Waack: Trump não percebe o buraco que cavou
para si
O
mínimo que se disse sobre o “tarifaço” de Trump é que se trata de uma ação
ingênua, contraproducente, ignorante dos fundamentos da economia, mal
calibrada, desnecessária, perigosa e destrutiva.
E o tom
só aumenta: uma demonstração de extraordinária estupidez.
A
péssima reação dos mercados — ou seja, dos investidores — ao redor do mundo tem
todos esses componentes. E provavelmente mais um. A maneira como a Casa Branca chegou às
tarifas que impôs, sobretudo na Ásia, foi por meio de um cálculo tosco, em um nível de
amadorismo comparável à discussão que os principais assessores de Trump para
defesa nacional levaram adiante sobre planos de guerra em um aplicativo de
mensagens comercial. Seria apenas engraçado, não fossem as consequências
destruidoras para a ordem internacional em geral — e não apenas para o sistema
internacional de comércio.
Para os
Estados Unidos, economistas de várias tendências preveem que o “tarifaço” —
apelidado de “Dia da Libertação” — vai, na verdade, libertar os americanos de
suas poupanças, empregos e salários. Além disso, fará subir imediatamente a
inflação, enquanto diminui a taxa de crescimento da economia.
O dano
no resto do mundo já é descrito como imenso, pois engloba desde a quebra de
confiança até a destruição de alianças militares e uma guerra comercial. Trump
foi descrito hoje até mesmo pelo American Enterprise Institute, uma famosa
instituição conservadora, como um “analfabeto em economia” — alguém que não
entendeu as causas do déficit comercial americano (basicamente, um país que
consome mais do que investe) e não consegue ler os sinais de perigo à frente,
nem mesmo para si mesmo.
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Tarifas de Trump exigem
mais interconexão entre países, dizem especialistas
Relações
entre os países, cadeias globais de produção e, em geral, a dinâmica da
economia mundial: “muda-se o jogo” com as tarifas apresentadas por Donald Trump
nesta quarta-feira (2), segundo especialistas ouvidos pelo WW.
Para o
médio e longo prazos discute-se a possibilidade de os Estados Unidos e o mundo
serem abarcados por uma recessão. Mas no curto prazo já se vê como reverbera a
política comercial do republicano: “[as tarifas] mudarão fundamentalmente o
sistema de comércio internacional”, avaliou o economista e
primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney.
E é
nesse sentido de os países rearranjarem suas conexões que deve ir a reação do
mundo às tarifas, apontaram ao WW Christopher Garman,
diretor-executivo da Eurasia Group, e Rubens Barbosa, ex-embaixador em
Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio
Exterior (Irice).
Cada
país vai defender seu interesse, e para defender interesse tem que ter visão de
conjunto. O Brasil não pode reagir sem saber a tendência
Rubens
Barbosa
O
ex-embaixador olha para a Ásia, onde, segundo ele, o inimaginável está
acontecendo: Japão, China e Coreia do Sul — países historicamente apartados —
estão buscando se aproximar política e economicamente para se fortalecerem ante
as tarifas de Trump.
Com as
tarifas recíprocas anunciadas pelo presidente dos EUA, a China vai ter de passar por uma
tarifa média de 54% para colocar seus produtos em território norte-americano.
E para
o Brasil, ao qual foi direcionado uma tarifa de
10%?
“Muito cedo ainda, vai ter que aguardar a reação dos principais parceiros.
[…] O Brasil não pode reagir imediatamente, reagir
ideologicamente, falar em retaliação. Tem que negociar”, pondera Barbosa.
“Do
ponto de vista do comércio exterior brasileiro, precisa reavaliar o Mercosul,
algumas tarifas e algumas medidas [protecionistas não tarifárias] para
negociar”, pontua.
Para o
presidente do Irice, ainda é necessário que o Brasil pense estrategicamente em
relação à América Latina, buscando construir cadeias regionais de valor na sua
zona de influência.
Garman
vê essa como a tendência daqui para frente, de as regiões buscarem aproximar-se
entre si.
“Seja
politicamente ou do lado comercial, nós vamos ter o mundo começando a se
relacionar mais num contexto em que os Estados Unidos levantam barreiras e não
são mais vistos como confiáveis”, observou.
Nesse
rearranjo de dinâmicas, Barbosa diz que em sua carreira como embaixador “nunca
vi uma situação como essa”.
