segunda-feira, 24 de março de 2025

Como cortes de Trump e Musk na ciência nos EUA ameaçam clima e segurança

A ciência nos Estados Unidos está em crise. A razão são os recentes cortes anunciados pelo governo federal sob o comando de Trump, com o apoio de Elon Musk. Juntos, eles dizem querer alcançar uma economia de US$ 1 trilhão, mas seu primeiro alvo tem sido agências que monitoram fenômenos climáticos e até mesmo a Nasa. Tudo começou em fevereiro, quando ao lado de Elon Musk, o presidente Donald Trump anunciou um esforço para reduzir a força de trabalho federal, identificando funcionários do governo que poderiam ser demitidos e funções que poderiam ser eliminadas completamente. Com isso, foi enviado um comunicado às agências para que apresentassem um plano. A resposta foi um anúncio de demissões em setores estratégicos para a ciência do clima e até mesmo na agência espacial, a Nasa.

️ Na NOAA, por exemplo, quase 10% da força de trabalho foi demitida, o que dá cerca de mil funcionários. A agência reúne alguns dos melhores cientistas do clima do mundo e é responsável pela previsão do tempo, monitoramento de furacões, tornados e tsunamis no país, além de fornecer dados que ajudam a monitorar a mudança climática e seus impactos no mundo. Para se ter uma noção do impacto, funcionários disseram em entrevistas à imprensa internacional que a redução afeta diretamente a capacidade do país de se preparar para eventos extremos, especialmente após uma temporada recorde de furacões no ano passado.

🔴 Apesar de Trump ter falado publicamente sobre os planos de “colocar a bandeira dos Estados Unidos em Marte”, a Nasa não ficou de fora dos cortes. Na agência, foram anunciadas cerca de 20 demissões e o fechamento do Escritório de Ciência, Política, Estratégia e Diversidade.

Neste momento, os cortes estão suspensos por uma decisão da Justiça, mas os funcionários alegam que ainda não foram liberados para ocupar seus postos de trabalho e avisados que estão restituídos, mas em um tipo de licença. Especialistas alertam que a perda desses profissionais compromete a capacidade dos Estados Unidos de prever desastres e agir rapidamente, colocando em risco a segurança da população.

·        Como tudo começou?

Logo que assumiu, Trump anunciou como parte de seu governo o bilionário Elon Musk. O empresário ficou com o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), com o objetivo de dar conselhos para o novo presidente americano sobre onde cortar gastos públicos. O objetivo de Musk é um corte de US$1 trilhão no orçamento americano.

Em 12 de fevereiro, Trump assinou no Salão Oval, ao lado de Musk, uma ordem executiva determinando que as agências americanas—órgãos responsáveis por diversos serviços governamentais—trabalhassem em colaboração com o bilionário e seu departamento para reduzir a força de trabalho federal, identificando funcionários que poderiam ser demitidos e funções que poderiam ser completamente eliminadas.

️ Ou seja, era o departamento de Musk que decidiria sobre os cortes. Depois disso, pesquisadores começaram a receber memorandos e e-mails anunciando suas demissões. Na imprensa internacional, especialistas criticaram a falta de transparência nas decisões de Musk, que não deixou claro quem são os membros de seu gabinete nem como definiu essas prioridades.

·        Apagão de dados e o risco climático

Até agora, uma das agências mais afetadas é a NOAA. A agência é uma referência em observação e pesquisa sobre o clima no mundo.

Entre suas atribuições estão:

  • Previsão do tempo, com alerta sobre furacões, tornados, inundações e tsunamis;
  • Gerenciamento da pesca no país;
  • Administração de santuários marinhos;
  • Informações para a navegação;
  • Resposta a desastres;
  • Monitoramento dos oceanos.

A agência tem cerca de 10 mil funcionários nestas funções, em várias frentes. Segundo o New York Times, a NOAA não confirmou o número de demissões, mas fontes ligadas à agência alertam sobre quase mil desligamentos no início de março.

Entre os demitidos, estão: especialistas em clima, oceanos, biodiversidade e outras pesquisas e campos de monitoramento planetário.

Isso acontece em um momento sensível para os Estados Unidos:

Esses eventos são monitorados pela NOAA, que emite alertas à população e apoia no enfrentamento dos desastres.

Na rede social, Andy Hazelton, pesquisador especialista em furacões e recém-demitido da NOAA, comentou que a decisão cria um apagão de dados para o país. “Isso [as demissões] vai degradar a habilidade de previsão não apenas para modelos americanos, mas para quaisquer modelos que assimilem dados do ar superior. É apenas uma questão de tempo”, comentou Andy Hazelton.

🔴 Além disso, todos os eventos têm algo em comum: o aquecimento dos oceanos – que também é monitorado pela NOAA.

Os especialistas em oceano e clima alertam que a medida do governo Trump acontece em momento delicado para os Estados Unidos, mas também para o mundo. Isso porque não está totalmente claro para os cientistas o que está fazendo as águas aquecerem tanto e é imprescindível entender. Justamente por isso, o trabalho da agência é importante.

