Os
motivos de Alexandre de Moraes para autorizar operação contra Bolsonaro e
aliados
A autorização dada pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes para a operação da Polícia Federal que
atingiu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta quarta-feira (03/04)
aconteceu porque Moraes e a PF acreditam que Bolsonaro tinha "plena
ciência" do esquema de adulteração da dados vacinais investigado pelas
autoridades.
Em entrevistas concedidas na quarta-feira, Bolsonaro
negou ter conhecimento sobre qualquer fraude relativa aos seus dados de
vacinação e voltou a afirmar que ele e sua filha de 12 anos de idade não foram
vacinados.
À rádio Jovem Pan, Bolsonaro negou irregularidades.
"Não existe adulteração de minha parte. Eu não tomei a vacina", disse
o ex–presidente.
A Operação Venire, deflagrada na manhã de hoje,
investiga um suposto esquema que teria sido iniciado pelo ex-ajudante de ordens
de Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, com o objetivo de alterar
dados de vacinação de pessoas próximas ao militar, inclusive do ex-presidente
Bolsonaro e sua filha.
O advogado Rodrigo Roca, que representa Mauro Cid,
disse à BBC News Brasil que a defesa do tenente-coronel teve acesso a parte dos
autos do processo.
"Estamos lendo. Devemos nos manifestar somente
amanhã", afirmou.
Pelo Twitter, o ex-secretário de comunicação do
governo de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten, disse que a acusação sobre a
suposta adulteração dos cartões de vacinação de Bolsonaro "é obra de
ficção oportunista. Como sabido por todos, Bolsonaro sempre deixou claro que
nunca foi vacinado".
Ao todo, seis pessoas foram presas preventivamente e
diversos mandados de busca e apreensão foram expedidos.
Um deles, o que causou mais repercussão, foi executado
na casa do ex-presidente em condomínio de luxo de Brasília. Entre os itens
levados pelos agentes da PF está um telefone celular de Bolsonaro.
De acordo com as investigações, entre os dias 13 de
agosto e 14 de outubro de 2022, foram inseridos dados nos sistemas de vacinação
do Ministério da Saúde indicando que Bolsonaro havia sido vacinado.
A informação, porém, ia na contramão do discurso do
então presidente, que dizia que não havia se vacinado.
A inserção dos dados, segundo a PF, aconteceu pelo
então secretário de saúde do município de Duque de Caxias João Carlos de Sousa
Brecha, que é o atual secretário de Governo da cidade.
Os dados foram, segundo a PF, posteriormente
apagados em dezembro de 2022, pouco antes de Bolsonaro embarcar para os Estados
Unidos.
A reportagem enviou e-mails para a Prefeitura de
Duque de Caxias, mas não obteve retorno. A reportagem não conseguiu localizar a
defesa do atual secretário de Governo da cidade.
O caso envolve Mauro Cid, assessores próximos a
Bolsonaro e servidores públicos de Duque de Caxias. Cid foi um dos presos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi contra o
mandado de busca e apreensão contra a residência de Bolsonaro alegando que não
havia elementos suficientes para indicar que ele tivesse ciência do esquema.
Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que a
justificativa apresentada pela PGR não era "crível" e acatou o pedido
feito pela PF.
Confira abaixo, os principais elementos elencados
pela Polícia Federal e por Alexandre de Moraes que embasaram a operação contra
Bolsonaro:
·
Proximidade entre Mauro Cid e Bolsonaro
Um dos pontos elencados pela PF e por Alexandre de
Moraes é a proximidade de Mauro Cid com Bolsonaro, e a suposta impossibilidade
de que o esquema funcionasse sem que o ex-presidente tivesse conhecimento.
Mauro Cid ficou conhecido ao longo dos quatro anos
em que Bolsonaro esteve no poder como um de seus assessores mais próximos. Ele
é formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), a mesma onde Bolsonaro
se formou nos anos 1970.
Cid também é filho de um ex-colega de Bolsonaro dos
tempos em que o ex-presidente foi militar.
Mauro Cid também é investigado pela Polícia Federal
no caso envolvendo joias dadas pelo governo da Arábia Saudita à família
Bolsonaro. Foi ele quem assinou um ofício endereçado à Receita Federal de São
Paulo pedindo a liberação de um lote de joias apreendido no Aeroporto
Internacional de Guarulhos.
Essa proximidade fez com que a PF concluísse que
seria improvável que Bolsonaro não soubesse da inserção das informações falsas
a respeito da sua situação vacinal.
A tese de que Bolsonaro poderia não saber de nada
foi aventada pela PGR em uma manifestação feita pela subprocuradora-geral da
República Lindôra Araújo em resposta aos pedidos de prisão e busca e apreensão
feitos pela PF.
