Dono do site O
Antagonista tem área sobreposta em terra do povo Xakriabá
“Você
quer estar certo ou ganhar dinheiro?”, costuma dizer Pedro Luiz Cerize, uma
espécie de guru para quem
quer ser milionário antes dos 30 anos. Badalado entre os investidores da
Avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo, o empresário mineiro é,
desde setembro de 2022, dono do portal O Antagonista e da revista
Crusoé. Sua biografia tem uma face menos conhecida: junto ao irmão Marcelo
Cerize, ele tenta, há uma década, expulsar o povo Xakriabá de seu território
ancestral, no Norte de Minas.
É
o que revela o relatório “Os Invasores: quem são os empresários
brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na
última quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. A partir das bases de
dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), o estudo joga luz sobre as conexões empresariais por trás de 1.692
sobreposições de fazendas em terras indígenas (TIs) de todo o Brasil.
Pedro
e Marcelo Cerize são proprietários da Fazenda São Judas Tadeu (citada em alguns
registros como Vargem Grande), na divisa entre os municípios de Januária e
Itacarambi (MG). Dedicado à pecuária bovina, o imóvel está sobreposto, quase em
sua totalidade, à área delimitada no reestudo para a
ampliação da TI Xakriabá. Ao todo, a fazenda tem 5.628 hectares, dos quais 93%
— isto é, 5.267,38 ha — incidem sobre a área reivindicada pela etnia.
Em
2013, cerca de 500 indígenas ocuparam o imóvel dos irmãos Cerize, cobrando do
governo federal a conclusão do processo de ampliação da TI, iniciado dez anos
antes, em 2003. Logo após a ocupação, Pedro e Marcelo conseguiram uma liminar
de reintegração de posse, derrubada logo em seguida pela Justiça Federal. Na época, a
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) relatou ameaças por parte dos donos da fazenda. A
última movimentação do processo é um novo pedido de reintegração de posse
por liminar, impetrado pelos
Cerize em maio de 2022.
Confira,
no mapa, a sobreposição da Fazenda São Judas Tadeu sobre a área de reestudo da
TI Xakriabá:
“GURU” DO MERCADO COMPROU VEÍCULO PORTA-VOZ DA
DIREITA
Pedro
Luiz Cerize é fundador da Skopos Investimentos, membro do Conselho de
Administração do grupo Porto Seguro e sócio da Mare Clausum Publicações,
empresa que, desde setembro de 2022, controla o site O Antagonista e a revista
Crusoé, ambos dedicados ao jornalismo político.
Antes
da compra Cerize já dava entrevistas ao portal, comentando notícias sobre
economia e criando alarde sobre o “risco PT” para as eleições
do ano passado. Em entrevista ao canal Market Makers, ele fala que não há como dissociar a
economia da política e culpa os programas sociais pela inflação. Pupilo de Luis
Stuhlberger, um dos investidores mais longevos do país, Cerize define a si
próprio, em artigo publicado no site de sua consultoria INV, como “um dos maiores gênios da
Bolsa”.
Em
agosto de 2022, os irmãos Cerize fundaram a corretora LEV Distribuidora de Títulos
e Valores Mobiliários, com capital inicial de R$ 10 milhões. Em fevereiro deste
ano, tocaram o sino da abertura de capital na B3 Bovespa, a Bolsa de Valores
brasileira. A presidência da empresa ficou a cargo de Marcelo, que também
costuma dar conselho para quem
quer ser milionário.
Naturais
de São Sebastião do Paraíso (MG), os dois são filhos de um ex-prefeito do município,
Pedro Cerize, e irmãos da atual vereadora Maria Aparecida Cerize Ramos (PSDB).
Eleita pela primeira vez em 2016, ela foi reconduzida ao cargo em 2020 com a
doação dos irmãos, que aportaram juntos cerca de R$ 10 mil em cada campanha.
Enquanto
isso, os cerca de 11 mil indígenas que vivem na TI Xakriabá sofrem com a
pobreza, a fome, a seca e o
confinamento em uma área homologada muito menor que seu território tradicional.
TERRA
INDÍGENA XAKRIABÁ FOI DEMARCADA APÓS MASSACRE
Os
Xakriabá são uma das poucas etnias originárias de Minas Gerais que continuam
habitando o estado. Ao longo de três séculos, eles sobreviveram a ataques de
bandeirantes, à ação de missionários católicos e ao avanço da pecuária e do
garimpo.
Em
1728, o povo adquiriu uma porção de terras doada por Januário Cardoso de
Almeida, então “administrador dos índios da Missão de São João do Riacho do
Itacaramby”. Em 1856, as terras foram registradas em nome dos indígenas no
cartório de Ouro Preto. Apesar desse reconhecimento oficial pelo Estado, os
Xakriabá tiveram de lutar durante décadas contra a instalação de posseiros e
grileiros no território.
A
gleba foi homologada como terra indígena pela Funai apenas em 1987, em
decorrência de um massacre ocorrido após a invasão das terras pelo fazendeiro
Francisco de Assis Amaro. No episódio, foram assassinados o cacique Rosalino
Gomes e dois indígenas: Manuel Fiúza da Silva e José Teixeira Santana.