Para além do apagão, outra preocupação é como isso vai afetar os serviços de empresas americanas a quem a NOAA fornece informações para suas plantações, navegação, entre outros serviços. “Esta ação é um golpe direto em nossa economia, porque a força de trabalho especializada da NOAA fornece produtos e serviços que sustentam mais de um terço do PIB do país”, comentou a senadora Maria Cantwell, democrata de Washington.

·        Os cortes na Nasa e a influência de Musk

Depois da NOAA, o outro alvo foi a Nasa. A administradora interina da Nasa, Janet Petro, disse aos funcionários por email na última semana que o Escritório do Cientista-Chefe, o Escritório de Ciência, Política e Estratégia e o ramo de diversidade, equidade e inclusão dentro do Escritório de Diversidade e Oportunidades Iguais seriam fechados.

Os cortes anunciados até agora afetam cerca de 20 funcionários, incluindo Katherine Calvin, a cientista-chefe e especialista em ciência climática. Tudo foi feito por e-mail.

Ao jornal The Guardian, trabalhadores demitidos comentaram que os gabinetes tinham importância estratégica e que isso pode abrir espaço para que Elon Musk tenha mais influência sobre a agência, o que seria um conflito. Musk está no governo, mas continua sendo CEO da SpaceX, a gigante do setor de foguetes e satélites.

Segundo o Guardian, os funcionários disseram que permanecerão em seus cargos até o dia 10 de abril. O pouco tempo entre o anúncio de demissão e a saída é fora do padrão, já que as demissões são seguidas de 60 dias para a saída. Isso porque os cargos são estratégicos e de pesquisa, que precisam de uma transição. No entanto, eles informaram que o tempo foi reduzido devido à "necessidade urgente" de cumprir a ordem executiva assinada por Trump.

O chefe da EPA, Lee Zeldin, fala em Ohio, em 3 de fevereiro de 2025. — Foto: Rebecca Droke/Pool via REUTERS

·        Cortes na pesquisa sobre meio ambiente

A Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, uma das principais organizações de pesquisa ambiental e de saúde humana do mundo, é o próximo alvo de cortes.

O órgão faz pesquisas sobre qualidade da água, solo, mudanças climáticas, gestão de resíduos e ajuda na regulamentação da legislação ambiental no país.

Nesta semana, a agência entregou seu plano de eficiência ao governo, seguindo a ordem executiva de Trump e Musk. A medida prevê redução de 65% do orçamento, segundo o New York Times.

Para essa redução, a agência prevê a dissolução do seu maior departamento, o Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento, e com isso a demissão de mais de mil pesquisadores. O corte faria com que a capacidade de pesquisa e regulamentação ficasse às escuras.

A medida é questionada por representantes democratas, contrários a Trump, e pesquisadores, mas está alinhada aos planos do novo chefe da EPA, nomeado por Trump: Lee Zeldin.

Na última semana, Zeldin revogou 31 regulamentações ambientais, incluindo regras cruciais sobre mudanças climáticas, poluição de usinas a carvão e veículos elétricos.

Em sua ação, ele ainda questiona e diz que quer reescrever a descoberta científica da agência, feita em 2009, que aponta que os gases de efeito estufa que aquecem o planeta colocam em risco a saúde e o bem-estar públicos – o que é um consenso global.

·        Queda de braço judicial

As decisões têm movido uma reação de queda de braço com o judiciário americano, que tem emitido pareceres bloqueando os cortes.

Dois juízes federais exigiram que o governo do presidente Donald Trump recontrate milhares de trabalhadores em estágio probatório dispensados ​​em demissões em massa em diversas agências.

Em ações diferentes, os juízes encontraram problemas legais na forma como as demissões em massa foram realizadas e ordenaram que os funcionários fossem trazidos de volta ao trabalho, pelo menos temporariamente. O governo Trump já apelou da primeira decisão.

As decisões seguem o pedido de mais de vinte estados que entraram com uma ação judicial alegando que as demissões em massa são ilegais e já estão tendo impacto nos governos estaduais, que tentam ajudar os repentinamente desempregados.

¨      Universidade de Columbia cede a demandas de Trump após ter parte de seu investimento cortado por alegações de antissemitismo

A Universidade de Columbia, em Nova York, concordou com algumas mudanças exigidas pela administração do presidente dos EUA, Donald Trump, antes de poder negociar para recuperar o financiamento federal. O investimento foi retirado este mês, devido a alegações de que a universidade tolerava o antissemitismo no campus.

A faculdade, que integra o grupo Ivy League - das mais renomadas dos estados Unidos -, cedeu a várias demandas, como divulgado em uma mensagem de de sua presidente interina, divulgada na sexta-feira (21).

O pronunciamento delineou planos para reformar seu processo disciplinar, contratar oficiais de segurança com poderes de prisão e nomear um novo responsável com ampla autoridade para revisar departamentos que oferecem cursos sobre o Oriente Médio.

As concessões dramáticas de Columbia às demandas extraordinárias do governo, que resultaram de protestos que abalaram o campus de Manhattan devido à guerra Israel-Gaza, imediatamente geraram críticas. O resultado pode ter amplas ramificações, já que a administração Trump alertou pelo menos outras 60 universidades sobre ações semelhantes.

