MAIS
QUE TARIFAS: A Batalha Tecnológica entre Estados Unidos e China
A
guerra tarifária entre Estados Unidos e China escancara apenas uma disputa
comercial — ou estamos, na verdade, diante de uma luta pelo controle das
indústrias tecnológicas que definirão a liderança global nas próximas décadas?
Por
trás da guerra tarifária entre Estados Unidos e China está uma disputa
estratégica muito mais profunda: o domínio da indústria tecnológica global. As
tarifas impostas por Donald Trump não apenas tensionam o comércio bilateral,
mas colocam em risco a capacidade
dos EUA de competir em tecnologias críticas — essenciais para o crescimento
econômico e a segurança nacional. O epicentro desse embate está nas cadeias de
suprimentos, altamente concentradas na Ásia, e no avanço chinês em setores
estratégicos como baterias, semicondutores, telecomunicações e inteligência
artificial.
Embora
os Estados Unidos ainda mantenham uma vantagem em diversas dessas tecnologias —
como inteligência artificial, design avançado de semicondutores, biotecnologia,
produtos farmacêuticos, supercomputação e computação quântica — a China já
lidera em outras áreas estratégicas, como criptomoedas, pequenos drones,
comércio eletrônico, veículos elétricos, reconhecimento facial, fabricação de
dispositivos móveis, ferrovias de alta velocidade, tecnologia hipersônica,
energia solar e eólica, além de telecomunicações.
Todo
esse cenário já provocou uma queda de 8,8% nas
ações da Apple — empresa norte-americana que mantém mais de 90% de sua produção
na China, um dos países alvos das tarifas. Estimativas indicam que a empresa
ainda pode enfrentar até US$ 39,5 bilhões em custos tarifários. Segundo dados do Census Bureau, os Estados Unidos
importaram, no ano passado, quase US$ 486 bilhões em eletrônicos — o segundo
maior setor em volume de importações, atrás apenas de máquinas. Outros dados
podem ser conferidos no site oficial da United
States International Trade Commission
Essa
ascensão tecnológica da China se deve a uma combinação de fatores: altos investimentos
em pesquisa científica de ponta; abundância de talentos em ciência, tecnologia,
engenharia e matemática (STEM); agilidade na transição da produção de
laboratório para o mercado; domínio sobre o processamento de minerais críticos;
capacidade de escalar rapidamente a produção comercial; e acesso privilegiado a
mercados ao redor do mundo, especialmente no Sul Global. Notavelmente, a China
está profundamente integrada às principais cadeias globais de valor
tecnológico.
Logo, a
volatilidade de tarifas e retaliações compromete a construção de
um ambiente tecnológico estável. Um exemplo claro dessa conjuntura complexa é a
indústria global de semicondutores, que envolve uma cadeia interdependente
composta por projetistas de chips, fundições, fornecedores de
equipamentos e produtores de materiais espalhados por diferentes países.
Empresas americanas como
NVIDIA, Qualcomm e Intel lideram o design de chips avançados,
mas dependem de fabricantes localizados em Taiwan e na Coreia do Sul, que por
sua vez contam com equipamentos do Japão e da Holanda, além de materiais
processados na China. A cadeia de suprimentos de semicondutores é altamente
eficiente e baseada na hiperespecialização: enquanto os EUA se concentram
no design — segmento de maior margem de lucro —, a produção é
terceirizada para fundições como a TSMC. Após a fabricação,
os chips seguem para o Sudeste Asiático, onde são montados,
testados e embalados, antes de serem enviados para fábricas no mundo todo.
Tarifas sobre importações da China, México e Canadá — somadas às aplicadas
sobre aço e alumínio —, além das medidas retaliatórias de outros países, elevam
os custos de produção nos EUA, introduzem incertezas no mercado e podem afetar
decisões de investimento, além de desencadear respostas como as já adotadas
pela China, incluindo restrições à exportação de minerais críticos.
Essa
preocupação já vinha sendo discutida há algum tempo, desde a formulação
do CHIPS Act — idealizado
durante o governo de Donald Trump e aprovado pelo Congresso norte-americano e
sancionado por Joe Biden em 2022. O objetivo da medida é incentivar a produção
de semicondutores nos Estados Unidos por meio de financiamento federal. O texto
deixa claro que os recursos não poderão ser utilizados para construir,
modificar ou ampliar instalações fora do território americano.
Deste
modo, é impetuoso refletir como essa guerra tarifária pode ser um novo equívoco
estratégico dos Estados Unidos para enfrentar o progresso tecnológico chinês.
Por exemplo, a aparição da IA Generativa chinesa, DeepSeek,
que mesmo diante das restrições dos EUA à exportação de componentes de
alta tecnologia para a China, como o chip H100 da Nvidia (de
ponta mais alta) e o chip H800 (de ponta mais baixa), ambos
amplamente usados em IA, a China conseguiu superar esses obstáculos e avançar
no setor.