A PGR foi contra o mandado de busca e apreensão na
casa de Bolsonaro argumentando que não havia indícios de que ele soubesse do
esquema.
"Diversamente do enredo desenhado pela Polícia
Federal, o que se extrai é que Mauro Cesar Barbosa Cid teria arquitetado e
capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a
anuência do ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro", disse o
parecer da subprocuradora-geral.
Alexandre de Moraes, no entanto, não acatou a
argumentação. Segundo ele, a tese levantada pela PGR não seria
"crível".
"Não há qualquer indicação nos autos que
conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens do ex-Presidente da
República Jair Messias Bolsonaro pudesse ter comandado relevante operação
criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha L. F. B., sem,
no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele (Bolsonaro), circunstância que
somente poderá ser apurada mediante a realização da medida de busca e apreensão
requerida pela autoridade policial", disse Moraes ao justificar a decisão
que autorizou a busca e apreensão na casa de Bolsonaro, em Brasília.
Ao analisar os dados levantados pela Polícia
Federal, Moraes afirmou que seria plausível supor que Bolsonaro tenha tentado
se beneficiar da inserção dos dados falsos sobre a vacinação.
"É plausível, lógica e robusta a linha
investigativa sobre a possibilidade de o ex-Presidente da República, de maneira
velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS (Sistema Único
de Saúde), buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da
efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a
reeleição nas Eleições Gerais de 2022", disse Moraes em seu despacho.
·
Certificado de Bolsonaro pelo celular de Mauro Cid
De acordo com a Polícia Federal, depois que os dados
sobre a suposta vacinação de Bolsonaro contra a covid-19 foram inseridos no
sistema do Ministério da Saúde, Mauro Cid acessou o sistema ConecteSUS do seu
próprio telefone para emitir o certificado de vacinação de Bolsonaro.
Os acessos aconteceram, segundo a PF, nos dias 22,
27 e 30 de dezembro de 2022. O último acesso, portanto, ocorreu no mesmo dia em
que o presidente e sua comitiva embarcaram em um avião da Força Aérea
Brasileira (FAB) rumo aos Estados Unidos, onde ficou por três meses.
"As consequentes emissões de certificado de
vacinação contra a Covid-19, nos dias 22 e 27 de dezembro de 2022, pelo usuário
do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO foram realizados no Palácio do
Planalto, local condizente com a atividade então exercida por Jair Messias
Bolsonaro [...] Da mesma forma, o acesso ao aplicativo ConecteSUS e a emissão
de certificado de vacinação contra a Covid-19 no dia 30 de dezembro de 2022
foram realizadas por meio do telefone celular de Mauro Cesar Cid", diz um
trecho do relatório feito pela PF e entregue a Alexandre de Moraes.
Em outro trecho, a PF avalia que Bolsonaro, Mauro
Cid e um militar que atuava como médico do então presidente "tinham plena
ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando (ficando)
inertes em relação a tais fatos até o presente momento".
Ainda de acordo com a PF, as inserções supostamente
falsas de informações pode ter tido um objetivo específico: "Gerar
vantagem indevida para o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro,
relacionada a fatos e situações que necessitem de comprovante de vacinação
contra a Covid-19", diz um trecho do relatório da PF.
·
Certificado de filha de Bolsonaro às vésperas de viagem
Outro elemento apontado pela Polícia Federal foi o
fato de que o esquema teria sido responsável pela emissão de certificado de
vacinação para a filha de 12 anos de idade de Bolsonaro com a ex-primeira-dama
Michelle Bolsonaro.
Segundo as investigações, os dados sobre a vacinação
dela foram inseridos, inicialmente, nos dias 24 de julho de 2022 e 13 de agosto
de 2022. Os registros teriam sido feitos no município de Duque de Caxias.
O relatório enviado pela PF ao STF aponta, ainda,
que no dia 27 de dezembro de 2022, foi emitido um certificado de vacinação em
inglês.
A PF aponta que, coincidentemente, no dia seguinte,
28 de dezembro, a filha de Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos.
De acordo com a PF, a supostas inserções falsas de
dados referentes à filha de Bolsonaro teriam como objetivo "gerar vantagem
indevida para a filha adolescente, por determinação de seus pais".
Ainda segundo a PF, os indícios apontam que Jair
Bolsonaro e Michelle Bolsonaro tinham "plena ciência" sobre os dados
falsos envolvendo sua filha.
"Obviamente, Jair Messias Bolsonaro e Michelle
Firmo Bolsonaro, têm plena ciência de que os dados de vacinação em nome de sua
filha menor de idade são ideologicamente falsos. Ainda assim, o certificado
digital de vacinação contra a Covid-19 foi emitido no dia 27/12/2022, em língua
inglesa, na véspera da viagem da adolescente para os Estados Unidos da
América", aponta a PF.
Fonte: BBC News Brasil
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