O que Columbia faria com seu departamento de Estudos do Oriente Médio, Sul da Ásia e África foi uma das maiores questões enfrentadas pela universidade ao lidar com o cancelamento, considerado inconstitucional por grupos jurídicos e civis, de centenas de milhões de dólares em subsídios e contratos governamentais. A administração Trump havia instruído a universidade a colocar o departamento sob intervenção acadêmica por pelo menos cinco anos, retirando o controle de seu corpo docente.

A intervenção acadêmica é uma medida rara tomada pelos administradores de uma universidade para corrigir um departamento disfuncional, nomeando um professor ou administrador de fora do departamento para assumir o controle.

Columbia não mencionou a intervenção em sua mensagem de sexta-feira. A universidade afirmou que nomearia um novo administrador sênior para revisar a liderança e garantir que os programas sejam equilibrados no MESAAS, no Instituto do Oriente Médio, no Centro de Estudos da Palestina, no Instituto de Estudos de Israel e Judaicos e em outros departamentos com programas sobre o Oriente Médio, além dos centros satélites de Columbia em Tel Aviv e Amã.

·        "Precedente terrível"

O professor Jonathan Zimmerman, historiador da educação na Universidade da Pensilvânia e um "orgulhoso" graduado de Columbia, chamou isso de um dia triste para a universidade.

"Historicamente, não há precedente para isso", disse Zimmerman. "O governo está usando o dinheiro como uma arma para microgerenciar uma universidade."

Todd Wolfson, professor da Universidade Rutgers e presidente da Associação Americana de Professores Universitários, chamou as demandas da administração Trump de "provavelmente a maior incursão na liberdade acadêmica, liberdade de expressão e autonomia institucional que vimos desde a era McCarthy."

"Isso estabelece um precedente terrível", disse Wolfson. "Eu sei que todo membro do corpo docente acadêmico neste país está indignado com a incapacidade da Universidade Columbia de enfrentar um valentão."

Em um e-mail para todo o campus, Katrina Armstrong, presidente interina de Columbia, escreveu que suas prioridades eram "avançar nossa missão, garantir atividades acadêmicas ininterruptas e fazer com que cada estudante, membro do corpo docente e funcionário se sinta seguro e bem-vindo em nosso campus."

Mohammad Hemeida, um estudante de graduação que preside o Conselho de Governança Estudantil de Columbia, disse que a universidade deveria ter buscado mais contribuições de estudantes e professores.

"É incrivelmente decepcionante que Columbia tenha cedido à pressão do governo em vez de manter firme os compromissos com os estudantes e com a liberdade acadêmica, que enfatizaram para nós em e-mails quase diários", disse ele.

A Casa Branca não respondeu ao memorando de Columbia na sexta-feira. A administração Trump afirmou que suas demandas, delineadas em uma carta para Armstrong oito dias atrás, eram uma pré-condição antes que Columbia pudesse entrar em "negociações formais" com o governo para obter financiamento federal.

<>< Poderes de prisão

A resposta de Columbia está sendo observada por outras universidades que a administração tem como alvo ao avançar seus objetivos políticos em áreas que vão desde protestos no campus até esportes transgêneros e iniciativas de diversidade.

Empresas privadas, escritórios de advocacia e outras organizações também enfrentaram ameaças de cortes no financiamento governamental e nos negócios, a menos que concordassem em aderir mais de perto às prioridades de Trump. O poderoso escritório de advocacia de Wall Street, Paul Weiss, enfrentou fortes críticas na sexta-feira por um acordo que fez com a Casa Branca para escapar de uma ordem executiva que ameaçava seus negócios.

Columbia foi particularmente escrutinada pelo movimento estudantil pró-Palestina que agitou seu campus no ano passado, quando seus gramados se encheram de acampamentos de tendas e manifestações barulhentas contra o apoio do governo dos EUA a Israel.

Para algumas das demandas da administração Trump, como ter regras de "tempo, lugar e maneira" em torno de protestos, a universidade sugeriu que já haviam sido atendidas.

Columbia afirmou que já havia buscado contratar oficiais de paz com poderes de prisão antes da demanda da administração Trump na semana passada, dizendo que 36 novos oficiais haviam quase concluído o longo processo de treinamento e certificação sob a lei de Nova York.

A universidade afirmou que ninguém tinha permissão para usar máscaras no campus se o fizessem com a intenção de violar regras ou leis. A proibição não se aplica a máscaras usadas por motivos médicos ou religiosos, e a universidade não disse que estava adotando a demanda da administração Trump de que o ID de Columbia fosse usado visivelmente na roupa.

O fechamento repentino de milhões de dólares em financiamento federal para Columbia este mês já estava interrompendo pesquisas médicas e científicas na universidade, disseram os pesquisadores.

Projetos cancelados incluíam o desenvolvimento de uma ferramenta baseada em IA que ajuda enfermeiros a detectar o agravamento da saúde de um paciente no hospital e pesquisas sobre miomas uterinos, tumores não cancerosos que podem causar dor e afetar a fertilidade das mulheres.

 

Fonte: g1/Reuters 

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