No
Brasil, iniciativas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário visam à
promoção de mudanças nas regras e normas trabalhistas, o que trará grande
impacto sobre o sistema de relações de trabalho, as formas de contratação, a
jornada de trabalho, a remuneração, as condições de trabalho, os sistemas de
negociação coletiva, o direito de greve, a organização e o financiamento
sindical. Já está em debate no Congresso o amplo e perverso projeto de reforma
da Seguridade e Previdência Social, depois de ter sido aprovada a mudança
constitucional e legislativa que congela os gastos públicos em termos reais por
vinte anos.
Essas
reformas se processam em um ambiente e no contexto de uma das mais profundas
crises econômicas que o país já viveu, com severo aumento do desemprego e de
grave crise fiscal. As reformas mencionadas são justificadas como necessárias
para recuperar a competitividade da economia, reduzir o custo do trabalho,
flexibilizar a capacidade de inciativa das empresas, recuperar os empregos,
modernizar a legislação e o sistema de relações de trabalho, além de gerar
equilíbrio fiscal.
Nesse
início de semestre (2017), encontra-se em debate no Congresso Nacional o
Projeto de Lei no 6.787, encaminhado pelo Executivo, que altera as regras
referentes ao trabalho em tempo parcial; define a representação dos
trabalhadores no local de trabalho, eleição e funções; afirma o incentivo à
negociação coletiva em vários temas, como férias anuais, jornada de trabalho,
participação nos lucros e resultados, horas “in itinere”, intervalo
intrajornada, ultratividade, Programa Seguro-Emprego, plano de cargos e
salários, regulamento empresarial, banco de horas, trabalho remoto, remuneração
por produtividade, registro da jornada de trabalho; e redefine trabalho
temporário.
Segundo
levantamento realizado pelo relator da reforma trabalhista, deputado Rogério
Marinho (PSDB-RN), tramitam no Congresso Nacional cerca de 2.300 projetos que
se relacionam com diversas questões do mundo do trabalho e da organização
sindical. Nesse momento se destaca a retomada do processo de regulamentação do
direito à terceirização – relação entre empresas, que terá repercussão sobre a
vida dos trabalhadores e a representação sindical. Na pauta quase imediata
também está o direito de negociação e de greve para os servidores públicos,
além de inúmeras outras questões tratadas em diversas comissões. De outra parte
ainda, o Supremo Tribunal Federal vem editando sentenças com repercussão geral,
como no caso da ultratividade, da contribuição sindical, entre outras.
Essas
inciativas estão em sintonia com a grande mobilização de reformas trabalhistas
implementadas em mais de uma centena de países, desde o início da crise
econômica, cujo ápice foi em 2008. A queda do nível de atividade produtiva, a
recessão, o desemprego, a crise fiscal, entre outros, são problemas vivenciados
por quase todo o mundo, enfrentados por muitos países com planos que incluíram
uma agenda de reformas sociais e laborais.
A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou um estudo1, produzido
pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, sobre
reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países,
promovidas no período de 2008 a 2014. A pesquisa atualiza investigações
anteriores, bem como faz comparações com estudos do Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O
fundamento comum observado nas diversas inciativas de reformas, no contexto da
grave crise e da estagnação econômica com desemprego, foi o de aumentar a
competitividade das economias ou criar postos de trabalho.
Nos
países desenvolvidos predominam iniciativas para reformar a legislação do mercado
de trabalho no que se refere aos contratos permanentes. Já nos países em
desenvolvimento, observaram ênfase maior em reformas das instituições da
negociação coletiva. As duas dimensões estão presentes, com maior ou menor
intensidade, na maioria dos projetos de reforma implementados. Outra observação
geral indica que a maioria das reformas diminuiu o nível de regulamentação
existente e teve caráter definitivo. Foram analisadas 642 mudanças nos sistemas
laborais em 110 países. Em 55% dos casos, as reformas visaram reduzir a
proteção ao emprego, atingindo toda a população, tinham caráter permanente,
produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho
no mundo.
As
altas e crescentes taxas de desemprego formam o contexto que criou o ambiente
para catalisar as iniciativas de reformas e disputar a opinião da sociedade
sobre elas. De outro lado, os resultados encontrados no estudo não indicam que
as reformas de redução ou aumento da regulação do mercado de trabalho tenham
gerado efeitos ou promovido mudanças na situação do desemprego.
Vale
prestar muita atenção ao fato de o estudo indicar que mudanças como essas na
legislação trabalhista, realizadas em período de crise e que visam reduzir a
proteção, aumentam a taxa de desemprego no curto prazo. Ademais, não se
observou nenhum efeito estatístico relevante quando essas mudanças foram
implementadas em períodos de estabilidade ou expansão da atividade econômica.
Mais grave ainda, as reformas “liberalizadoras”, que facilitam o processo de demissão,
tenderam a gerar aumento do desemprego no curto prazo. Esses resultados são
corroborados por outros estudos produzidos pelo FMI e pela OCDE (2016).
Do
total de reformas, destacam-se aquelas que diminuem os níveis de regulação, das
quais: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho
temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de
negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.
Depois
de longo período sem debater, de maneira sistemática, medidas de reformas
trabalhistas e sindicais, uma grande agenda de mudanças se impõe por inciativa
dos três poderes no Brasil. O sistema de relações de trabalho e organização
sindical merece permanente e cuidadoso processo de aprimoramento, o que se pode
denominar de reforma, ou seja, mudanças que busquem melhorar e modernizar.
De
outro lado, promover a geração de empregos é um dos principais objetivos da
política econômica, e a legislação deve criar um marco regulatório que
aperfeiçoe a segurança no emprego e favoreça a criação de mais e melhores
postos de trabalho.
Para
pensar e debater as reformas e as mudanças no sistema de relações de trabalho,
que deveriam ser orientadas para o fortalecimento dos sindicatos como
instrumento de representação do interesse coletivo, devem ser observadas
algumas diretrizes orientadoras, que norteiam a intervenção sindical:
•
Incentivar o diálogo e as soluções compartilhadas;
•
Valorizar e incentivar a negociação coletiva em todos os níveis (chão da
empresa, local, setorial e nacional);
•
Fortalecer a representatividade sindical desde o local de trabalho;
•
Promover a solução ágil de conflitos;
•
Assegurar segurança jurídica aos trabalhadores e empregadores (privados e
públicos);
•
Orientar a harmonia e complementariedade entre o legislado e o negociado;
•
Favorecer aprimoramentos e/ou mudanças de processos, procedimentos e
organização com caráter voluntário e incentivo para a adesão das partes.
O
sistema de relações do trabalho tem vínculos profundos com as demais políticas
e instituições, bem como as reformas que o modernizam podem ser alavancadoras
de novo patamar de desenvolvimento. É preciso aproveitar a crise para gerar a
mais rápida transição para o crescimento, destravando obstáculos que têm
impedido a retomada da economia. Mas mudanças precisam fortalecer a negociação
e o diálogo de organizações representativas, em um ambiente institucional que
valorize a solução dos conflitos pelas partes e que seja capaz de criar
compromissos com o interesse geral da sociedade, elementos que atuam para
favorecer e promover o desenvolvimento do país.
* Clemente Ganz Lúcio é diretor
técnico do Dieese.
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