sábado, 27 de maio de 2023

Articulador político diz que governo precisa de Marina

Apesar do desgaste da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com a possibilidade da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e do esvaziamento da pasta, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast, que a saída dela do governo não foi discutida. “Em nenhum momento isso entrou em discussão, em questão”, afirmou.

Segundo ele, Marina tem um papel importante de “sustentar” a agenda ambiental do governo Lula. “A agenda da sustentabilidade está no coração do governo do presidente Lula. Ela (Marina) tem papel muito importante em sustentar essa agenda. E pode ter certeza que essa agenda estará sustentada mesmo com modificações que possam ser feitas no Congresso Nacional na distribuição administrativa de órgãos do governo. Essa agenda estará preservada e com a liderança na ministra Marina”, disse Padilha.

Na quarta-feira, 24, a Comissão especial do Congresso que trata da Medida Provisória da reestruturação dos ministérios do governo aprovou uma nova versão do texto que retira poderes da Pasta de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.

Além disso, a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas virou um cabo de guerra entre os ministros Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Marina, como revelou o Estadão. Enquanto a Petrobras defende o projeto, o Ibama recomendou o indeferimento do pedido de licença ambiental feito pela companhia.

“O Ibama tomou uma posição técnica sobre esse tema. Acho que está em processo de discussão. A Petrobras vai partir dessa posição técnica, reapresentar o seu plano, poder discutir isso, isso continua em discussão dentro do governo”, disse Padilha.

Em um primeiro momento, Marina saiu vitoriosa. Em reunião mediada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, ficou acertado que o setor energético do governo Lula respeitará o parecer técnico do Ibama. Mas a Petrobras, no entanto, apresentou novo projeto técnico ao Ibama para pleitear o licenciamento ambiental, com apresentação de documentos que comprovem a inexistência de risco ambiental em atividades de pesquisas e extração de recursos.

Na entrevista ao Estadão/Broadcast, Padilha afirmou que o governo não “ficou feliz” com alguns pontos incluídos na medida provisória da Reestruturação dos Ministérios, que promoveram um esvaziamento do pasta do Meio Ambiente, e disse que trabalhará no tema até semana que vem. A MP tem validade até o dia 1º de junho.

O ministro afirmou que o relatório da MP apresentado pelo relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), foi positivo em vários aspectos, mas trouxe um descontentamento que será debatido com o Congresso. Ele citou dois pontos principais: a remoção da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e da Política Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.

“Não estamos felizes com aqueles pontos e vamos trabalhar ainda até semana que vem em relação a isso. Mas eu posso te dar uma garantia. O governo tem instrumentos institucionais para que a agenda da sustentabilidade, da combinação do desenvolvimento econômico com proteção ambiental, esteja segura dentro do governo”, disse Padilha.

“Vamos debater com Congresso Nacional, mas vamos também estar com os instrumentos que governo tem preparados para que, mesmo que Congresso Nacional no final tome essa decisão e use os instrumentos que governo tem para garantir o papel, a função dessas estruturas como a ANA e a política nacional de recursos hídricos extremamente sintonizada com o Ministério do Meio Ambiente e com a agenda da sustentabilidade”, continuou.

Apesar da insatisfação do governo com a medida, Padilha disse que não está em análise recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter as mudanças aprovadas pelo Congresso.

Na contramão do ministro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que pode recorrer à Corte para que o governo consiga manter a atual estrutura dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A MP deve ainda ser votada nos plenários da Câmara e Senado, após ter sido aprovada na Comissão Especial Mista do Congresso.

Segundo Padilha, não existe compromisso por parte do governo em manter trecho de uma medida provisória, aprovado nesta quarta-feira, 24, pela Câmara, que permite a instalação de linhas de transmissão de energia, gasodutos e sistema de abastecimento público de água na Mata Atlântica sem estudo prévio de impacto ambiental ou compensações.

“Vou defender o veto desse trecho que gera agressão à Mata Atlântica”, disse Padilha durante a entrevista. A liderança do governo orientou de forma favorável ao afrouxamento das regras de combate ao desmatamento no bioma.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, a Câmara anulou alterações feitas pelo Senado em uma medida provisória editada ainda no governo Bolsonaro e voltou a permitir a instalação de linhas de transmissão de energia, gasodutos e sistema de abastecimento público de água na Mata Atlântica sem estudo prévio de impacto ambiental ou compensações. A matéria segue agora para sanção presidencial e deve ser vetada, como disse Padilha.

