sábado, 5 de abril de 2025

Waack: Trump não percebe o buraco que cavou para si

O mínimo que se disse sobre o “tarifaço” de Trump é que se trata de uma ação ingênua, contraproducente, ignorante dos fundamentos da economia, mal calibrada, desnecessária, perigosa e destrutiva.

E o tom só aumenta: uma demonstração de extraordinária estupidez.

A péssima reação dos mercados — ou seja, dos investidores — ao redor do mundo tem todos esses componentes. E provavelmente mais um. A maneira como a Casa Branca chegou às tarifas que impôs, sobretudo na Ásia, foi por meio de um cálculo tosco, em um nível de amadorismo comparável à discussão que os principais assessores de Trump para defesa nacional levaram adiante sobre planos de guerra em um aplicativo de mensagens comercial. Seria apenas engraçado, não fossem as consequências destruidoras para a ordem internacional em geral — e não apenas para o sistema internacional de comércio.

Para os Estados Unidos, economistas de várias tendências preveem que o “tarifaço” — apelidado de “Dia da Libertação” — vai, na verdade, libertar os americanos de suas poupanças, empregos e salários. Além disso, fará subir imediatamente a inflação, enquanto diminui a taxa de crescimento da economia.

O dano no resto do mundo já é descrito como imenso, pois engloba desde a quebra de confiança até a destruição de alianças militares e uma guerra comercial. Trump foi descrito hoje até mesmo pelo American Enterprise Institute, uma famosa instituição conservadora, como um “analfabeto em economia” — alguém que não entendeu as causas do déficit comercial americano (basicamente, um país que consome mais do que investe) e não consegue ler os sinais de perigo à frente, nem mesmo para si mesmo.

¨      Tarifas de Trump exigem mais interconexão entre países, dizem especialistas

Relações entre os países, cadeias globais de produção e, em geral, a dinâmica da economia mundial: “muda-se o jogo” com as tarifas apresentadas por Donald Trump nesta quarta-feira (2), segundo especialistas ouvidos pelo WW.

Para o médio e longo prazos discute-se a possibilidade de os Estados Unidos e o mundo serem abarcados por uma recessão. Mas no curto prazo já se vê como reverbera a política comercial do republicano: “[as tarifas] mudarão fundamentalmente o sistema de comércio internacional”, avaliou o economista e primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney.

E é nesse sentido de os países rearranjarem suas conexões que deve ir a reação do mundo às tarifas, apontaram ao WW Christopher Garman, diretor-executivo da Eurasia Group, e Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

Cada país vai defender seu interesse, e para defender interesse tem que ter visão de conjunto. O Brasil não pode reagir sem saber a tendência

Rubens Barbosa

O ex-embaixador olha para a Ásia, onde, segundo ele, o inimaginável está acontecendo: Japão, China e Coreia do Sul — países historicamente apartados — estão buscando se aproximar política e economicamente para se fortalecerem ante as tarifas de Trump.

Com as tarifas recíprocas anunciadas pelo presidente dos EUA, a China vai ter de passar por uma tarifa média de 54% para colocar seus produtos em território norte-americano.

E para o Brasil, ao qual foi direcionado uma tarifa de 10%? “Muito cedo ainda, vai ter que aguardar a reação dos principais parceiros. […] O Brasil não pode reagir imediatamente, reagir ideologicamente, falar em retaliação. Tem que negociar”, pondera Barbosa.

“Do ponto de vista do comércio exterior brasileiro, precisa reavaliar o Mercosul, algumas tarifas e algumas medidas [protecionistas não tarifárias] para negociar”, pontua.

Para o presidente do Irice, ainda é necessário que o Brasil pense estrategicamente em relação à América Latina, buscando construir cadeias regionais de valor na sua zona de influência.

Garman vê essa como a tendência daqui para frente, de as regiões buscarem aproximar-se entre si.

“Seja politicamente ou do lado comercial, nós vamos ter o mundo começando a se relacionar mais num contexto em que os Estados Unidos levantam barreiras e não são mais vistos como confiáveis”, observou.

Nesse rearranjo de dinâmicas, Barbosa diz que em sua carreira como embaixador “nunca vi uma situação como essa”.

