Entenda a operação
da PF contra Bolsonaro
A
Polícia Federal (PF) realizou nesta quarta-feira (03/05) buscas na residência
de Jair Bolsonaro em Brasília e prendeu seis pessoas, entre elas assessores do
ex-presidente.
O
telefone celular de Bolsonaro foi apreendido pela PF. Ao todo, foram cumpridos
16 mandados de busca e apreensão, que miram militares e políticos do Rio de
Janeiro.
A
operação, batizada de Venire, investiga a inserção de dados fraudulentos de
vacinação contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, que teriam
sido usados para garantir a entrada nos EUA de Bolsonaro e membros do círculo
familiar e pessoal do ex-presidente, burlando a exigência de imunização.
Segundo
a PF, o nome da operação é uma referência ao princípio Venire contra factum
proprium, que em latim significa "ninguém pode comportar-se contra seus
próprios atos"
A
nova operação se soma a uma série de investigações em curso que envolvem o
ex-presidente. Ao todo, Bolsonaro é alvo de oito inquéritos, que abordam
suspeitas de participação no caso das milícias digitais, os ataques golpistas
de 8 de janeiro, a tentativa de entrar ilegalmente no país com joias sauditas
avaliadas em milhões de reais, ações para desestimular medidas de prevenção na
pandemia, suspeita de interferência na PF, ataques ao sistema eleitoral,
apologia ao estupro e vazamento de um inquérito sigiloso.
A
operação desta quarta-feira foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes,
do Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do inquérito das milícias digitais.
Entenda
a nova investigação contra Bolsonaro:
• Fraude em comprovantes de vacinação
O
esquema investigado pela PF aponta que dados falsos de vacinação teriam sido
inseridos em dois sistemas do Ministério da Saúde – o Programa Nacional de
Imunizações e a Rede Nacional de Dados em Saúde – entre novembro e dezembro de
2022, com o objetido de gerar compravantes fraudulentos de vacinação.
Teriam
sido forjados comprovantes de vacinação dos seguintes personagens:
• Ex-presidente Jair Bolsonaro
• Laura Bolsonaro, filha de 12 anos de
Jair e Michele Bolsonaro
• Tenente-coronel Mauro Cid Barbosa
• A mulher e a filha do coronel Cid
Segundo
a TV Globo, os sistemas adulterados do Ministério da Saúde chegaram a indicar
que duas doses de vacinas da Pfizer contra Covid teriam sido aplicadas em Jair
Bolsonaro. Após a operação, o ex-presidente negou que ele e a filha tenham se
imunizado.
Os
suspeitos de participarem do esquema são investigados, segundo a PF, pelos
crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa,
inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
• O objetivo da fraude
Segundo
a investigação, o esquema fraudulento tinha como objetivo garantir que Jair
Bolsonaro e membros do círculo, incluindo sua filha, Laura, e vários assessores
e os familiares destes pudessem entrar nos EUA. Bolsonaro se notabilizou
durante a pandemia por declarar publicamente que não tomaria a vacina e por
espalhar desinformação sobre os imunizantes.
Pelas
regras que entraram em vigor nos EUA desde 2021, a entrada a partir do exterior
de viajantes não-cidadãos e não-residentes no país só é permitida com a
apresentação de comprovante de vacinação. Recentemente, o governo americano
informou que deve acabar com a exigência a partir de 11 de maio de 2023.
"Com
isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e
utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos
poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de
doença contagiosa, no caso, a pandemia de Covid", diz a Polícia Federal.
Ainda
segundo a PF, o grupo ainda teria como objetivo "seria manter coeso o
elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o
discurso voltado aos ataques à vacinação contra a covid-19”, no que parece uma
referência às ações do ex-presidente durante a pandemia, caracterizadas por
sabotagem a medidas de prevenção, oposição à vacinação e campanhas de
desinformação sobre a doença.
Bolsonaro
abandonou o governo em 30 de dezembro e seguiu para o estado americano da
Flórida junto com Michele e uma série de assessores, evitando a posse do seu
sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele retornou ao Brasil em março.
• A conexão Goiás e Duque de Caxias (RJ)
Segundo
o jornal O Globo, o esquema de fraude nos dados de vacinação começou em Goiás,
quando um médico da prefeitura de Cabeceiras preencheu a mão uma série de
cartões de vacinação, que incluíam os nomes de Jair Bolsonaro, Laura Bolsonaro,
o coronel Cid e familiares deste.
Membros
do esquema tentaram então inserir os dados no sistema de dados do SUS da
prefeitura de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, com o
objetivo de obter comprovantes oficiais, necessários para entrar nos EUA.
No
entanto, segundo o jornal, o sistema de dados rejeitou a inserção, porque as
vacinas indicadas constavam como um lote que havia sido distribuído em Goiás.
Os membros do grupo, incluindo o coronel Cid, trocaram uma série de mensagens
para tentar contornar o bloqueio. Eles acabaram conseguindo o número de outro
lote de vacinas, distribuído no Rio de Janeiro, para inserir os dados sem
problemas.
Segundo
a reportagem do jornal, a PF descobriu que após imprimir os comprovantes, o
grupo tentou apagar seus rastros. De acordo com o jornal, em 27 de dezembro de
2022 – poucos dias antes da viagem de Bolsonaro aos EUA – o grupo apagou os
dados do sistema. Quem procurasse os dados não conseguiria encontrar os
registros. Os dados só foram recuperados após uma perícia da PF.
Além
dos membros de um núcleo duro formado por ex-assessores, a PF também investiga
políticos do Rio de Janeiro que teriam intermediado o esquema, como o deputado
federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Duque de Caxias,
Washington Reis, e o ex-vereador carioca Marcello Siciliano (PP-RJ).
