Condenado
por trabalho escravo financiou presidente da CPI do MST
Antes de ser escolhido para presidir a Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), o deputado Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS) era uma figura
desconhecida na política nacional. Eleito em 2022 com apoio do movimento
armamentista Proarmas — na mesma chapa do ex-vice-presidente e atual senador Hamilton
Mourão —, o militar gaúcho havia estreado na política quatro anos antes, ao
conquistar uma vaga no legislativo estadual em 2018.
Ex-chefe de segurança de Lula e Dilma, Luciano Zucco
foi o deputado estadual mais votado no Rio Grande do Sul, em grande parte pelo
engajamento direto de Mourão e de Jair Bolsonaro — com quem acompanhou a
apuração de 2018, em sua casa no Rio de Janeiro. Mas sua ascensão política também contou com um
personagem mais obscuro.
Um dos principais financiadores de Zucco naquele ano
foi Bruno Pires Xavier. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o fazendeiro doou R$ 10 mil para a campanha do militar. Dona do
Frigorífico Quatro Marcos, a família Xavier é alvo de diversas denúncias de
crimes ambientais e trabalhistas. Ao todo, 324 trabalhadores foram resgatados
de condições análogas à escravidão em imóveis rurais do grupo, durante cinco
operações do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Na Câmara, Zucco tenta honrar os compromissos com
seus fiadores políticos. Em março de 2023, em meio ao escândalo de trabalho
escravo nas vinícolas gaúchas, Zucco votou a favor da tramitação de uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa extinguir o MPT e a Justiça do
Trabalho no Brasil. De autoria do “príncipe” Luiz Philippe de Orléans e
Bragança (PL-SP), o projeto contava com 66 assinaturas.
O projeto envolveu também a Federação da Agricultura
do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), aliada de primeira hora do deputado
bolsonarista.
Confira abaixo, em vídeo, quem são os parlamentares
que, junto do presidente da CPI do MST, compõem a “bancada do trabalho
escravo”:
CLÃ QUE APOIOU ZUCCO LIDEROU RANKING DE DESMATAMENTO
Em 2017, o Ministério Público do Trabalho (MPT) flagrou 23 trabalhadores em condições análogas à escravidão na fazenda
Santa Laura Vicuña/Fazendas Reunidas, no município Nova Santa Helena, a 600 km
de Cuiabá. Tratava-se de uma reincidência.
Fundado pelo paranaense Sebastião Bueno Xavier, o
Grupo Quatro Marcos fizera parte da “lista suja” do trabalho escravo outras
duas vezes, após o resgate de trabalhadores em outra unidade da empresa, na
Fazenda Santa Luzia, em Nova Bandeirante (MT). Na relação, foram incluídos os
nomes de Rosana Sorge Xavier e Sebastião Douglas Sorge Xavier — filhos de
Bueno, como era conhecido.
Após seu falecimento, em março de 2016, Bueno Xavier
foi homenageado pelo então senador Blairo
Maggi que, durante seu período como governador,
chegou a participar da inauguração de uma das plantas do grupo.
No ano seguinte à última autuação trabalhista, uma
ação civil pública pediu a condenação de sete parentes e sócios do Grupo Quatro
Marcos ao pagamento de indenização de R$ 100 milhões por danos morais coletivos
— entre eles, Bruno Pires Xavier, financiador de Luciano Zucco em 2018.
O processo atingia outras três empresas da família:
a Agropecuária Princesa do Aripuanã Ltda, a SSB-Administração e Participações
Ltda e a BX Empreendimentos e Participações. Pela reincidência do crime, o MPT
pediu que a fazenda e os imóveis do clã Xavier fossem expropriados sem qualquer
indenização aos donos e sem prejuízo das demais sanções administrativas, civis
e penais cabíveis.
Em 2018, o grupo foi condenado pela Justiça do
Trabalho a pagar uma indenização de R$ 6 milhões por
danos morais coletivos. O pedido de expropriação para fins de reforma agrária
foi enviado à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário e Desenvolvimento Social, que seria extinto no ano seguinte por
Bolsonaro, travando o processo.
Em 2022, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª
Região (TRT-23) reformou a sentença, descaracterizando a classificação como
trabalho análogo a escravidão — o que elimina a chance de expropriação — e
reduzindo a indenização para R$ 160 mil, além de limitar a responsabilização
pelas irregularidades à empresa Santa Laura Vicuña – Fazendas Reunidas Ltda. Cabe
recurso ao MPT.
O desrespeito se estende também ao ambiente: em
2008, Rosana foi apontada, em ranking do Ministério do Meio Ambiente (MMA), como a a segunda pessoa física que mais desmatou no país, com mais de
9 mil hectares de floresta derrubadas — o equivalente a metade da área urbana
de Cuiabá. No ano passado, a família voltou a figurar em relatórios de
desmatamento, desta vez através da Brusqui
Agropecuária, segundo dados da Aidenvironment.
ALIADA DE ZUCCO, FARSUL FAZ LOBBY PARA
FLEXIBILIZAR LEIS TRABALHISTAS
O financiamento de campanha não é a única ponta que
liga Luciano Zucco ao universo agrário e a violações trabalhistas. Durante a
campanha para a Câmara, em 2022, o representante da “bancada da bala” se
aproximou da ala ruralista através da Federação da Agricultura do Estado do Rio
Grande do Sul (Farsul).
