quarta-feira, 3 de maio de 2023

Dono do site O Antagonista tem área sobreposta em terra do povo Xakriabá

“Você quer estar certo ou ganhar dinheiro?”, costuma dizer Pedro Luiz Cerize, uma espécie de guru para quem quer ser milionário antes dos 30 anos. Badalado entre os investidores da Avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo, o empresário mineiro é, desde setembro de 2022, dono do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Sua biografia tem uma face menos conhecida: junto ao irmão Marcelo Cerize, ele tenta, há uma década, expulsar o povo Xakriabá de seu território ancestral, no Norte de Minas.

É o que revela o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na última quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. A partir das bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o estudo joga luz sobre as conexões empresariais por trás de 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas (TIs) de todo o Brasil.

Pedro e Marcelo Cerize são proprietários da Fazenda São Judas Tadeu (citada em alguns registros como Vargem Grande), na divisa entre os municípios de Januária e Itacarambi (MG). Dedicado à pecuária bovina, o imóvel está sobreposto, quase em sua totalidade, à área delimitada no reestudo para a ampliação da TI Xakriabá. Ao todo, a fazenda tem 5.628 hectares, dos quais 93% — isto é, 5.267,38 ha — incidem sobre a área reivindicada pela etnia.

Em 2013, cerca de 500 indígenas ocuparam o imóvel dos irmãos Cerize, cobrando do governo federal a conclusão do processo de ampliação da TI, iniciado dez anos antes, em 2003. Logo após a ocupação, Pedro e Marcelo conseguiram uma liminar de reintegração de posse, derrubada logo em seguida pela Justiça Federal. Na época, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) relatou ameaças por parte dos donos da fazenda. A última movimentação do processo é um novo pedido de reintegração de posse por liminar, impetrado pelos Cerize em maio de 2022.

Confira, no mapa, a sobreposição da Fazenda São Judas Tadeu sobre a área de reestudo da TI Xakriabá:

 “GURU” DO MERCADO COMPROU VEÍCULO PORTA-VOZ DA DIREITA

Pedro Luiz Cerize é fundador da Skopos Investimentos, membro do Conselho de Administração do grupo Porto Seguro e sócio da Mare Clausum Publicações, empresa que, desde setembro de 2022, controla o site O Antagonista e a revista Crusoé, ambos dedicados ao jornalismo político.

Antes da compra Cerize já dava entrevistas ao portal, comentando notícias sobre economia e criando alarde sobre o “risco PT” para as eleições do ano passado. Em entrevista ao canal Market Makers, ele fala que não há como dissociar a economia da política e culpa os programas sociais pela inflação. Pupilo de Luis Stuhlberger, um dos investidores mais longevos do país, Cerize define a si próprio, em artigo publicado no site de sua consultoria INV, como “um dos maiores gênios da Bolsa”.

Em agosto de 2022, os irmãos Cerize fundaram a corretora LEV Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, com capital inicial de R$ 10 milhões. Em fevereiro deste ano, tocaram o sino da abertura de capital na B3 Bovespa, a Bolsa de Valores brasileira. A presidência da empresa ficou a cargo de Marcelo, que também costuma dar conselho para quem quer ser milionário.

Naturais de São Sebastião do Paraíso (MG), os dois são filhos de um ex-prefeito do município, Pedro Cerize, e irmãos da atual vereadora Maria Aparecida Cerize Ramos (PSDB). Eleita pela primeira vez em 2016, ela foi reconduzida ao cargo em 2020 com a doação dos irmãos, que aportaram juntos cerca de R$ 10 mil em cada campanha.

Enquanto isso, os cerca de 11 mil indígenas que vivem na TI Xakriabá sofrem com a pobreza, a fome, a seca e o confinamento em uma área homologada muito menor que seu território tradicional.

TERRA INDÍGENA XAKRIABÁ FOI DEMARCADA APÓS MASSACRE

Os Xakriabá são uma das poucas etnias originárias de Minas Gerais que continuam habitando o estado. Ao longo de três séculos, eles sobreviveram a ataques de bandeirantes, à ação de missionários católicos e ao avanço da pecuária e do garimpo.

Em 1728, o povo adquiriu uma porção de terras doada por Januário Cardoso de Almeida, então “administrador dos índios da Missão de São João do Riacho do Itacaramby”. Em 1856, as terras foram registradas em nome dos indígenas no cartório de Ouro Preto. Apesar desse reconhecimento oficial pelo Estado, os Xakriabá tiveram de lutar durante décadas contra a instalação de posseiros e grileiros no território.

A gleba foi homologada como terra indígena pela Funai apenas em 1987, em decorrência de um massacre ocorrido após a invasão das terras pelo fazendeiro Francisco de Assis Amaro. No episódio, foram assassinados o cacique Rosalino Gomes e dois indígenas: Manuel Fiúza da Silva e José Teixeira Santana.

