A
frase conhecida é outra. Encontrei num livro com citações do Che: "Prefiro
morrer de pé a viver ajoelhado." É assim que aparece gravada, em espanhol,
ao lado da famosa foto de Alberto Korda num quadro pendurado atrás da minha
mesa de trabalho.
Lembrei-me
da frase na quarta-feira, 2 de dezembro, no exato momento em que Eduardo Cunha
afirmou que acatoaria o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, protocolado em
outubro pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Conceição
Paschoal.
A
frase fazia sentido. Sempre fez e sempre vai fazer. Naquele momento, em
especial, o subversivo axioma funcionava como um farol a apontar o único
caminho possível para dirigentes, parlamentares, filiados e simpatizantes do
Partido dos Trabalhadores. Um caminho de coerência política, de respeito a seu
estatuto e à sua história, de sinergia com aqueles que referendaram a
continuidade do governo Dilma nas urnas.
Dias
antes, ventilava-se na "grande imprensa" o boato de que setores do PT
aceitariam salvar Eduardo Cunha na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados em
troca da promessa de que ele não acolheria nenhum dos pedidos de impeachment
presidencial protocolados ao longo do ano. Deflagrados por setores da mídia afeitos
ao golpe, esses boatos acenderam o sinal de alerta entre os petistas. Uma
situação tão absurda e constrangedora quanto a comparação entre Cunha e Dilma.
Repare: Ele está sendo investigado no Brasil e no exterior; ela não. Ele tem
quatro contas na Suíça e a suspeita de ter transferido para lá dinheiro obtido
de forma ilícita; ela não. Ele tem uma dezena de denúncias de corrupção
recebidas desde 1991, ela não. Ele é acusado de coagir e chantagear
testemunhas, ela não. Por isso o alívio quando os três deputados petistas da
comissão declararam que a bancada havia deliberado pelo apoio à objeção ao
projeto. Horas depois, Cunha cumpriu a promessa velada e acolheu pedido de
impeachment. Passado um instante de choque e inação, veio a euforia: liberdade
ainda que tardia. Se alguém ainda acreditava na existência de conchavos dessa
espécie, a resposta veio escaldante: é melhor morrer de pé que viver de
joelhos.
Convertida
em meme, a frase de Che alçou voo e colecionou erratas. Um amigo contou que um
amigo dele, de origem portuguesa, tinha chamado sua atenção ao ver o post:
antes do Che, a frase havia sido dita por Dolores Ibárrui, durante a Guerra
Civil Espanhola, ele corrigiu. "Antes morrer de pé do que viver de
joelhos", ela teria dito nos anos 1930, insuflando os manifestantes contra
as tropas do general Franco, segundo a Wikipedia.
Muito
antes dela, Emiliano Zapata, no México, discursou igual conteúdo. "É
melhor morrer de pé do que viver de joelhos" teria dito o herói nacional,
insurgido contra a ditadura de Porfírio Díaz já na década de 1910.
Finalmente,
é atribuída a José Marti, o poeta cubano, uma quarta versão da frase:
"Mais vale um minuto de pé do que uma vida de joelhos". Isso no
século XIX.
Se
a frase não fosse boa, de certo não teria sido tantas vezes repetida e
imortalizada, em discursos de tão importantes rebeldes visionários. Mas, sem
menosprezar José Marti, Zapata, La Pasionaria ou Guevara, é sua inversão que eu
proponho: Antes viver de pé do que morrer de joelhos.
Quem
vive de joelhos morre. Quem se levanta vive. Assim tem sido desde tempos
imemoriais — ou pelo menos desde que Freud apresentou a psicanálise.
No
ambiente político brasileiro neste finalzinho de 2015, não é verdade que Dilma
ou o PT correm o risco de morrer se estiverem dispostos a se levantar. Ao
contrário, ficar de pé é a única maneira de se manterem vivos.
Camilo
Vanucchi: Jornalista, escritor, mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e
assessor parlamentar. E-mail: camilo.vannuchi@gmail.com
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