Por que o Rio de
Janeiro está atraindo nômades digitais
A
possibilidade de caminhar no calçadão antes de começar o dia de trabalho ou de
assistir ao pôr-do-sol no Arpoador depois de uma reunião estressante tem
atraído um novo tipo de visitante para o Rio de Janeiro: os nômades digitais.
É
um grupo pequeno de trabalhadores privilegiados por trabalharem remotamente com
contratos que não determinam a cidade onde devem morar - por isso eles viajam o
mundo, passando períodos em cada cidade.
O
Rio vem tentanto atrair os nômades digitais - que são poucos, mas têm alta
renda - desde janeiro de 2021, quando a cidade lançou o Rio Digital Nomads, um
projeto para tornar a capital fluminense mais atrativa para esse público.
Além
de ampliar a cobertura de internet 5G pela cidade, o projeto criou uma promoção
com a rede de hotéis para oferecer preços melhores e um site para os
estrangeiros tirarem dúvidas e encontrarem dicas.
E
o aumento das cafeterias também oferece novos locais de trabalho e um ambiente
digital para as áreas próximas das praias. Os cafés modernos oferecem conexão
rápida à internet, diversas opções de lanche e uma variedade de tipos de café.
Uma
iniciativa do Ministério da Justiça em parceria com o Ministério das Relações
Exteriores para oferecer vistos mais fáceis para esse público também foi
lançada em 2021, para estadias de até um ano, prorrogável por mais um, para
estrangeiros que provem que fazem trabalho remoto.
Estrangeiros
que têm aproveitado essas oportunidades citam também os costumes cariocas de
praticar esportes, aproveitar a natureza e socializar-se após o trabalho como
atrativos - algo que promove um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional
e que torna o Rio mais atraente que outras cidades brasileiras.
"Ao
contrário de São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, o Rio oferece as comodidades
da cidade grande e belas praias, caminhadas e outros atrativos ao ar
livre", afirma a nômade digital norte-americana Janeesa Hollingshead, que
mora no Rio há um ano.
·
Comunidades fervilhando
O
programa para nômades digitais facilitou o processo de conseguir visto para
estrangeiro que provem que fazem trabalho remoto e que ganhem pelo menos US$
1,5 mil (cerca de R$ 7,6 mil) por mês ou tenham guardado pelo menos US$ 18 mil
(cerca de R$ 91 mil).
Os
dados do Ministério das Relações Exteriores não discriminam por tipo de visto
concedido, mas o site Nomadlist, especializado nesse mercado, aponta que há
cerca de 8 mil nômades digitais vivendo no Rio em março de 2023.
As
comunidades online em redes sociais e grupos de WhatsApp de nômades digitais
também estão muito ativos, diz Hollingshead.
Tem
sempre um evento presencial sendo marcado por esses grupos - de rodas de samba
e caminhadas até intercâmbio de idiomas e formação de redes profissionais.
Os
grupos são valiosos para os estrangeiros em busca de informações sobre vistos,
impostos e outros aspectos do dia a dia local.
A
comunidade internacional também conta com o apoio dos moradores locais, sempre
amistosos e receptivos, diz o australiano Dan Hobbs, dono da cafeteria Aussie
Coffee, em Ipanema.
"Nós
[os estrangeiros] somos bem tratados aqui – os moradores locais querem ajudar.
Isso faz você se sentir bem no lugar onde mora", diz Hobbs.
As
padarias tradicionais, com seu cafezinho e lanches rápidos, continuam a pleno
vapor. Mas os trabalhadores remotos também encontram diversas cafeterias
espalhadas pela zona sul do Rio. Elas oferecem ar-condicionado e internet de
alta velocidade.
Além
do Aussie Coffee, outros exemplos são o Café Cultura e o Mini Joe, em
Copacabana.
"É
fácil encontrar pontos de wi-fi grátis, onde você pode usar o laptop”, afirma a
consultora multilíngue Emily Anctil, do Canadá. Ela trabalha remotamente no Rio
há um mês e meio.
Grande
parte dos escritórios virtuais do Rio fica nos prédios do centro – repleto e
agitado no horário comercial durante a semana, mas quase deserto no fim de
semana e à noite.
Hobbs
explica que os escritórios virtuais no centro do Rio, muitas vezes, atraem
profissionais que precisam de locais calmos para fazer ligações, enquanto as
cafeterias atendem nômades digitais em busca de uma comunidade mais descontraída.
"Recebemos
nômades digitais todos os dias [no Aussie Coffee] porque eles se sentem
confortáveis trabalhando aqui", ele conta.