O texto aprovado pelos deputados altera legislação de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa da Mata Atlântica. A permissão havia sido incluída no texto pela Câmara, durante a primeira análise da MP, mas esse trecho havia sido retirado da medida pelos senadores, com o argumento de que as mudanças poderiam trazer riscos ao bioma e fugiam da temática do texto original, o que é chamado no Congresso de “jabuti”.

Sobre a relação com o Congresso, Padilha afirmou que o cenário atual é diferente 2003, quando Lula assumiu a Presidência pela primeira vez, tampouco a dinâmica que vigorou durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O governo vem sendo cobrado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a “entender” o protagonismo que o Congresso ganhou nos últimos anos, período em que passou a comandar recursos orçamentários, seja por meio de emendas impositivas ou do chamado orçamento secreto, mecanismo considerado inconstitucional pelo STF. Padilha foi questionado sobre a possibilidade de dividir a gestão orçamentário com a Câmara e Senado, como ocorria no governo Bolsonaro – quando não havia transparência sobre a divisão de emendas de relator entre parlamentares que apoiavam o governo.

“O Congresso não é nem o de 2003, a relação do governo com Congresso Nacional, e nem vai ser a de 2019 a 2022, no período do governo Bolsonaro. É uma relação diferente”, disse, ao reforçar que Lula faz questão de manter o diálogo político, diferentemente de Bolsonaro que, segundo ele, terceirizou a articulação.

Sobre o funcionamento da indicação de emendas no atual governo, Padilha explicou que cada ministério estabelecerá critérios técnicos na programação e disse que parlamentares poderão indicar projetos às pastas. Ele garantiu que haverá transparência na indicação de recursos. “Na medida que o parlamentar apoia o projeto, o ministério tem como registrar essa informação e dar maior transparência possível”, afirmou.

 

Ø  "Saída de Marina Silva seria desastre internacional para o governo Lula", diz ambientalista

 

Em entrevista à DW, o ambientalista Pedro Roberto Jacobi diz que reorganização ministerial pode comprometer importantes instrumentos de fiscalização ambiental e prejudicar a ministra Marina Silva, respeitada mundialmente.

O Congresso impôs mais uma derrota à pauta ambiental do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira, 24. Na apreciação da Medida Provisória (MP) 1.154/23, que reorganiza a estrutura ministerial, os parlamentares enfraqueceram o Ministério do Meio Ambiente (MMA), retirando da pasta chefiada pela ambientalista Marina Silva atribuições de fiscalização importantes, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional das Águas (ANA).

Além disso, o texto também transferiu a demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, de Sônia Guajajara, para o Ministério da Justiça.

A matéria se soma a outras que têm sido criticadas por ambientalistas, como o novo marco do saneamento e, mais recentemente, o embate entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério de Minas e Energia sobre a extração de petróleo pela Petrobras na foz do rio Amazonas, no Amapá.

Em entrevista à DW, o ambientalista Pedro Roberto Jacobi, professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e presidente do conselho América do Sul da instituição Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), considera que as mudanças podem comprometer importantes instrumentos de fiscalização ambiental do governo.

Jacobi, no entanto, diz que o governo Lula está emparedado por um Congresso "conservador" e "negacionista", que tenta manter o esvaziamento do mecanismo de combate ao desmatamento que ocorreu nas gestões anteriores.

O ambientalista também vê a necessidade de o presidente Lula negociar a questão do clima internacionalmente, assim como tem feito com as tentativas de paz na Ucrânia.

Segundo Jacobi, as disputas na área ambiental atualmente são diferentes da questão de Belo Monte, que causou a saída de Marina Silva na segunda administração de Lula, em 2008, e que não vê uma possível repetição das consequências políticas dentro do governo como naquela ocasião.

"Não posso acreditar que o Lula convidaria a Marina e, daqui a pouco, a Marina vá e diga 'tchau'", destaca, acrescentando que, se isso ocorresse, seria um "desastre internacional" para a terceira gestão do pestista.

