Governo
Lula 'rifou' indígenas em negociação no Congresso, diz deputada
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos
Direitos dos Povos Indígenas, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) diz
em entrevista à BBC News Brasil que faltou empenho do governo federal para
evitar a aprovação no Congresso de um relatório que pode enfraquecer o
Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro.
Indígena do povo Xakriabá, de Minas Gerais, a
deputada afirma que, até as últimas semanas, os povos indígenas vinham sendo
tratados como prioridade pelo governo federal.
"Não deixamos de ser prioridade. Agora, a
diferença é que estamos sendo prioridade como moeda de troca, tendo nossos
direitos rifados e leiloados", ela afirma.
Na última quarta-feira (24/05), uma comissão mista
do Congresso aprovou um relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) que
altera a reorganização ministerial definida em janeiro pelo governo Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
Entre outras mudanças, o relatório de Bulhões retira
do Ministério dos Povos Indígenas a atribuição de demarcar terras indígenas,
devolvendo essa prerrogativa ao Ministério da Justiça.
A demarcação de terras indígenas é um tema sensível
para a bancada ruralista, que representa fazendeiros e é um dos grupos mais
fortes do Congresso.
Os ruralistas não querem que o Ministério dos Povos
Indígenas fique encarregado das demarcações e pressionam pela aprovação de
propostas legislativas que freariam os processos.
O relatório de Bulhões também pode enfraquecer o
Ministério do Meio Ambiente, ao deslocar para outras pastas a gestão do
Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional das Águas (ANA).
O texto de Bulhões precisa ser aprovado nos
plenários da Câmara e do Senado até 1° de junho para vigorar.
Caso contrário, seguirá valendo a reorganização
ministerial definida por Lula, e os ministérios dos Povos Indígenas e do Meio
Ambiente manterão suas atribuições.
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'Faltou empenho'
Para a deputada Célia Xakriabá, que apoiou a eleição
de Lula e é um dos principais nomes do movimento indígena brasileiro, o governo
poderia ter se esforçado mais para evitar a aprovação do relatório de Bulhões.
"Faltou empenho, faltou prioridade (do
governo), porque nesse momento tinha toda a condição de fazer a negociação (do
relatório) a partir do Poder Executivo", afirma.
Auxiliares importantes de Lula participaram da
negociação do relatório. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, os ministros
Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) jantaram
com o deputado Isnaldo Bulhões na última segunda-feira (22/05) para tratar do
texto.
Xakriabá diz que também esteve com Bulhões antes da
aprovação do relatório. Ela afirma ter defendido no encontro que a retirada da
atribuição de demarcar terras equivaleria a "arrancar o coração do
ministério dos Povos Indígenas".
Segundo ela, deputados que defendem a mudança
argumentam que haveria um "conflito de interesses" caso o Ministério
dos Povos Indígenas ficasse encarregado das demarcações.
O Ministério dos Povos Indígenas é chefiado pela
indígena Sônia Guajajara (PSOL) e tem vários indígenas em postos-chave.
Para Xakriabá, porém, ninguém questiona que
agricultores comandem o Ministério da Agricultura.
Ela diz que o argumento pela transferência das
demarcações "parece uma proposta da época do Estatuto do Índio (1973), que
falava que nós, povos indígenas, tínhamos de ser tutelados".
Xakriabá diz ainda que, antes da posse de Lula,
lideranças indígenas que participaram do Gabinete de Transição do novo governo
defenderam que criar o Ministério dos Povos Indígenas "só teria sentido se
o órgão assumisse a atribuição da demarcação".
·
Promessas eleitorais
Segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos
Indígenas), há cerca de 200 processos de demarcação de terras indígenas em
curso. Essas áreas equivalem a um décimo das terras já demarcadas e abarcam
cerca de 1,2% do território nacional.
Muitos desses processos estão travados na Justiça e
são contestados por fazendeiros, que dizem ser os donos legítimos das terras
pleiteadas por indígenas.
Após pressão dos ruralistas, as demarcações foram
desaceleradas nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) e suspensas
no governo de Jair Bolsonaro.
Bastante popular entre fazendeiros, o ex-presidente
costuma dizer que já há terras indígenas demais no Brasil e que as demarcações
prejudicam o desenvolvimento do país.
Já Lula se elegeu no ano passado prometendo
priorizar pautas do movimento indígena e retomar as demarcações.
Em 28 de abril, ele assinou decretos de homologação
(última etapa do processo de demarcação) de seis terras indígenas e disse que
concluiria todos os processos pendentes em seu governo.
Para Célia Xakriabá, o governo "teve muito
compromisso, muito comprometimento" com as pautas indígenas até o anúncio
das demarcações, em abril.
Ela também elogia o empenho de Lula em expulsar os
garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, e em atenuar a crise
humanitária vivida pelos indígenas daquele território.
"Existe um compromisso verdadeiro do presidente
Lula, mas, neste momento, também existe uma correlação de forças contrária e é
preciso o governo incidir", afirma, para "que ele retome ter os povos
indígenas como prioridade".
Xakriabá disse ter a esperança de que articuladores
do governo consigam reverter as mudanças no relatório de Bulhões antes da
votação do texto em plenário, na próxima semana.
Nesta sexta (26/05), o ministro da Casa Civil, Rui
Costa, afirmou a jornalistas que o governo trabalhará com o Congresso para
tentar desfazer as alterações de Bulhões.
"Vamos trabalhar no Congresso para que a
essência das políticas publicas permaneça como na origem", disse o
ministro. Segundo ele, Lula cobrou os ministros que negociam com o Congresso a
"reafirmar a prerrogativa de quem ganhou a eleição e de quem ganhou a
implementação de um projeto político"
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'Como se tirassem Raoni da foto'
Segundo Célia Xakriabá, o enfraquecimento do
Ministério dos Povos Indígenas afastaria o governo de uma de suas principais
promessas de campanha: lutar contra as mudanças climáticas.
Ela cita estudos que apontaram a demarcação de
terras indígenas como um dos instrumentos mais eficientes para evitar o
desmatamento.
Para ela, se o governo recuasse nesse ponto,
"seria como se arrancassem Raoni da fotografia do dia da posse", diz,
referindo-se ao protagonismo que o líder indígena Raoni Metuktire teve na
cerimônia em que Lula reassumiu a Presidência, em janeiro.
Xakriabá diz ainda que, embora o movimento indígena
tenha apoiado a eleição de Lula, o grupo não aceitará retrocessos nos ritos de
demarcação.
"Negociar a pauta territorial é negociar as
nossas vidas, e nossas vidas não estão sob negociação."
"Seja quem for (o governo), de direita ou
esquerda, nós faremos contraposição, porque não permitiremos que rifem esse
direito territorial", diz.
Fonte: BBC News Brasil
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