Sua conclusão é de o caminho escolhido por Trump afeta a integridade econômica e política do país. Olhando em retrospecto, o ex-embaixador se questiona se o cenário atual aproxima-se de um padrão histórico.

“Na história, os impérios, na maioria das vezes, se destruíram por questões internas. […] Eu não sei se a gente está vendo o começo disso na sociedade americana”, conclui.

<><> Alívio

Apesar de o diretor-executivo da Eurasia Group ter visto um anúncio muito pior que o imaginado para o mundo, ele concorda que o Brasil acabou “saindo bem na foto”.

No fim, Garman aponta que a conta que o gabinete de Trump fez foi muito mais simples do que a prometida — de levar em consideração tarifas médias, barreiras não tarifárias e afins.

Desse modo, considerando apenas a balança comercial, o Brasil conseguiu sair bem na foto vista por Trump e, consequentemente, ser recebido com uma tarifa mais branda que a esperada.

Para Rubens Barbosa, o Brasil “tem motivos para estar aliviado”.

¨      Com retaliação da China, começa a guerra comercial no mundo?

retaliação da China com o anúncio de taxas recíprocas de 34% aos produtos americanos intensifica a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Ainda assim, o país asiático tem uma posição vantajosa que possibilita o revide a Trump, diferente de outras nações, segundo especialistas ouvidos pela CNN.

“Essa retaliação pode incentivar [medidas semelhantes de outros países], mas a China tem uma condição que a permite dar esse tipo de resposta. Os EUA tem uma relação comercial que depende mais da China do que a China depende dos EUA, o que não é o caso para a maioria dos outros países”, afirmou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.

O economista explicou que a medida tarifária divulgada pela China é diferente da que foi anunciada por Trump na quarta-feira (2) e deve ter um impacto mais significativo para os americanos.

“Enquanto os Estados Unidos escolheram alguns produtos para taxar, neste primeiro momento a China escolheu englobar tudo, então é uma retaliação mais forte. Essa reação inicial é muito negativo pelo potencial que tem”, declarou.

Para Leandro Consentino, cientista político e professor de Relações Internacionais do Insper, disse que a relação entre EUA e China segue na mesma direção do primeiro mandato de Donald Trump, mas agora há uma escalada na guerra comercial entre

“Trump já tinha essas ideias no primeiro mandato, mas antes era mais ‘controlado’, seja pelo Congresso ou pelo fato de estar pela primeira vez na Casa Branca. Então, agora há uma mudança de intensidade, não de direcionamento”.

O cientista político avaliou que a tendência em momentos de incerteza, como o atual, é de que as nações passem a adotar medidas de fortalecimento interno.

“Estamos há algum tempo em uma sucessão de crises econômicas, como do subprime e a pandemia, e com intervalos de recuperação muito curtos entre elas. Isso tende a fazer com que os países olhem para dentro e tomem medidas mais protecionistas, com menos esforços de globalização, na contramão do que vivemos nos anos 1990″, explicou.

Em entrevista ao CNN Money nesta sexta-feira (4), Marcus Vinicius de Freitas, professor da China Foreign Affairs, pontuou que independentemente dos desdobramentos que as tarifas americanas ocasionem, o novo governo republicano já mudou as diretrizes do comércio internacional.

“Hoje temos uma guerra comercial de Trump contra o mundo e basicamente o enterro da Organização Comercial do Comércio (OMC), o que é ruim, porque prejudica as regras do comércio internacional e a estabilidade dessas transações. É uma guerra de Trump contra todos”, declarou.

¨      Por que Rússia não está na lista de países atingidos por tarifaço de Trump

Um país que não aparece na lista de tarifas de importação impostas pelo presidente americano Donald Trump aos parceiros comerciais americanos é a Rússia.

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, justificou a ausência, segundo o portal de notícias Axios, afirmando que as sanções americanas já existentes contra a Rússia "inviabilizam qualquer [volume de] comércio significativo" com o país.

Ela destacou que as novas tarifas também não atingiram Cuba, Belarus e a Coreia do Norte.