<<<< Leia a entrevista na íntegra:

·         O que essas mudanças previstas na MP representariam em termos de combate ao desmatamento?

São várias questões. No caso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vai para o Ministério de Gestão e Inovação, é uma ferramenta fundamental de combate ao desmatamento. Mas é uma questão muito desafiadora que exige fiscalização, porque é autodeclaratório. E o que está colocado aí é que há um risco que essa mudança afete diretamente a política de monitoramento e controle do desmatamento.

Já o tema da demarcação das terras indígenas, que vai para o Ministério da Justiça, a própria ministra, Sônia Guajajara, afirmou que não é algo muito problemático, porque o ministro da Justiça, Flávio Dino, tem uma preocupação com esse tema. Mas, de qualquer maneira, se coloca uma questão real: se cria um Ministério dos Povos Indígenas e já se tira poder dele.

Temos também a Agência Nacional das Águas (ANA), que fica com o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional. É um órgão que está muito fragilizado, foi muito enfraquecido. Existe uma parcela considerável de pessoas sem acesso a água e sem acesso a saneamento.

O MMA estava totalmente fragilizado pela gestão desastrosa dos últimos anos e, com isso, vai perder um tanto da sua potência. Uma das grandes questões do MMA é que já não se tem muitos recursos financeiros, que agora estão indo para outras pastas.

É uma quantidade de problemas que se acumulam. Quando falamos do MMA, estamos considerando novamente a questão de não se ter recursos, e isso faz com que a pressão dos agentes econômicos fale mais alto - e eles estão representados no Congresso, essa é a realidade.

·         Quais interesses econômicos seriam esses? O setor ruralista, por exemplo?

Sem dúvidas, o setor ruralista. Mas também há os interesses econômicos por trás da privatização do saneamento. E acho que não dá para desconsiderar essa visão também economicista que está presente numa visão desenvolvimentista mais clássica. A palavra que temos que usar hoje é desenvolvimento sustentável, por mais que seja genérica. Isso é o que as Nações Unidas propõem, que é chegar a metas mais sustentáveis. Nem toquei no tema do clima porque ainda está indefinido qual será a autoridade climática dentro dos ministérios.

Esses interesses econômicos estão presentes nas câmaras municipais, nas assembleias estaduais, no Congresso. E, lamentavelmente, a sociedade tem escolhido cada vez piores representantes para a democracia, que são pessoas que têm um discurso falso, negacionista, e não estão enxergando questões muito concretas.

É preciso se adaptar a uma realidade que está colocada hoje. O tema clima é transversal a todos os outros temas, porque falamos em energias não renováveis, impactos sobre o clima. Falamos de água, do impacto no clima com excesso de água e falta de água.

·         Até que ponto o Congresso está impondo essa realidade ao governo Lula?

Temos que lidar com a realidade política, que não é nem um pouco favorável ao governo que foi eleito. Ele está altamente emparedado por um Congresso que é composto por um conjunto de partidos políticos que fazem parte dessa coalizão muito problemática que o governo conseguiu organizar, dentro das suas extremas precariedades, para garantir aprovações no Congresso, como no caso recente da área econômica.

É sempre bom lembrar que em qualquer governo, não há exceção no planeta, o que fala mais alto é a economia e, depois, o social.

É claro que, do ponto de vista internacional, para a imagem do Brasil, é extremamente importante o tema ambiental e da Amazônia. O que vai se ver depois de todo alarde, de toda a fala do Lula no G7 e em outros momentos no exterior. Está colocada uma questão que pode trazer enormes riscos, inclusive para os apoios e financiamento.

Mas nós temos que lidar com isso concretamente. É claro que há preocupação. Mas existe uma palavra-chave que é governabilidade, e essa realidade não podemos ignorar.

·         Até que ponto isso mostra um certo descaso de Lula com as questões ambientais, já que tivemos recentemente o Ibama proibindo, à revelia do governo, a exploração de petróleo no Amapá? O discurso internacional do Brasil como potência ambiental é só teoria?

Se for só teoria, vai ser muito ruim para nós. É a única coisa que posso dizer. O Lula se meteu a negociar a questão da paz na Ucrânia, mas ele também tem que negociar o clima, tem que estar em cima desse tema. O presidente foi um negociador a vida inteira, até mesmo pela sua história como sindicalista.

