Faz nove meses
que a pauta do país é golpe e ajuste fiscal (ou seria o oposto como causa e
efeito?). A
solução para isso é programa, agenda e mensagem política para os trabalhadores.
Quando perceberão que a rejeição ao
governo e à presidenta aparece com todo este tamanho pela insatisfação dos que
votaram em Dilma? Do outro lado, a insatisfação já estava consolidada. A
redução do tradicional, desde 2002, 54% x 46% para a diferença entre Dilma e
Aécio se deveu ao deslocamento de parte da classe C para lá. É aqui que reside
a resolução do jogo.
O povo não pode ser subestimado. Ele
até cria seus próprios argumentos para defender projetos com os quais ele se
identifica. Por isso, é quase um sacrilégio tomar medidas e se comportar de uma
maneira que o povo não seja capaz de defender, até porque isso - não conseguir
defender - duplica a irritação popular.
A tecla do golpe já virou uma novela
mexicana chata. Os democratas já estão contra isso, a maioria das lideranças
políticas, os artistas, mas continuará sendo apertada enquanto o governo não
começar em conformidade com as urnas. E enquanto ele não começa, o povo vai se
irritando, a classe política também, os empresários idem e a minoria golpista
no parlamento, governos locais, judiciário, polícia federal e nas ruas retomam espaço.
O maior medo do lado de cá tem que
ser a oposição voltar a ter coesão interna pelo deslocamento do setor que
aposta na tática do "sangramento" até 2018 para o "tem fato
jurídico e vamos derrubar" diante de um governo tão enfraquecido. Por
isso, o setor mais radicalizado da oposição não para de perseguir a busca deste
"fato", como é o caso do Gilmar Mendes. Eles estão vendo que o
governo está lhes dando tempo para criar o "fato" e atrair quem ainda
segura o governo enquanto mira em Lula e no PT. Enquanto isso, uns ficam
correndo atrás da cauda com a conversa de "os erros do PT",
pensando-se construtores da uma república dos sonhos e não a de carne, sangue e
osso construída na luta de classes. Basta ver a resposta à acusação de Gilmar
Mendes de que este governo usaria a corrupção como método de gestão..."se
fosse assim este governo não se investigaria e não criaria mecanismos para as
investigações". Ora, por favor!
O risco maior é a transição da
insatisfação popular para a antipatia popular. Essa é mortal e a gravidade do
que está ocorrendo exige o fim do tempo do "aguarde, há uma estratégia, é
que o modus operandi ". Se a aposta dos estrategas do governo é pactuar
com setores do lado de lá porque, aqui, haverá defesa em qualquer circunstância
estão errados. Haverá sim defesa, mas se ela se resumir à militância ou as
parcelas mais abnegadas dela, sem a massa dos eleitores da presidenta, pode
tudo se perder. E isso com as lideranças do PMDB correndo por fora, ocupando
espaços vazios e fazendo política com legitimidade, já que apenas assumem um
protagonismo que foi abandonado. Não pelo PT, que depende dos rumos do governo,
mas deste, que se enclausurou na psicografia do gerencialismo, aquela versão de
um suposto "Dilmismo" do primeiro mandato, onde a gerente substituiu,
no simbólico da gestão pública, a guerrilheira da democracia. Marca esta que as
eleições de 2014 resgatou.
Quando se esperava transitar do
pacto nacional que marcou os governos Lula para uma hegemonia mais clara de
esquerda vem o Ajuste. Este vindo, foca-se em medidas trabalhistas. Quando se
anuncia que "o ajuste não é um fim em si mesmo", a resposta é a
Agenda Brasil. Quando Janot encurrala Aécio e Eduardo Cunha, com motivadas
suspeitas, anuncia-se o corte de ministérios sem sequer uma narrativa. Aí, gira
a roda do Impeachment e mais uma semana de nhem-nhem-nhem!
Há, inclusive, quem esteja
defendendo isso devido ao fato de que o suposto elevado número deles se deu em
razão da quantidade de partidos políticos a contemplar no Congresso Nacional, o
que é concordar com o argumento liberal, que sempre acusou Lula e Dilma de
ampliar ministérios para contemplar a "politicagem" do parlamento,
que o PT teria aceitado em nome de um "projeto de poder" e não em
razão da expansão das políticas e dos serviços públicos, da necessidade de,
junto com isso, empoderar novos temas, abordagens e estratégias na gestão
pública federal (com repercussão federativa) etc.
Sem falar no corte de mil cargos
comissionados, como se esta conjuntura demandasse menos inteligência política
no primeiro, segundo, terceiro, "rabugésimo" escalão e, sim, mais
bons técnicos, que o governo e o Estado já dispõem, para aperfeiçoar o ajuste
das contas.