Sua
conclusão é de o caminho escolhido por Trump afeta a integridade econômica e
política do país. Olhando em retrospecto, o ex-embaixador se questiona se o
cenário atual aproxima-se de um padrão histórico.
“Na
história, os impérios, na maioria das vezes, se destruíram por questões
internas. […] Eu não sei se a gente está vendo o começo disso na sociedade
americana”, conclui.
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Alívio
Apesar
de o diretor-executivo da Eurasia Group ter visto um anúncio muito pior que o
imaginado para o mundo, ele concorda que o Brasil acabou “saindo bem na foto”.
No fim,
Garman aponta que a conta que o gabinete de Trump fez foi muito mais simples do
que a prometida — de levar em consideração tarifas médias, barreiras não
tarifárias e afins.
Desse
modo, considerando apenas a balança comercial, o Brasil conseguiu sair bem na
foto vista por Trump e, consequentemente, ser recebido com uma tarifa mais
branda que a esperada.
Para
Rubens Barbosa, o Brasil “tem motivos para estar aliviado”.
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Com retaliação da China,
começa a guerra comercial no mundo?
A retaliação da China com o anúncio
de taxas recíprocas de 34% aos produtos americanos intensifica a guerra
comercial entre as duas maiores economias do mundo. Ainda assim, o país
asiático tem uma posição vantajosa que possibilita o revide a Trump, diferente
de outras nações, segundo especialistas ouvidos pela CNN.
“Essa
retaliação pode incentivar [medidas semelhantes de outros países], mas a China
tem uma condição que a permite dar esse tipo de resposta. Os EUA tem uma
relação comercial que depende mais da China do que a China depende dos EUA, o
que não é o caso para a maioria dos outros países”, afirmou Gustavo Cruz,
estrategista-chefe da RB Investimentos.
O
economista explicou que a medida tarifária divulgada pela China é diferente da
que foi anunciada por Trump na quarta-feira (2) e deve ter um impacto mais
significativo para os
americanos.
“Enquanto os Estados Unidos escolheram alguns
produtos para taxar, neste primeiro momento a China escolheu englobar tudo,
então é uma retaliação mais forte. Essa reação inicial é muito negativo pelo
potencial que tem”, declarou.
Para Leandro Consentino, cientista político e
professor de Relações Internacionais do Insper, disse que a relação entre EUA e
China segue na mesma direção do primeiro mandato de Donald Trump, mas agora há
uma escalada na guerra comercial entre
“Trump já tinha essas ideias no primeiro
mandato, mas antes era mais ‘controlado’, seja pelo Congresso ou pelo fato de
estar pela primeira vez na Casa Branca. Então, agora há uma mudança de
intensidade, não de direcionamento”.
O cientista político avaliou que a tendência
em momentos de incerteza, como o atual, é de que as nações passem a adotar
medidas de fortalecimento interno.
“Estamos há algum tempo em uma sucessão de
crises econômicas, como do subprime e a pandemia, e com
intervalos de recuperação muito curtos entre elas. Isso tende a fazer com que
os países olhem para dentro e tomem medidas mais protecionistas, com menos
esforços de globalização, na contramão do que vivemos nos anos 1990″, explicou.
Em entrevista ao CNN Money nesta
sexta-feira (4), Marcus Vinicius de Freitas, professor da China Foreign
Affairs, pontuou que independentemente dos desdobramentos que as tarifas
americanas ocasionem, o novo governo republicano já mudou as diretrizes do
comércio internacional.
“Hoje temos uma guerra comercial de Trump
contra o mundo e basicamente o enterro da Organização Comercial do Comércio
(OMC), o que é ruim, porque prejudica as regras do comércio internacional e a
estabilidade dessas transações. É uma guerra de Trump contra todos”, declarou.
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Por que Rússia não está
na lista de países atingidos por tarifaço de Trump
Um país
que não aparece na lista de tarifas de importação impostas pelo
presidente americano Donald Trump aos parceiros
comerciais americanos é a Rússia.
A
porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, justificou a ausência, segundo
o portal de notícias Axios, afirmando que as
sanções americanas já existentes contra a Rússia "inviabilizam
qualquer [volume de] comércio significativo" com o país.
Ela
destacou que as novas tarifas também não atingiram Cuba, Belarus e a Coreia do
Norte.
