sexta-feira, 26 de maio de 2023

Ativistas reagem ao retrocesso ambiental das mudanças em MP

Entidades ambientais e ativistas reagiram ao que classificam de "boiadas" que o Congresso Nacional deixou passar na quarta-feira (24) e criticaram mudança que pode facilitar o desmatamento da Mata Atlântica.

O termo faz referência a uma declaração, durante a pandemia, de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, que defendeu passar "a boiada" e "mudar" regras do setor ambiental enquanto a atenção da mídia estivesse voltada para a Covid-19.

“O que vimos nesta quarta no Congresso foi a noite das boiadas. Sabemos que existe um Congresso hoje que ele é antiambientalista, ruralista e bolsonarista. Agora, a decepção ficou por conta do governo, que aceitou essa negociação e entregou as agendas. O governo abriu a porteira para a boiada que o Congresso desejou passar. — Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima

·         Mata Atlântica

Uma das medidas criticadas foi a decisão da Câmara dos Deputados de ignorar mudanças feitas pelo Senado e retomar trechos de uma medida provisória que enfraquecem regras de proteção da Mata Atlântica. Segundo ambientalistas, na prática, os dispositivos facilitam o desmatamento do bioma.

A medida provisória segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá sancioná-la ou vetá-la.

Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Ao passar na Câmara pela primeira vez, os deputados incluíram mudanças na Lei da Mata Atlântica, como:

  • o fim da exigência de compensação em caso de desmatamento de vegetação fora das áreas de preservação permanente;
  • a flexibilização do desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração.

Quando o texto seguiu para o Senado, os senadores retiraram esses pontos que faziam referência ao bioma, por considerá-los inconstitucionais ou estranho à matéria original - isto é, um "jabuti", no jargão parlamentar.

Como teve mudança durante a tramitação no Senado, a MP teve que voltar para a Câmara, que, em uma segunda votação, devolveu esses trechos polêmicos ao texto.

Para a Fundação SOS Mata Atlântica, os chamados jabutis que foram reintroduzidos no texto pelos deputados na quarta colocam novamente a floresta em risco. Isso porque a MP altera pela sexta vez o prazo de adesão ao programa de adequação ambiental previsto no Código Florestal, deixando em suspenso a restauração de mais de 20 milhões de hectares no Brasil.

Além disso, na avaliação de Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da entidade, a medida provisória permite o desmatamento de florestas até então intactas na Mata Atlântica, passando por cima da lei específica que protege o bioma.

"O presidente Lula não pode permitir que rasguem a Lei da Mata Atlântica que ele mesmo sancionou", afirma.

Novos dados divulgados SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam inclusive que a realidade já é preocupante para a Mata Atlântica atualmente: em um período de um ano, entre outubro de 2021 e de 2022, mais de 20 mil hectares da floresta foram derrubados.

Essa é a segunda maior área desmatada dos últimos seis anos, uma taxa que equivale a um Parque Ibirapuera desmatado a cada três dias.

Em nota, o Observatório do Clima, rede que reúne diversas organizações da sociedade civil, também afirma que o texto enfraquece a proteção à Mata Atlântica, "como sonhara Ricardo Salles", ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro.

"Os jabutis retirados no Senado, voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los", afirma a entidade.

No fim da sessão de ontem, os deputados ainda aprovaram um requerimento que confere regime de urgência ao projeto de lei do chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A aprovação permite a votação do texto diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara, algo que também é duramente criticado por entidades ambientais.

Aliado a isso, outro ponto de crítica dessas entidades é uma medida provisória que reestrutura os ministérios do governo Lula. Na prática, ambientalistas avaliam que o texto, aprovado por uma comissão mista também nessa quarta-feira, esvazia o Ministério do Meio Ambiente além de alterar a competência sobre a demarcação de terras indígenas.

"Na tentativa de assegurar uma suposta governabilidade, o governo está fazendo concessões absurdas. Chegou ao ponto de liberar bancada para a urgência de uma proposta que implode com os direitos dos povos indígenas, o PL 490", afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do OC e ex-presidente do Ibama.

A federação que inclui PT, PC do B e PV orientou o voto contrário ao projeto, mas o deputado Rubens Junior (PT-MA), falando como líder do governo, liberou a bancada para votar como preferisse.

“O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios". — Observatório do Clima.

A MP 1154/23 seguirá agora para os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Como a medida perderá validade em 1º de junho, o legislativo precisa analisar o texto até lá.

·         Mudanças na Lei da Mata Atlântica

Em linhas gerais, o texto aprovado pelos deputados que segue para sanção presidencial alterou as regras da Mata Atlântica nos seguintes pontos:

Flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração. A lei atual exige que isso só pode ocorrer quando não existir uma "alternativa técnica e locacional" ao empreendimento. Com a MP aprovada, essa exigência foi retirada.

Acabou com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, o que hoje é previsto na lei. A supressão da vegetação será feita "exclusivamente" por decisão do órgão ambiental municipal.

Acabou com a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares – como linhas de transmissão, sistema de abastecimento público de água e, na avaliação de especialistas, até condomínios e resorts.

Em caso de construção de empreendimentos lineares em áreas de preservação permanente, o texto limita as medidas compensatórias à área equivalente à que foi desmatada.

Acabou com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.

 

Ø  Com Zema, Minas Gerais é o estado que mais desmatou Mata Atlântica entre 2021 e 2022

 

Minas Gerais foi o estado que mais desmatou a Mata Atlântica entre outubro de 2021 e 2022. Foram mais de 7,4 mil hectares destruídos. Os dados do Novo Atlas foram divulgados nesta quarta-feira (24).