Mas países com volume de comércio ainda menor com os Estados Unidos constam da lista de tarifas. Um exemplo é a Síria, que exportou US$ 11 milhões (cerca de R$ 61,8 milhões) em produtos para os americanos no ano passado, segundo dados das Nações Unidas mencionados pelo portal Trading Economics.

Durante a gestão Joe Biden, os Estados Unidos impuseram amplas sanções à Rússia após a invasão da Ucrânia, em 2022. Trump tem, contudo, mantido uma postura mais amistosa em relação a Moscou desde seu retorno à Casa Branca em janeiro.

Trump fez do fim da guerra sua prioridade. E uma importante autoridade russa — o diretor do Fundo Russo de Investimentos Diretos, Kirill Dmitriev — está nesta semana na capital americana, Washington.

Seu objetivo é se reunir com membros do governo americano e dar continuidade às negociações para um acordo de paz.

Em março, Donald Trump ameaçou impor tarifas de importação de 50% aos países que importam petróleo da Rússia caso o presidente russo Vladimir Putin não concordasse com um cessar-fogo.

Na quinta-feira, a imprensa russa também argumentou que seu país não estava na extensa lista de tarifas americanas devido às sanções já existentes.

"Nenhuma tarifa foi imposta à Rússia, mas não devido a algum [tipo de] tratamento especial", declarou a TV estatal Rossiya 24. "Foi simplesmente porque já existem sanções do Ocidente em vigor contra o nosso país."

A emissora afiliada Rossiya 1 noticiou que a ausência da Rússia na lista afirmando que medida tinha vindo "para decepção de muitos no Ocidente".

Vários órgãos noticiosos controlados pelo Kremlin fizeram referência específica ao secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. À emissora americana Fox News, ele declarou: "Rússia e Belarus, não fazemos comércio com eles. Eles têm sanções."

Segundo o Escritório do Representante Comercial americano, em 2024, os Estados Unidos importaram da Rússia US$ 3,5 bilhões (cerca de R$ 19,7 bilhões) em produtos.

As importações consistiram basicamente de fertilizantes, combustível nuclear e alguns metais, segundo o portal Trading Economics e a imprensa russa.

Parte da cobertura russa assumiu um tom sarcástico. O canal pró-Kremlin NTV declarou que o presidente Trump trata os aliados americanos na Europa como "servos", que só respondem com "lamúrias".

Outros — como a Zvezda TV, administrada pelo ministério russo da Defesa — destacaram a inclusão das desabitadas ilhas Heard e McDonald na lista de tarifas.

"Parece que alguns pinguins terão que pagar a tarifa de 10%", zombou a Zvezda.

·        E a Ucrânia?

Já a Ucrânia passa a enfrentar uma tarifa de 10% sobre suas exportações para os Estados Unidos.

A vice-primeira-ministra do país, Yulia Svyrydenko, declarou que a nova tarifa de importação dos Estados Unidos irá atingir principalmente os pequenos produtores.

Ela também afirmou que a Ucrânia está "trabalhando para garantir melhores condições" de comércio com os americanos.

Em 2024, a nação exportou US$ 874 milhões (cerca de R$ 4,9 bilhões) em produtos para os Estados Unidos e importou US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 19,1 bilhões), segundo a vice-primeira-ministra.

"A Ucrânia tem muito a oferecer aos Estados Unidos, como parceira e aliada confiável", declarou Svyrydenko. "Tarifas justas beneficiam os dois países."

Apesar da pequena escala de comércio, os Estados Unidos forneceram apoio material significativo para a guerra contra a Rússia. Trump defende que seu país gastou algo entre US$ 300 bilhões e US$ 350 bilhões (cerca de R$ 1,69 trilhões a 1,97 trilhões) em auxílio.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que foram "apropriados" US$ 182,8 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) à Operação Atlantic Resolve, destinada a reforçar as defesas da Otan em resposta à guerra na Ucrânia.

Este número inclui o treinamento militar americano na Europa e o reabastecimento de material de defesa.

Os Estados Unidos também tentam firmar um acordo de acesso a minerais ucranianos como parte das negociações para pôr fim à guerra no país.

 

Fonte: CNN Brasil/BBC News

 

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