Com a morte prematura do ajuste fiscal, o governo partiu para outra tentativa: “Agenda Brasil”, um amontoado de propostas enferrujadas no
Congresso e no governo.
Para não ficar atrás, representantes
de 15 partidos da “base aliada” na Câmara lançaram, na quarta-feira, um
conjunto de propostas para retomar o desenvolvimento e superar a crise
política. O documento fala em “Pauta da Virada” e é uma contribuição à “Agenda Brasil”. Mais
um amontoado de propostas de caráter genérico.
Isso mostra
a falta de estratégia na busca de saída para a recessão que inferniza
o País.
Ficou provado em poucos meses que
não há melhora fiscal sem dois importantes fatores: crescimento e redução
da Selic. A recessão aprofunda a queda da arrecadação e tentativas de elevação
de tributos agravam ainda mais a recessão e fracassarão no Congresso.
Os limites para redução de
despesas não financeiras são estreitos, pois:
a) orçamento federal é engessado em
90% devido às amarrações legislativas e;
b) 64% da
despesa pública não financeira pertence a Estados e municípios, que gozam de
autonomia para a realização de despesas e procuram maximizá-las em busca de
dividendos políticos.
Além dessas
limitações, o Congresso e o Judiciário cravaram despesas extras ao governo federal
aproveitando a fragilidade política do Executivo. E agora vêm com essas
propostas....O agravamento fiscal vai continuar e a culpa é
exclusivamente do governo que cometeu o gravíssimo erro de elevar a Selic.
Sancionou a recessão e estourou as contas públicas.
Impõe-se novos caminhos para a política econômica visando o crescimento e o equilíbrio
das contas internas e externas. Equilíbrio fiscal é muito mais do que registrar
superávits primários. Estes nunca ultrapassaram 4% do PIB e os juros sempre
ficaram acima de 5% do PIB e em junho alcançaram 7,3% do PIB causando um rombo
fiscal de 8,1% do PIB!
Neste artigo abordo alguns desafios
para o crescimento. São avaliações e sugestões para o enfrentamento das
diversas travas ao crescimento. Vejamos.
Investimento
x Consumo
Muitas análises econômicas têm
pregado que o modelo de crescimento baseado no consumo das famílias se esgotou
e em seu lugar deve ficar um modelo baseado no investimento. Consideram que há
uma oposição entre consumo e investimento como polos opostos em disputa. Há,
por assim dizer, nesta pregação um excesso de consumo facilitado por
crédito abundante e programas de renda que irrigam as classes de menor renda,
bem como excesso de gastos com a Previdência Social, que deveria ter idade
mínima para aposentadoria. Discordo.
Para retomar o crescimento a visão
que considero adequada é a que vê interação positiva entre consumo e
investimento: maior consumo induz o investimento e maior investimento cria
consumo. Ambos precisam ser estimulados e as barreiras que os limitam devem ser
retiradas.
Vale considerar que o carro-chefe do
crescimento é o consumo das famílias. Nos cinco anos (2004/2008) que
antecederam a crise, este consumo foi responsável por 55% do crescimento médio
anual de 4,8%. Nos cinco anos (2009/2013) posteriores à crise responderam por
68% do crescimento médio anual de 2,7%. Para os investimentos nestes períodos
as contribuições foram respectivamente 27% e 13%.
Mais de 80% dos investimentos no
País são feitos pelas empresas. O setor público responde por menos de 20% do
investimento total e como está em déficit permanente e crescente, retomar
o investimento pressupõe depender principalmente das empresas.
Ocorre que a empresa para investir
precisa ter mercado crescente para seu produto e se aproximar do uso de sua
capacidade produtiva. Como a ociosidade está elevada para vários setores, a
resposta das empresas para investir não será imediata diante da perspectiva de
crescimento. Assim, há que estimular com vigor o consumo reduzindo as
taxas de juros do crediário, invertendo a forte ascensão ocorrida em benefício
do sistema financeiro, que amplia lucros com a recessão (vide balanços dos
principais bancos).
Segundo a última pesquisa
da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e
Contabilidade(Anefac), no período de março/2013 a julho/2015 o Banco Central elevou a Selic em sete pontos porcentuais
(elevação de 96,55%) de 7,25% ao ano para 14,25% ao ano. Neste período a taxa
de juros média para pessoa física apresentou uma elevação de 38,77 pontos
porcentuais (elevação de 44,07%) de 87,97% ao ano para 126,74% ao ano. Nos
países emergentes esta taxa gira em torno de 10% ao ano. Essa anomalia é
o principal freio ao consumo e ao crescimento. Eliminá-la é o
desafio.
Isso não se faz, no entanto, na marra,
nem com ameaças. Já foi tentada pela presidente, que ameaçou os bancos e recuou
logo em seguida. Foi um grave erro, que serviu ao sistema financeiro para
argumentar que não dá para reduzir estas taxas de juros. Mas dá e pode ocorrer
caso se estimule um processo concorrencial de mercado a ser feito em três ações
simultâneas e duradouras, sem recuos.
A primeira é começar a prática
de taxas de juros civilizados dentro de casa, ou seja, nas
instituições oficiais de crédito (Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES).
Num ranking de 30 bancos, no site do Banco Central, a Caixa Econômica Federal
figura na 21ª posição nos juros do cheque especial (209,98%) e o Banco do
Brasil em 22ª (214,62%). Tem 20 bancos privados cobrando menos. Os três últimos
no ranking são: Citibank (318,06%), HSBC (345,44%) e Santander (383,32%).
A segunda é colocar
a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação, como fazem os
países desde a crise do subprime americano. Assim, deveria ser reduzida até o
final deste ano para 9% e em 2016 acompanhar a queda prevista da inflação.
A terceira é reduzir e tabelar
as elevadas tarifas bancárias. Nenhuma destas ações depende do Congresso.
Ao reduzir a
Selic e as tarifas bancárias os bancos passam a procurar compensar os elevados ganhos destas
duas fontes com o que deveria ser sua função precípua, que é o financiamento de
atividades. A disputa
pelo mercado de crédito se acirra e o sistema financeiro passa a ser
aliado do crescimento econômico. Seu lucro irá crescer com o crescimento e não
com a recessão como ocorre.
Não dá mais para conviver com essa
situação. É necessário fazer valer o que estabelece a Constituição em seu
artigo 192, que trata do sistema financeiro. “Art.192 - O sistema financeiro
nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País
e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o
compõem,...”.
Outro forte estímulo ao consumo se
dá com políticas públicas de renda como Bolsa Família, Benefício de
Prestação Continuada (um salário mínimo para idosos carentes), salário
mínimo, etc. É injeção na veia do consumo. Dinheiro que retorna imediatamente
para a atividade econômica gerando emprego e mais renda às pessoas, lucro para
as empresas e expansão da arrecadação. Uma melhor distribuição de renda é a via
natural para a expansão do consumo e do desenvolvimento social.
Juros civilizados e melhor
distribuição de renda são caminhos que podem ser trilhados, com forte
respaldo na sociedade. É importante conquistá-los. Por que não?
Amir
Khair, engenheiro e mestre em finanças públicas pela
EAESP/FGV, foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo (1989/92).
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