Além de Minas, outros quatro estados, foram responsáveis por 91% da devastação. Como resultado da destruição, quase 10 milhões de toneladas de gás carbônico foram lançadas na atmosfera.

Ele é o que tem maior contribuição para o aquecimento global. A maior parte das áreas destruídas fica em propriedades privadas e foi desmatada, principalmente, para a criação de gado e culturas agrícolas.

O diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luis Fernando Guedes Pinto, fala das consequências que já estão sendo sentidas e podem piorar.

"A gente tem que lembrar que a gente está em um contexto da crise climática e da crise da biodiversidade, né? Que nesse bioma mora a maior parte da população brasileira, que a gente tem eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes: enchentes, inundações, secas, crises hídricas e desmatando a Mata Atlântica a gente está acentuando esse quadro e compromentendo o nosso futuro".

 

Ø  Não é só Marina: Lula também perde com esvaziamento do Meio Ambiente, alertam assessores

 

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, não é a única afetada pelo esvaziamento dos ministérios de Meio Ambiente e Povos Indígenas e pelo avanço na Câmara de medidas que afrouxam a proteção da Mata Atlântica e dificultam a demarcação de terras indígenas.

Assessores avaliam que a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também é arranhada diretamente por essas medidas. As movimentações desta quarta-feira (24) são classificadas como "trágicas" por ambientalistas.

O avanço de medidas que desmontam políticas de proteção ambiental acontece justamente em um momento no qual Lula tenta se cacifar, dentro e fora do país, como um líder no combate às mudanças climáticas. O Brasil espera, inclusive, receber recursos financeiros de outros países para capitanear esses esforços.

A falta de reação do governo ao relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, gerou críticas ao presidente Lula entre ativistas ambientais e indigenistas.

Depois da reação negativa, o Palácio do Planalto até tentou negociar mudanças no relatório do deputado, mas não conseguiu. O texto foi aprovado com o voto de governistas na comissão mista e irá a plenário na Câmara dos Deputados e no Senado.

Segundo assessores presidenciais, há um movimento contra a ministra Marina Silva, que conta com o apoio até de interlocutores de Lula – principalmente, depois que o Ibama vetou a licença para pesquisa de petróleo na Foz do Amazonas.

O presidente da comissão mista que analisou a MP da reestruturação dos ministérios é o senador Davi Alcolumbre (União-AP), que criticou publicamente a decisão do Ibama, subordinado à ministra Marina Silva.

Aliados de Marina Silva têm a expectativa de que o Senado consiga barrar pelo menos parte das medidas adotadas nesta quarta-feira contra a área ambiental e indígena.

Enquanto o Senado tenta evitar aprovação de propostas que geram danos ao meio ambiente, a Câmara dos Deputados vai no sentido contrário e promove retrocessos na área ambiental.

Além de esvaziar o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas, deputados decidiram retomar pontos impugnados por senadores numa MP, trazendo de volta trechos que afrouxam a proteção à Mata Atlântica.

Ambientalistas e até a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, criticam a postura do presidente Lula que não tentou evitar os retrocessos.

A expectativa agora é que pelo menos Lula decida vetar esses pontos aprovados pela Câmara dos Deputados.

Além disso, a Câmara também aprovou a urgência para tramitação do projeto que define o marco temporal para demarcação de terras indígenas até a promulgação da nova Constituição em 1988. A Câmara dos Deputados quer aprovar a medida, que fixaria setembro de 1988 como a data limite para reivindicações de terras pelos indígenas.

 

Ø  Após acordo em comissão, governo estuda judicializar mudanças na MP que reestrutura ministérios

 

Após fechar um acordo político, avalizar e garantir votos da base aliada na comissão mista, nesta quarta-feira (24), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer levar à Justiça mudanças feitas pelo Congresso na medida provisória que reestrutura os ministérios.

Entre as mudanças, está a retirada de atribuições do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas.

A MP ainda vai ser votada pelos plenários da Câmara e do Senado, mas integrantes do governo já cogitam judicializar o tema, caso essa nova versão seja levada à sanção.

Membros do Executivo afirmaram à GloboNews que, como o Ministério do Meio Ambiente já existia antes da medida provisória, o Congresso não teria a prerrogativa de alterar as competências da pasta. Isso seria uma atribuição exclusiva do presidente da República, que pode inclusive fazer as mudanças por decreto.

Essa regra, no entanto, não valeria para o Ministério dos Povos Indígenas, estrutura inédita no governo federal que foi criada justamente pela medida provisória. Para a criação de um novo órgão, o Congresso pode fixar (ou retirar) competências.

O relatório da comissão mista da MP que reestrutura a Esplanada dos Ministérios foi aprovado nesta quarta com 15 votos a 3. Ou seja, apoio inclusive de governistas que compõem o colegiado.

Há quatro mudanças principais que são consideradas derrotas pelo governo:

  • a transferência do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro público obrigatório para os imóveis em área rural, do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão e Inovação;
  • a transferência da Agência Nacional de Águas, também hoje vinculada ao Meio Ambiente, para o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional;
  • a transferência dos sistemas nacionais de resíduos sólidos, saneamento e recursos hídricos, também hoje no Meio Ambiente, para o Ministério das Cidades;
  • a transferência das competências sobre demarcação de terras indígenas, hoje no Ministério dos Povos Indígenas, para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, publicou sobre o tema em uma rede social.

"Sobre controvérsias acerca de competências de órgãos do Poder Executivo, importante lembrar o que dispõe a Constituição Federal: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos", escreveu.

 

Fonte: g1

 

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