O
território é lar da deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), eleita em 2022 a
primeira representante indígena de seu estado. Em entrevista ao programa De Olho na Resistência, deste
observatório, ela reforçou que, para evitar novos conflitos, é necessário que o
governo adote uma postura proativa da demarcação dos territórios. “Todas as
terras indígenas que eu conheço só foram demarcadas depois da morte de alguma
liderança indígena”, afirma. “Se a nossa voz não for suficiente dentro do
Congresso Nacional, vai ser pelo movimento de luta que nós vamos convocar do
lado de fora que nós vamos fazer também esse enfrentamento”.
Embora
aguardem há dez anos pela homologação dos estudos de ampliação, os Xakriabá não
aparecem na lista das primeiras catorze TIs que devem
ser homologadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o fim do
primeiro semestre.
RELATÓRIO
APONTA 1,2 MILHÃO DE HECTARES SOBREPOSTOS EM TIS
Produzido
ao longo de seis meses por uma equipe de pesquisadores e jornalistas, o
relatório “Os Invasores” revelou, de forma
inédita, o nome das pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de
sobreposição de fazendas em terras indígenas demarcadas pela Funai. Juntas, essas
propriedades ocupam 1.187.214,07 hectares dentro de 213 TIs — regularizadas ou
não —, conforme dados fundiários do Incra.
Entre
as áreas de imóveis rurais sobrepostas, 55,6% são ocupados por pasto para
pecuária, atividade realizada na fazenda dos irmãos Cerize. Elas ocupam uma
área equivalente à do Rio de Janeiro e maior que os territórios de Hong Kong ou
da Ilha da Madeira, em Portugal: “Pecuária ocupa 123 mil hectares em
terras indígenas, mostra estudo“.
Além
dos Cerize, o relatório destaca a participação de outros “gurus” do mercado
financeiro nas sobreposições. Entre os casos analisados destaca-se a
participação da Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Armínio
Fraga, em duas empresas com imóveis incidentes em áreas indígenas: a Terra
Santa Propriedades Agrícolas e a Garça Azul Empreendimentos Turísticos, dona de
um resort na Bahia incidente na TI Tupinambá de Olivença.
Integram
o “núcleo Faria Lima” das fazendas sobrepostas outros nomes estrelados, como a
XP Investimentos, dona de participação na OXE Energia, em conflito com o povo
Wapichana da TI Malacacheta; o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos; e o International
Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.
Os
casos descritos na pesquisa começam agora a ser explorados também em uma série
de vídeos e reportagens, publicada pelo observatório, detalhando as principais
teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor
econômico, legal ou ilegal.
Ø
Piada
do ano! Bolsonaro ignora crise Yanomami e chama indígenas de "nossos
irmãos"
Após
confusão em sua chegada à Agrishow junto
ao governador de São Paulo Tarcísio
de Freitas (Republicanos) , o ex-presidente e líder da extrema
direita Jair Bolsonaro (PL ) assumiu o microfone para
criticar a política de homologação de Terras Indígenas d o atual governo federal iniciada
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) desde o início da nova gestão.
"Por
exemplo, uma das reservas indígenas tem 31 mil hectares, apenas 'existe' lá
nove indígenas. Algo não está certo. Não é possível 31 mil hectares para nove
pessoas", disse Bolsonaro.
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Bolsonaro
usou o microfone para citar Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente e
atual deputado federal, como um exemplo de proteção ambiental e afirmou que sua
política sobre reservas indígenas era diferente.
"Nunca
tive má vontade para com o indigenista, muito pelo contrário. Até enviamos um
projeto no começo de 2021, tá no Congresso, não foi pra frente... Mas que
permitia aos indígenas, se fosse da sua vontade, fazer como os fazendeiros
fazem em suas propriedades ao lado", discurou o ex-presidente.
Bolsonaro
ignorou a crise do garimpo ilegal nas Terras Yanomamis que chegou a níveis
alarmantes durante sua gestão e afirmou que seu proteto [citado do discurso] dá
dignidade aos indígenas.
"É
uma maneira de tratar com respeito e com dignidade os nossos irmãos indígenas e
não dessa forma como está ai", disse.
Segundo
Bolsonaro, há 400 pedidos de demarcações de Terras Indígenas e 3.500
pedidos para novos quilombolas no país. Para ele, se o governo atender
10% desses pedidos o agronegócio sofrerá consequências.
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"Nós
sabemos que se 10% for atendido, para onde irá o nosso agronegócio?",
questinou Bolsonaro.
>>> Entenda:
Ao
homologar as TI na última sexta (28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) disse que pretende cumprir a
promessa que fez durante as campanhas eleitorais e demarcar "o maior número possível de terras
indígenas" em seu mandato. Ele afirmou que o processo, porém,
não é simples e pode levar algum tempo.
As terras
homologadas estavam com pedidos de análise parados desde 2018, devido à
política ambiental do próprio Bolsonaro, que afirmou logo no início de seu mandato que não faria
nenhuma demarcação durante seu governo .
>>> Nesta sexta, Lula demarcou seis terras
indígenas. São elas:
- TI Arara do
Rio Amônia (AC);
- TI Kariri-Xocó
(AL);
- TI Rio dos
Índios (RS);
- TI Tremembé da
Barra do Mundaú (CE);
- TI Uneiuxi
(AM);
- TI
Avá-Canoeiro (GO).
Fonte:
De Olho nos Ruralistas/iG
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