Mas
países com volume de comércio ainda menor com os Estados Unidos constam da
lista de tarifas. Um exemplo é a Síria, que exportou US$ 11 milhões (cerca de
R$ 61,8 milhões) em produtos para os americanos no ano passado, segundo dados
das Nações Unidas mencionados pelo portal Trading Economics.
Durante
a gestão Joe Biden, os Estados Unidos impuseram amplas sanções à Rússia após
a invasão da Ucrânia, em 2022. Trump tem,
contudo, mantido uma postura mais amistosa em relação a Moscou desde seu
retorno à Casa Branca em janeiro.
Trump
fez do fim da guerra sua prioridade. E uma importante
autoridade russa — o diretor do Fundo Russo de Investimentos Diretos, Kirill
Dmitriev — está nesta semana na capital americana, Washington.
Seu
objetivo é se reunir com membros do governo americano e dar continuidade às
negociações para um acordo de paz.
Em
março, Donald Trump ameaçou impor tarifas de importação de 50% aos
países que importam petróleo da Rússia caso o presidente russo Vladimir
Putin não concordasse com um cessar-fogo.
Na
quinta-feira, a imprensa russa também argumentou que seu país não estava na
extensa lista de tarifas americanas devido às sanções já existentes.
"Nenhuma
tarifa foi imposta à Rússia, mas não devido a algum [tipo de] tratamento
especial", declarou a TV estatal Rossiya 24. "Foi simplesmente porque
já existem sanções do Ocidente em vigor contra o nosso país."
A
emissora afiliada Rossiya 1 noticiou que a ausência da Rússia na lista
afirmando que medida tinha vindo "para decepção de muitos no
Ocidente".
Vários
órgãos noticiosos controlados pelo Kremlin fizeram referência específica ao
secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. À emissora americana
Fox News, ele declarou: "Rússia e Belarus, não fazemos comércio com eles.
Eles têm sanções."
Segundo
o Escritório do Representante Comercial americano, em 2024, os Estados Unidos
importaram da Rússia US$ 3,5 bilhões (cerca de R$ 19,7 bilhões) em produtos.
As
importações consistiram basicamente de fertilizantes, combustível nuclear e
alguns metais, segundo o portal Trading Economics e a imprensa russa.
Parte
da cobertura russa assumiu um tom sarcástico. O canal pró-Kremlin NTV declarou
que o presidente Trump trata os aliados americanos na Europa como
"servos", que só respondem com "lamúrias".
Outros
— como a Zvezda TV, administrada pelo ministério russo da Defesa — destacaram a
inclusão das desabitadas ilhas Heard e McDonald na lista de tarifas.
"Parece
que alguns pinguins terão que pagar a tarifa de 10%", zombou a Zvezda.
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E a Ucrânia?
Já
a Ucrânia passa a
enfrentar uma tarifa de 10% sobre suas exportações para os Estados Unidos.
A
vice-primeira-ministra do país, Yulia Svyrydenko, declarou que a nova tarifa de
importação dos Estados Unidos irá atingir principalmente os pequenos
produtores.
Ela
também afirmou que a Ucrânia está "trabalhando para garantir melhores
condições" de comércio com os americanos.
Em
2024, a nação exportou US$ 874 milhões (cerca de R$ 4,9 bilhões) em produtos
para os Estados Unidos e importou US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 19,1 bilhões),
segundo a vice-primeira-ministra.
"A
Ucrânia tem muito a oferecer aos Estados Unidos, como parceira e aliada
confiável", declarou Svyrydenko. "Tarifas justas beneficiam os dois
países."
Apesar
da pequena escala de comércio, os Estados Unidos forneceram apoio material
significativo para a guerra contra a Rússia. Trump defende que seu país gastou
algo entre US$ 300 bilhões e US$ 350 bilhões (cerca de R$ 1,69 trilhões a 1,97
trilhões) em auxílio.
O
Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que foram
"apropriados" US$ 182,8 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) à Operação
Atlantic Resolve, destinada a reforçar as defesas da Otan em resposta à guerra
na Ucrânia.
Este
número inclui o treinamento militar americano na Europa e o reabastecimento de
material de defesa.
Os
Estados Unidos também tentam firmar um acordo de acesso a minerais ucranianos como parte das
negociações para pôr fim à guerra no país.
Fonte: CNN Brasil/BBC News
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