Uma
das funções das leis trabalhistas e das instituições que zelam pela sua
aplicação e equilíbrio, como a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do
Trabalho, é mediar a relação entre as pessoas que vendem sua mão de obra e as
empresas e governos que as compram. O sistema não é perfeito, claro, mas tem
contribuído para garantir um mínimo de dignidade nas relações de trabalho.
Se
essas leis fossem reduzidas a pó e essas instituições perdessem força, como
desejam parte dos parlamentares, o que impediria a superexploração de pessoas
pobres até o limite de suas forças sob a eterna chantagem do ''não está feliz,
vá embora porque há quem trabalhe só por comida''? E, por outro lado, o que
impediria que trabalhadores que acreditam estar sendo superexplorados, ao invés
de começarem uma greve, partissem para a justiça com as próprias mãos?
É
interessante que o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ)
que, em tese, representa o povo e é responsável pela proposição de leis para
que nossa sociedade viva da forma mais harmoniosa possível, considerando as
contradições inerentes ao capitalismo, queira um cenário com menos regras e sem
instituições para vigiar o cumprimento das regras que sobrarem. Isso fica claro
tanto por sua desastrosa declaração de que o Judiciário trabalhista nem deveria
existir e pelas pesadas críticas à CLT, culpando-a, inclusive, por desemprego
em massa.
Será
que Maia e amigos gostariam de ver uma luta de classes ao pé da letra com o
mais forte levando a melhor? Pois apesar do que acreditam algumas pessoas com
graves problemas de interpretação de texto, ''luta de classes'' não é ringue de
boxe de pobre e rico, mas uma expressão que explica uma dinâmica social,
política, econômica e ideológica entre quem detém os meios de produção e quem
neles trabalha.
Duas conjecturas a partir desse
questionamento:
–
Rodrigo Maia e amigos desejam, saudosos do início do século 20, que as
reivindicações trabalhistas voltem a ser tratadas como um caso de polícia. Ou
seja, parou de trabalhar e reclamou? O pau vai comer.
–
Rodrigo Maia e amigos são revolucionários anarco-sindicalistas e querem
derrotar o Estado para que os trabalhadores possam, através da autogestão e da
democracia direta, governarem a si mesmos. Ou seja, seremos livres quando o
último rei for enforcado nas tripas do último padre.
Desconfio
que não é a segunda.
Em
1886, uma greve geral começou no dia Primeiro de Maio em Chicago, nos Estados
Unidos, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia. Isso
acabou em tragédia, com manifestantes e policiais mortos e sindicalistas
condenados (injustamente) à morte. Nos anos seguintes, a data foi escolhida
para ser um dia de luta por condições melhores de trabalho. Menos nos Estados
Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda-feira de setembro.
Quem
visita a cidade norte-americana, encontra uma frase gravada em um monumento:
''Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que
vocês estrangularam hoje''.
Só
o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como
tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem
cruzar os braços, não apenas aumentou salários ao longo do tempo, mas já ajudou
a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.
Um
dos mais importantes direitos mediados pela Justiça do Trabalho é o direito à
greve – que é visto como heresia por parte do mercado e de seus representantes
políticos.
Aliás,
em qualquer cidade grande brasileira, temos relatos de trabalhadores em greve
que ainda apanham, levam tiros e respiram gás. Manifestações que questionam a
desigualdade e a injustiça social tendem a ser reprimidas pela força pública.
São vistas como subversivas. As ''ordeiras'', que não mexem com a estrutura
econômica e social do país, são aplaudidas pelos governantes de plantão.
A
vida já é difícil com alguém mediando o regulamentado direito à greve. Imagine
como seria o vácuo disso. Quem decidiria se uma greve é legal ou não? O
comandando do Batalhão de Choque da Polícia Militar?
O
Brasil está correndo a passos largos para rasgar sua legislação trabalhista. E
há políticos e empresários que se esforçam para deslegitimar o sistema do
judiciário trabalhista. Se a ampliação da terceirização não significasse
redução de direitos, por exemplo, não estariam tentando te convencer tão
arduamente de que isso é melhor para você e para o país.
Todos
os direitos que temos hoje não foram dados por alguém de forma milagrosa, mas
são fruto de lutas brasileiras ou internacionais de gerações. E consequência de
muita mediação entre patrões e empregados sob o monitoramento da Justiça e do
Ministério Público. É função dos governantes fazer parecer que foram eles que,
generosamente, concederam. E função da história dos vencedores registrar isso
como fato.
Temos
diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas
que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que
ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato no feriado ou porque tiveram
acesso ao próprio FGTS.
Mas
dos braços parados que se negam a produzir riqueza quando um diálogo aberto e
franco com os empregadores seja estabelecido.
Quem
é contra as instituições que possibilitam esse diálogo acredita que o silêncio
é libertador. Mas de outra forma, através da repetição incansável do temerário
mantra ''não fale em crise, trabalhe''.
Escondem
o fato de que, sem leis e sem Justiça, o que temos é a mais completa barbárie.
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