Acho que, neste momento, o Lula está tomando um pouco de cuidado, ao mesmo tempo em que está sinalizando vetar uma legislação predatória para a Mata Atlântica. Aí ele já diz "isso, não". Mas, na hora está se discutindo uma reorganização de ministérios a partir de uma proposta do Congresso, porque é assim que se vê - o governo não ia propor um ministério e desmontá-lo.

Essa é uma herança de todos esses anos, que vem desde o Michel Temer, aqueles atores que perderam espaço querem voltar a ganhar. Eu entendo um pouco dessa maneira.

Os próprios negociadores internos do Lula, o [ministro da Articulação] Alexandre Padilha e o [ministro das Cidades] Rui Costa não vêm de um histórico ambientalista. Inclusive o histórico do Rui Costa na Bahia, como governador, não é dos melhores. O próprio [ministro da Fazenda] Fernando Haddad não foi um grande defensor do meio ambiente, é só ver na gestão municipal dele em São Paulo.

Eu diria que temos que esperar fatos concretos, o que vai ser vetado quando chegar a hora da aprovação da matéria. Vejo um pouco dessa maneira. Não posso acreditar que o Lula convidaria a Marina e, daqui a pouco, a Marina vá e diga "tchau".

·         Seria uma catástrofe na área ambiental do governo caso Marina Silva deixasse o comando do Ministério do Meio Ambiente?

Seria um desastre, não do ponto de vista brasileiro, porque somos pouco preocupados com o meio ambiente. Mas, internacionalmente, seria um desastre. Não tenho dúvidas, porque houve todas essas promessas ambientais, e ela é uma pessoa que está ancorando, legitimando isso.

Quem é Alexandre Silveira [ministro de Minas e Energia] em termos internacionais? Mas quem é a Marina, já sabemos. É alguém que tem uma história que vai desde a época do Chico Mendes. Tem todo um reconhecimento, é uma pessoa íntegra, que conheço bem.

Em termos nacionais, [uma possível saída dela] não ia ser uma questão pesada, mas em termos internacionais, impactaria. E acho que o Lula deve estar medindo isso muito bem e conversando com ela.

O Congresso tem essa cara, além disso há um passivo terrível em todas as áreas [deixado do governo de Jair Bolsonaro]. Penso em uma perspectiva em que a Marina sabia em que encrenca estava entrando. Acho que ela vai ter que se acostumar a negociar, a ganhar os espaços de alguma maneira. Agora, não é uma questão interna do governo, como foi no caso de Belo Monte. É uma disputa diferente. Quem está emparedado é o governo, e a Marina faz parte do governo.

 

Ø  Marina não entra no jogo da direita e fica com Lula

 

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, frustrou as expectativas de seus adversários no Congresso e dentro do governo ao garantir que não está nos seus planos deixar o governo e que vai resistir junto com o presidente Lula às derrotas na área ambiental no Congresso.

Na bancada ruralista e até entre seus colegas no governo, havia uma torcida para que Marina, depois de ter seu ministério esvaziado, jogasse a toalha e pedisse demissão.

Em vez de reclamar de Lula, a ministra do Meio Ambiente se mostrou solidária ao presidente, dizendo que há um grupo que não se contenta com o resultado da eleição e segue tentando minar a democracia brasileira.

Também afirmou que é preciso resistir a esses ataques ao meio ambiente e à democracia, destacando que o governo enfrenta um Congresso conservador.

Nesta sexta-feira (26), o presidente Lula vai reunir sua equipe palaciana com Marina Silva e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para avaliar uma reação às decisões do Congresso e unificar o discurso do governo em torno da defesa do meio ambiente e das causas indígenas, dois temas estratégicos na agenda do petista.

Uma das ideias em discussão é baixar um decreto, depois de aprovada a medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios, fazendo ajustes na estrutura ministerial. A intenção não é desfazer a decisão do Congresso Nacional, mas vincular a ação de pastas.

Por exemplo: no caso do Cadastro Ambiental Rural, que foi tirado do Meio Ambiente e transferido para o Ministério da Gestão, o decreto estabeleceria que a pasta de Marina atuaria em conjunto com a equipe da ministra Esther Dweck.

 

Fonte: Agencia Estado/Deutsche Welle/g1

 

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