O território é lar da deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), eleita em 2022 a primeira representante indígena de seu estado. Em entrevista ao programa De Olho na Resistência, deste observatório, ela reforçou que, para evitar novos conflitos, é necessário que o governo adote uma postura proativa da demarcação dos territórios. “Todas as terras indígenas que eu conheço só foram demarcadas depois da morte de alguma liderança indígena”, afirma. “Se a nossa voz não for suficiente dentro do Congresso Nacional, vai ser pelo movimento de luta que nós vamos convocar do lado de fora que nós vamos fazer também esse enfrentamento”.

Embora aguardem há dez anos pela homologação dos estudos de ampliação, os Xakriabá não aparecem na lista das primeiras catorze TIs que devem ser homologadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o fim do primeiro semestre.

RELATÓRIO APONTA 1,2 MILHÃO DE HECTARES SOBREPOSTOS EM TIS  

Produzido ao longo de seis meses por uma equipe de pesquisadores e jornalistas, o relatório “Os Invasores” revelou, de forma inédita, o nome das pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de sobreposição de fazendas em terras indígenas demarcadas pela Funai. Juntas, essas propriedades ocupam 1.187.214,07 hectares dentro de 213 TIs — regularizadas ou não —, conforme dados fundiários do Incra.

Entre as áreas de imóveis rurais sobrepostas, 55,6% são ocupados por pasto para pecuária, atividade realizada na fazenda dos irmãos Cerize. Elas ocupam uma área equivalente à do Rio de Janeiro e maior que os territórios de Hong Kong ou da Ilha da Madeira, em Portugal: “Pecuária ocupa 123 mil hectares em terras indígenas, mostra estudo“.

Além dos Cerize, o relatório destaca a participação de outros “gurus” do mercado financeiro nas sobreposições. Entre os casos analisados destaca-se a participação da Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em duas empresas com imóveis incidentes em áreas indígenas: a Terra Santa Propriedades Agrícolas e a Garça Azul Empreendimentos Turísticos, dona de um resort na Bahia incidente na TI Tupinambá de Olivença.

Integram o “núcleo Faria Lima” das fazendas sobrepostas outros nomes estrelados, como a XP Investimentos, dona de participação na OXE Energia, em conflito com o povo Wapichana da TI Malacacheta; o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos; e o International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.

Os casos descritos na pesquisa começam agora a ser explorados também em uma série de vídeos e reportagens, publicada pelo observatório, detalhando as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

 

Ø  Piada do ano! Bolsonaro ignora crise Yanomami e chama indígenas de "nossos irmãos"

 

Após confusão em sua chegada à Agrishow junto ao governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) , o ex-presidente e líder da extrema direita Jair Bolsonaro (PL ) assumiu o microfone para criticar a política de homologação de Terras Indígenas d o atual governo federal iniciada presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde o início da nova gestão. 

"Por exemplo, uma das reservas indígenas tem 31 mil hectares, apenas 'existe' lá nove indígenas. Algo não está certo. Não é possível 31 mil hectares para nove pessoas", disse Bolsonaro.

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Bolsonaro usou o microfone para citar Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente e atual deputado federal, como um exemplo de proteção ambiental e afirmou que sua política sobre reservas indígenas era diferente. 

"Nunca tive má vontade para com o indigenista, muito pelo contrário. Até enviamos um projeto no começo de 2021, tá no Congresso, não foi pra frente... Mas que permitia aos indígenas, se fosse da sua vontade, fazer como os fazendeiros fazem em suas propriedades ao lado", discurou o ex-presidente.  

Bolsonaro ignorou a crise do garimpo ilegal nas Terras Yanomamis que chegou a níveis alarmantes durante sua gestão e afirmou que seu proteto [citado do discurso] dá dignidade aos indígenas. 

"É uma maneira de tratar com respeito e com dignidade os nossos irmãos indígenas e não dessa forma como está ai", disse. 

Segundo Bolsonaro, há 400 pedidos de demarcações de Terras Indígenas e 3.500 pedidos para novos quilombolas no país. Para ele,  se o governo atender 10% desses pedidos o agronegócio sofrerá consequências. 

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"Nós sabemos que se 10% for atendido, para onde irá o nosso agronegócio?", questinou Bolsonaro. 

>>> Entenda:

Ao homologar as TI na última sexta (28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que pretende cumprir a promessa que fez durante as campanhas eleitorais e demarcar "o maior número possível de terras indígenas" em seu mandato. Ele afirmou que o processo, porém, não é simples e pode levar algum tempo.

As terras homologadas estavam com pedidos de análise parados desde 2018, devido à política ambiental do próprio Bolsonaro, que afirmou logo no início de seu mandato que não faria nenhuma demarcação durante seu governo .

>>> Nesta sexta, Lula demarcou seis terras indígenas. São elas:

  • TI Arara do Rio Amônia (AC);
  • TI Kariri-Xocó (AL);
  • TI Rio dos Índios (RS);
  • TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE);
  • TI Uneiuxi (AM);
  • TI Avá-Canoeiro (GO).

 

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas/iG

 

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