesquisador destacou ainda, que o estudo identificou
uma distribuição heterogênea das crianças nas 36 combinações de padrões
identificados. “Esses achados destacam que, caso as dimensões de habitação,
água e saneamento e posição socioeconômica se confirmem como determinantes
independentes dos desfechos de saúde em crianças Guarani – como observado na
questão da hospitalização – elas devem ser consideradas separadamente em
modelos múltiplos, buscando melhorar a estimativa de seus efeitos independentes
sobre a saúde infantil. Além disso, o método empregado nesse estudo poderia
orientar a investigação sobre esses determinantes em estudos em outras
populações indígenas”, analisou Andrey.
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Artigo está disponível em acesso aberto
O artigo “How, what, and why: housing, water &
sanitation and wealth patterns in a cross-sectional study of the Guarani Birth
Cohort, the first Indigenous birth cohort in Brazil”, publicado no volume 21,
de maio de 2023 da The Lancet Regional Health – Americas, está disponível em
acesso aberto e traz um debate sobre as limitações dos indicadores
socioeconômicos tradicionalmente utilizados para captar a diversidade
socioeconômica em comunidades indígenas e rurais.
O estudo é de autoria da pós-doutoranda da ENSP,
Aline Diniz Rodrigues Caldas – supervisionada por Andrey Moreira Cardoso no
Programa de Pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública – com a
participação de pesquisadores do Programa de Computação Científica da Fiocruz
(Procc), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da London School
of Hygiene and Tropical Medicine.
Fonte: Ministério da Saúde/Informe Ensp
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