Está em jogo mais do que estes três
anos e meio, mas o futuro, confirmando ou não a tendência até então de ampliar
políticas, serviços e direitos do povo, o que vai depender do que se fizer
nesta conjuntura para assegurar a continuidade do projeto em 2018, e em termos
de gestão, que dá o conteúdo a este projeto.
Não é à toa que, em paralelo ao movimento
pró-Impeachment, outro movimento é feito pelas elites:a pressão pela imposição
da tecnocracia, do poder não-eletivo como poder moderador da democracia,
portanto, anti-democrática política e socialmente. É isto que une a Agenda
Brasil e o julgamento das "pedaladas". Se Dilma cair, há novo governo
neoliberal com Agenda liberal escondida pelo argumento tecnocrático. Se ficar,
fica, mas com esta Agenda. A pressão política sobre o TCU e o TSE visam a ambos
os casos. No mínimo, a condenação das "pedaladas" deve impor a
retirada do direito democrático de gestão política das contas públicas em
acordo com o programa consagrado pelos eleitores. Ao cabo, impedir que
programas de esquerda, populares, nacionalistas, democratizadores em amplo
sentido governem efetivamente daqui para a frente. É o golpe branco alternativo
ao próprio golpe branco do Impeachment.
Eles querem que a passagem do
"o ajuste fiscal" ao "não é um fim em si mesmo" corresponda
a um governo de técnicos com mandato formalmente autônomo no BC, num órgão de
fiscalização das contas públicas ainda pior que o TCU e na burocracia
jurídico-militar do Ministério Público e Polícia Federal.
Por isso, na seara da participação
social, o governo não pode fazer o o discurso técnico como se participação
fosse apenas "accountability". É fazer política, muita política com
os mais de 50 milhões que, um dia, já puderam ser chamados de "nossa
turma", principalmente, com os movimentos sociais, a classe C do
DataPopular e os beneficiários dos programas sociais. É preciso pactuar com
eles a "outra agenda".
Saímos da revisão da meta fiscal
para uma proposta de orçamento com déficit primário, tendo como única solução
para evitá-lo a ressurreição da CPMF, que é um imposto conceitualmente correto,
mas foi um tiro no pé seu anúncio sem discussão prévia e, ainda mais, sua
retirada precoce nos mesmos termos, provocando um desgaste a mais com a
indústria e no seio do povo, pois, neste interregno de crise, é obviamente uma
medida impopular falar em aumentar tributos.
A equipe econômica faz um discurso
envelhecido, planilheiro, que sequer mais se traduz em credibilidade para as
Agências de Rating. Se, antes, Mantega foi acusado de não ser transparente,
agora a "transparência" é para resultados negativos. E é um absurdo
que tudo se baseie em "projeções do mercado" para crescimento,
inflação ou emprego: se o mercado projeta, ele pode evitar. Trata-se tão
somente de cirandas financeiras e orquestração política com orelha e focinho de
economia.
O governo tem que se mirar é na
jovialidade da turma que "esfaqueou" o acintoso boneco inflável de
Lula na ponte Octávio Frias sobre a Avenida Roberto Marinho, em São Paulo, que
revela que o golpe segue em marcha devidamente chocado por hordas da fascistas.
Jovialidade esta que combina com a jovem guerrilheira Coração Valente das
eleições e do semblante que exibe a presidenta hoje, infelizmente, marcado pelo
olhar preocupado ao invés de esperançoso e confiante. Como traduzir isso? Como
fez a Argentina, que nomeou toda uma geração de novos líderes para dirigir
fatias estratégicas do governo, como a economista María Delfina Rossi, de 26
anos, diretora do Banco de la Nación, maior instituição financeira do país, ou
o próprio ministro de Economia, Axel Kicillof, agora com 40 anos e expoente da
La Campora. Axel não só enfrentou os Fundos Abutres como, desta disputa fez uma
limonada, assegurando à Cristina 40% de aprovação popular em Bom e Ótimo,
raridade em terras latino-americanas neste quadrante da história.
Isso é "Governo Novo, Ideias
Novas" para "Mais Mudanças, Mais Futuro". Nomes não faltam:
Marcio Pochmann, Alessandro Teixeira, entre outros. Ou, quem sabe, algum aluno
ou aluna da professora Conceição Tavares, daqueles bons desenvolvimentistas
"juniors". Tem uma nova guarda formada no PT e nos partidos populares
a rodo para reoxigenar este ambiente fétido a 32, 54 e 64. Há também uma velha
guarda que nunca pôde estar na condução deste processo, como Beluzzo e
companhia. Eles se unem na perspectiva de atualizar um programa reformador para
o Brasil no sentido na justiça social, soberania política, independência
econômica, integração regional e nova ordem mundial. Há, ainda, quem, no
governo, espere apenas um "start" para trocar "excel" por
"IPADs" da retórica política.
Vamos lá! É a hora de levantar,
sacudir a poeira e dar a volta por cima!
Leopoldo Vieira: Foi coordenador do
monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre
desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff
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