Deve ser profundamente vergonhoso para a
presidente Dilma Rousseff assistir aos descalabros que os anais de seu
(des)governo estão produzindo. É demasiado triste, e deveras criminoso,
constatar que ideologias político-partidárias, empoleiradas no ambiente de
governança, estão escrevendo a História do Brasil sob o signo do absoluto
desprezo por aquilo que convencionou-se chamar de Res publica e
que, neste quinhão tropical do planeta, ganhou contornos de montículo de
apaniguados cupins.
Foi-se a época quando a documentação oficial da
Presidência da República e de seus Ministérios, do Congresso Nacional e das
cortes de Justiça era farto material a narrar, com seriedade, e até digníssimas
transgressões, os tempos da sociedade brasileira. A epistemologia da identidade
nacional revelada em cartas, discursos, acórdãos, ofícios, memorandos e todo
vasto universo de documentos dos Três Poderes. O extraordinário valor do
cacófato: foi-se o tempo...
Daqui 100 anos, quando algum historiador
vasculhar os documentos deste nosso conturbado tempo, verificará que as
autoridades do Brasil protagonizaram o afogamento das instituições nas águas
rasas da imbecilidade. Presidentes, ministros, senadores, deputados e o grosso
caldo de assessores de coisa nenhuma vociferando contra o império da Lei,
atacando o Estado Democrático de Direito, vomitando impropérios, profanando
registros históricos com linhas beócias. A ausência de firmeza de caráter e de
convicções abunda nos anais brasileiros deste início de século XXI.
Faz lembrar Guimarães Rosa — por Dilma tão
celebrado, ainda que pouco decantado — em sua Magnum
opus “Grande sertão: veredas”. Escreveu, em quase vaticínio: “O
senhor sabe o mais que é, de se navegar sertão num rumo sem termo, amanhecendo
cada manhã num pouso diferente, sem juízo de raiz? Não se tem onde se acostumar
os olhos, toda firmeza se dissolve.”
Não por acaso — e talvez por enorme
simbolismo —, depois que o topo da cadeia santificou a mandioca e beatificou o
milho, restou ao Ministério da Cultura cravar nos registros oficiais da
República uma peça repugnante. Trata-se de uma nota oficial de esclarecimentos,
assinada pela Assessoria de Comunicação Integrada e publicada no dia 17 de
setembro de 2015 no site do MinC e nas redes sociais com o título: “Cultura
e informação melhoram até os reaças”. Com direito a smile e
toda pândega lambança entre partido político e Estado, entre o viés de bandos
privados e os bens públicos, marca indelével do aparelhamento que o PT promoveu
nas instituições.
É absolutamente inaceitável que um órgão de
Estado permita a utilização de instrumentos oficiais para encangalhar
ideologias e hastear bandeiras duvidosas. Se o titular da pasta foi aviltado
por declarações de “reacionários” — “a despeito da irrelevância”,
diz a nota —, há um foro específico para que ele possa, legitimamente, buscar a
reparação: chama-se Poder Judiciário. Não será, e isso é certo, uma postagem em
redes sociais, carregada de embustes pueris, a adequada defesa.
Aliás, cumpre questionar ao Exmo. Sr. Ministro:
está sobrando tempo à vossa equipe para elaboração de respostas a
irrelevâncias? O Ministério da Cultura consegue distinguir o que é relevante
daquilo que é irrelevante? Afinal, o próprio texto da nota oficial revela o
contrassenso ao que se imagina e espera de cidadãos com algum trabalho a
executar num governo, não obstante custeados pelos impostos cobrados do povo
brasileiro.
Petulância, arrogância, imodéstia, baixíssimo
domínio da ferramenta linguística. Nada que remeta minimamente à seriedade que
uma nação almeja de seus governantes e dos asseclas que gravitam às cercanias
do umbigo do Estado brasileiro. Para resumir a ópera dos malandros, a tal
Assessoria de Comunicação Integrada estuprou os anais com sua dialética e
pornográfica suruba ideológica. Lamentável.
A propósito, considerando o nível da nota
oficial do Ministério da Cultura, destaca-se: por “ANAIS”, este substantivo
masculino plural — do latim, annales —, leia-se “1)
História de um povo contada ano por ano através de documentos; 2) Publicação
periódica, anual; e 3) Publicação referente aos atos e estudos científicos,
literários ou de arte” (Dicionário Michaelis, 2015). Parafraseando o
vergonhoso texto da turma da Cultura (?!), cumpre reiterar: aprendam mais sobre
isso! Qualquer outra acepção revela apenas a necessidade de assepsia.
HELDER
CALDEIRA: Escritor e Jornalista Político
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