A relação teve início ainda em 2019, graças à
proximidade de Zucco com Jair Bolsonaro. Em 2021, em meio à pandemia de
Covid-19, o militar participou da comitiva do ex-presidente à feira Expointer,
em Esteio (RS), onde Bolsonaro recebeu a Medalha do
Mérito Farroupilha.
Em 2020, quando Zucco ainda era deputado estadual, a
Farsul emitiu uma nota conjunta com outras entidades patronais atacando um
projeto da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) que previa impedir as atividades de
empresas flagradas com trabalho infantil. Segundo o empresariado gaúcho, a
punição traria reflexos negativos para o “ambiente de negócios”. O projeto foi
rejeitado pela Assembleia Legislativa, por 20 votos contrários contra 14
favoráveis. Zucco se absteve.
Em 2023, em 03 de abril, Zucco participou de um
encontro dos parlamentares gaúchos na sede da Farsul. Ali, os dirigentes da federação demonstraram apoio total ao
requerimento para instalação da CPI do MST e pediram urgência na votação do
Projeto de Lei (PL) 490/2009, do Marco Temporal.
No mesmo evento, o diretor da Comissão de Assuntos
Jurídicos da entidade, Nestor Hein, pediu aos deputados e senadores que
apressassem a flexibilização da NR 31, do Ministério do Trabalho, que estabelece as normas de segurança e
saúde para trabalhadores rurais, incluindo as condições de alojamento e
alimentação.
Um mês antes, Hein se notabilizou por sair em defesa
de arrozeiros de Uruguaiana (RS), flagrados com mão de obra escrava. Em
entrevista à Rádio
Gaúcha, o diretor da Farsul negou a existência de
condições degradantes e atribuiu a denúncia à “lacração” nas redes sociais.
Ainda em março, o presidente da federação, Gedeão
Pereira, justificou o resgate de 207 trabalhadores em alojamentos precários de
empresas ligadas às vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton pela “falta de mão de
obra”. Uma semana depois da declaração, ele reafirmou a defesa aos produtores
de vinho gaúchos durante uma livre promovida pelo próprio tenente-coronel
Zucco, intitulada “MST: Movimento Social ou Organização Criminosa?”. O encontro
virtual ocorreu três dias antes do gaúcho protocolar o pedido para criação da
CPI.
Durante a live, Zucco convidou Pedro Pôncio, um
suposto ex-integrante do MST, adiantando que deverá convidá-lo a depor na CPI.
Figura frequente nas redes bolsonaristas, Pôncio afirma ter crescido em um
assentamento do MST no Mato Grosso do Sul. O jovem chegou a gravar um vídeo ao
lado de Jair Bolsonaro, elogiando o programa Titula
Brasil, que estaria salvando famílias “escravizadas pelo
PT”. A Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) afirma
que Pôncio nunca pertenceu ao movimento.
INIMIGOS DA REFORMA AGRÁRIA COMANDAVAM O INCRA
GAÚCHO
Em 2022, De Olho nos
Ruralistas mostrou que, durante o governo Bolsonaro, a
Farsul passou a comandar as indicações políticas para a superintendência do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio Grande do
Sul. Com apoio do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e do deputado Alceu
Moreira (MDB-RS), tomou posse como superintendente regional, em junho de 2019,
o médico veterinário Tarso Teixeira, um opositor histórico da reforma agrária
no estado.
Vice-presidente da Farsul à época, Teixeira anunciou
que passaria um “pente-fino” nos assentamentos gaúchos, que ocupam cerca de 294 mil hectares,
distribuídos por 98 municípios. Tanto Moreira como Heinze presidiram a Frente
Parlamentar da Agropecuária — fiadora da indicação de Luciano Zucco à
presidência da CPI do MST — e são defensores de um modelo individualizado de
“regularização fundiária”, com o fim de isolar os movimentos de luta pela
terra. Alceu Moreira também é membro da CPI do MST, como suplente.
Em 2021, Heinze atuou junto à Comissão de
Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado para a aprovação de emendas ao
Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022, destinando recursos ao Incra
para a regularização fundiária e consolidação de assentamentos. Moreira apoia a
ampliação das medidas relacionadas à regularização fundiária, tendo sido um dos
principais negociadores por trás do Projeto de Lei (PL) nº 2633/2020, apelidado
de PL da Grilagem.
Teixeira faleceu de Covid em janeiro de 2021, sendo
homenageado tanto por Moreira como por Heinze. Quatro meses após sua morte, foi nomeado um novo superintendente, o
servidor aposentado do Banco do Brasil Gilmar Tietböhl Rodrigues, ligado à
Farsul há pelo menos vinte anos. Sua relação com Heinze é também partidária: em
2006, ele foi candidato a deputado federal pelo antigo PP, hoje Progressistas,
mesmo partido do senador.
Durante a cerimônia de posse na superintendência
regional do estado, Rodrigues afirmou que o foco principal de sua gestão era
incrementar a entrega de títulos definitivos de propriedade aos assentados,
“atingindo o maior número possível de beneficiários”. Ele enfatizou esse item
como uma importante diretriz do Incra e da gestão de seu antecessor, Tarso
Teixeira. Rodrigues foi secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul em 2010
e superintendente estadual do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
Fonte: De Olho nos Ruralistas
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