Segundo
Hobbs, "muitos estrangeiros vêm sozinhos para o Rio. Eles podem ter
amigos, mas estão em busca da comunidade que existe por aqui".
·
Morar no Rio, para um estrangeiro
O
Rio é uma das cidades mais caras do Brasil. Mas ainda é competitiva para esses
estrangeiro, em comparação com as metrópoles europeias e norte-americanas -
ainda mais considerando as taxas de câmbio.
"Seu
dinheiro tem muito valor no Brasil, especialmente se for em euros ou
dólares", afirma Jack Krier, YouTuber e criador de conteúdo de Luxemburgo
que trabalha remotamente no Brasil há dois meses.
Para
ele, "o Rio é um pouco mais caro do que São Paulo, mas, em comparação com
os preços da Europa e da América do Norte, é simplesmente bem econômico".
Com
isso, os bairros de alto padrão da zona sul, como Leblon, Ipanema e Copacabana,
ficam muito acessíveis para os estrangeiros.
"Eu
nunca conseguiria morar na praia na Austrália, como faço aqui", afirma
Hobbs. "E [Ipanema] é uma das melhores praias do mundo."
Outros
bairros, como o Flamengo, Botafogo e o Catete, são opções mais baratas que
ainda ficam perto das praias e dos locais de caminhada. Eles também oferecem
vibrante vida noturna.
Para
Hollingshead, Botafogo é o melhor bairro para morar.
"É
super fácil caminhar, tem muitos bares e restaurantes, é possível ir a pé até
dois shoppings diferentes (os dois com bons lugares para trabalhar) e é muito
menos turístico e abarrotado que Copacabana", explica ela.
"Você
também consegue muito mais espaço por preços melhores."
·
Equilíbrio entre o pessoal e o profissional
O
estilo de vida ao ar livre é muito importante para a cidade, diz a guia
turística Alessandra Alli, brasileira, fundadora da agência de turismo Hike in
Rio.
As
praias, as caminhadas na floresta e os inúmeros quiosques ficam ao alcance de
todos - ao menos os que tem dinheiro suficiente para morar na zona sul. Para os
nômades digitais, é fácil encontrar diversão depois de fechar o laptop no final
do dia de trabalho.
Existem
muitas atividades ao ar livre que são grátis ou de baixo custo, como as
academias ao ar livre na praia de Ipanema, aulas grátis de ioga e spinning na
praia e sessões de exercícios de alta intensidade no aplicativo Mude, onde
todos podem se inscrever.
Os
amantes da caminhada podem aproveitar os quilômetros de trilha que atravessam a
Mata Atlântica que rodeia a cidade. A floresta agrada todos os gostos, com suas
cavernas, cachoeiras refrescantes e vistas panorâmicas de tirar o fôlego.
"É
por isso que as trilhas [do Rio] são únicas", afirma Alli. "[O Rio]
tem trilhas para todas as idades, com todos os níveis de dificuldade e
distâncias."
Para
as pessoas mais interessadas em mergulhar nas atividades culturais depois do
dia de trabalho, existe enorme oferta de música ao vivo, mercados de rua e
eventos gastronômicos no fim de semana.
"A
cultura no Rio tem muitas camadas. Elas são muito profundas e coloridas",
afirma Dan Hobbs.
Para
Jack Krier, o modo de vida do carioca é contagiante e é preciso ter força de
vontade para continuar trabalhando. "É difícil terminar um trabalho no Rio
porque simplesmente há muita coisa acontecendo."
·
E a violência?
Quando
o assunto é mudar-se para o Rio, os índices de criminalidade podem assustar
alguns nômades digitais.
A
maioria dos crimes violentos ocorre nas favelas e nas proximidades dos pontos
turísticos. É preciso estar vigilante para evitar assaltos. Evitar que
aparelhos de alto valor fiquem à vista e andar de táxi, especialmente à noite,
são boas medidas para reduzir esse risco.
Para
Emily Anctil, a falta de segurança é uma das desvantagens de trabalhar no Rio.
Mas ela acrescenta: "pessoalmente, tive zero problemas".
O
idioma pode ser outra barreira para os nômades digitais do exterior. Nem todas
as pessoas falam inglês no Rio, mas os moradores locais costumam ajudar os
estrangeiros que tentam aprender português.
"Todos
são muito pacientes e receptivos comigo enquanto aprendo português, o que tem
sido um desafio", conta Janeesa Hollingshead. "Aprecio muito
isso."
Fonte:
BBC News Brasil
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