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Os presos
• Tenente-coronel Mauro Cesar Barboda Cid
Um
dos presos nesta quarta-feira, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ou
"coronel Cida", que atuou como ajudante de ordens do ex-presidente, é
um personagem que já apareceu em outros escândalos da era Bolsonaro. Cid é
filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, um antigo colega de Bolsonaro na
Academia das Agulhas Negras. Durante o governo Bolsonaro, o coronel Cid se
tornou um notório "faz tudo" do então presidente.
O
nome do tenente-coronel já apareceu no inquérito do STF que investiga a
organização e o financiamento de atos antidemocráticos e também é apontado como
participante em ações de desinformação executadas por Bolsonaro para contestar
a segurança das urnas eletrônicas e vacinas.
No
último caso, a PF apontou que ele teve participação direta na notória live de
Bolsonaro que associou falsamente vacinas ao risco de contrair HIV. Mais recentemente, Cid foi um dos personagens
centrais do escândalo envolvendo a entrada ilegal de joias sauditas avaliadas
em milhões de reais.
• João Carlos de Sousa Brecha
O
secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa
Brecha, suspeito de inserir de maneira fraudulenta os dados de vacinação para
beneficiar as famílias de Bolsonaro e do coronel Cid. Brecha faz parte do grupo
político do ex-prefeito da cidade, Washington Reis, um aliado de Bolsonaro.
• Max Guilherme
Sargento
da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Max Guilherme atua como segurança de
Bolsonaro. Na última segunda-feira, ele esteve ao lado do ex-presidente durante
uma visita à Agrishow, feira de tecnologia agrícola que ocorre anualmente em
Ribeirão Preto (SP). Ele também fez parte da comitiva que viajou com Bolsonaro
aos EUA no final de 2022, antes da posse de Lula. Hoje ele ocupa um dos cargos
de assessor a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente.
• Sergio Rocha Cordeiro
Capitão
da reserva, Sérgio Rocha Cordeiro também atua como segurança de Bolsonaro e
esteve na comitiva que foi aos EUA. Ele também é dono do imóvel no Diustrito
Federal onde o ex-presidente passou a fazer suas lives de campanha em 2022 após
ser impedido pela Justiça de usar o Alvorada para tal finalidade. Assim como
Guilherme, Cordeiro ocupa um dos cargos de assessor a que Bolsonaro tem direito
como ex-presidente.
• Luis Marcos dos Reis
Antigo
supervisor a Ajudância de Ordens da Presidência da República, o
segundo-sargento Luis Marcos dos Reis trabalhou diretamente com Bolsonaro e o
coronel Cid desde o início de 2019 até agosto de 2022. Depois disso, foi
transferido para um cargo no Ministério do Turismo. Nos anos 2010, ele também
atupou como motorista de Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército.
• Ailton Moraes Barros
Ex-major
do Exército, Ailton Gonçalves Moraes Barros foi candidato pelo PL a deputado
estadual no Rio de Janeiro em 2022. Ele se apresentou como "01 do
Bolsonaro" no Rio de Janeiro durante a campanha. Ele conseguiu a suplência
durante a eleição.
• Possíveis implicações nos EUA
Segundo
o site da embaixada americana no Brasil, quem chega aos EUA precisa estar
ciente que informar dados falsos para entrar no país pode ser indicado por
fraude.
"As
consequências são sérias. Se você cometer fraude, você não receberá o benefício
imigratório que você busca. Você também pode enfrentar multas ou prisão ",
diz o site.
Segundo
a legislação americana, a punição para quem fornece dados falsos pode chegar a
até 10 anos de prisão.
Não
está claro se Bolsonaro mostrou algum comprovante falso para entrar nos EUA.
Como viajou aos EUA quando ainda cumpria mandato, o ex-presidente ainda contava
com privilégios diplomáticos, que dispensavam apresentação de comprovantes.
• Reações
Após
a operação, Bolsonaro negou qualquer fraude e disse que não tomou a vacina
contra a covid-19, assim como sua filha, Laura Bolsonaro. "Não tomei a
vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe
adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso.
Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a
bula da Pfizer", disse o ex-presidente.
Em
sua conta no Instagram, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também se
manifestou e negou que seu celular tenha sido apreendido, como foi divulgado
mais cedo pela imprensa. "Hoje a PF fez uma busca e apreensão na nossa
casa, não sabemos o motivo e nem o nosso advogado não teve acesso aos autos.
Apenas o celular do meu marido foi apreendido. Ficamos sabendo, pela imprensa,
que o motivo seria 'falsificação de cartão de vacina' do meu marido e de nossa
filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui vacinada", escreveu Michelle.
O
presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto defendeu o
ex-presidente em um tuite. "Bolsonaro é uma pessoa correta, íntegra, que
melhorou o país e procurava sempre seguir a lei". Valdemar ainda disse que
confia que todas as dúvidas da Justiça serão esclarecidas e "que ficará
provado que Bolsonaro não cometeu ilegalidades".
O
presidente Lula evitou comentar publicamente o caso envolvendo seu adversário
político, mas publicou uma mensagem no Twitter que foi interpreta por seus apoiadores
como uma pequena celebração. "Bom dia e boa quarta-feira!", escreveu
o presidente, quando a operação já havia sido divulgada pela imprensa.
Já
o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, foi
direto. "Falsificar dados oficiais do Governo para falsificar documentos
pessoais e corromper menor de idade para entrar em território estrangeiro
descumprindo as leis locais. Filme de criminoso internacional? Não, o
ex-presidente da República! Bolsonaro precisa pagar pelos seus crimes!",
escreveu o ministro no Twitter.
Fonte:
Deutsche Welle
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