A
resposta da China às medidas tarifárias de Trump, longe de ambígua, deixa claro
que não haverá concessões. Isso se deve, em parte, à estratégia de diversificação comercial adotada por
Pequim nos
últimos anos. Em 2024, as exportações chinesas para os Estados Unidos
representaram 14,7% do total — uma queda significativa em relação aos 19,2%
registrados em 2018. Ao mesmo tempo, cresceram as remessas para países do
Sudeste Asiático e integrantes da Iniciativa Cinturão e Rota. De forma mais
ampla, cerca de 30% das exportações chinesas em 2023 foram destinadas a países
do G7, contra 48% no ano 2000, evidenciando uma mudança gradual no foco dos
fluxos comerciais da China.
Por sua
vez, é evidente que a China não atua como um mero player no
tabuleiro geopolítico. Em entrevista à MIT
Technology Review, a ex-vice-secretária de Defesa dos EUA, Kathleen Hicks,
deixou claro que a China representa o maior desafio de ritmo enfrentado pelos
Estados Unidos — ou seja, é a China quem estabelece o compasso em diversas
áreas de capacidades estratégicas, e é esse ritmo que os Estados Unidos
precisam superar para dissuadir os chineses. Ela destacou ainda que o maior
desafio para os EUA não é apenas ampliar a produção tecnológica no território
nacional, mas garantir sua integração e implantação efetiva, o que remete à
questão dos minerais críticos.
Esses minerais críticos são insumos
essenciais para tecnologias estratégicas, como baterias, veículos elétricos,
eletrônicos e energia renovável. Embora não necessariamente escassos, são
considerados críticos pelo alto risco de interrupção no fornecimento, seja por
disputas geopolíticas, barreiras comerciais ou dependência de poucos países
produtores. Entre os principais minerais críticos estão o lítio, cobalto,
grafite, terras raras e elementos do grupo platina. O controle sobre sua
extração, refino e exportação tem se tornado um instrumento de poder
geopolítico, com a China exercendo liderança global em boa parte dessa cadeia.
O setor de baterias exemplifica a capacidade da China de
dominar indústrias globais por meio de eficiência e integração da cadeia
produtiva. Combinando apoio governamental maciço e espírito empreendedor, o
país conseguiu criar um ecossistema completo — ou “o dragão inteiro”, como
chamam — em regiões como Sanhe, no sul de Guangdong, onde a produção é
integrada, da matéria-prima ao produto final. Empresas como CATL, BYD e Ganfeng
Lithium lideram o mercado global a partir dessa base. A China detém a maioria
das refinarias e fábricas de componentes essenciais, como ânodos e cátodos, e é
responsável por três em cada quatro baterias de íons de lítio vendidas no
mundo, segundo a Agência Internacional de Energia.
A presença chinesa se estende à origem das
matérias-primas: empresas chinesas têm participação significativa em minas de
lítio, níquel e cobalto em países como Indonésia, Austrália e Argentina. Isso
garante o domínio sobre etapas estratégicas da cadeia global de baterias. A
supremacia também se reflete na inovação e nos preços: a China responde por
cerca de 80% das patentes globais de baterias e, em 2023, produziu baterias em
média 30% mais baratas que as da UE e 20% mais baratas que as dos EUA,
impulsionada por um mercado interno altamente competitivo e eficiente.
A CATL, um fabricante
chinês de baterias e empresa de tecnologia, é o símbolo desse domínio. Fundada
em 2011, cresceu 110% ao ano entre 2014 e 2022 e vem ampliando sua
autossuficiência: metade do refino de insumos críticos já é feito internamente.
Além disso, constrói fábricas a custos quase 50% inferiores aos dos rivais
internacionais.
Deste
modo, a guerra tarifária entre Estados Unidos e China escancara uma disputa que
vai muito além do comércio: trata-se do controle das indústrias tecnológicas
que definirão a liderança global nas próximas décadas. As tarifas, longe de
frear o avanço chinês, expõem vulnerabilidades estruturais dos EUA — como a
dependência de cadeias de suprimentos externas e o domínio chinês sobre insumos
estratégicos. Para enfrentar esse desafio, não bastam medidas protecionistas.
Será necessário um esforço coordenado de investimento em inovação,
reindustrialização tecnológica e segurança de suprimentos.
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Trump alivia tarifas para smartphones e computadores
O
governo do presidente dos EUA, Donald Trump, isentou smartphones
e computadores das "tarifas recíprocas"
anunciadas por ele.
A agência de Alfândega e a Patrulha de Fronteiras dos EUA publicou um aviso na
noite de sexta-feira (11/4) explicando que as mercadorias seriam excluídas da
tarifa global de 10% anunciada por Trump para a maioria dos países - e também
do imposto de importação exclusivo para
a China, de 125%.
A
medida ocorre após uma onda de preocupação entre empresas de tecnologia dos
EUA, que temiam que o preço dos aparelhos poderia disparar, já que muitos deles
são fabricados na China. As isenções também
incluem outros dispositivos e componentes eletrônicos, incluindo
semicondutores, células solares e cartões de memória.
Não
ficou claro se as importações de produtos de tecnologia vindos da China ainda
serão atingidas por uma tarifa de 20% que não fazia parte das "tarifas
recíprocas" anunciadas em 2 de abril. A BBC entrou em contato com a Casa
Branca em busca de mais esclarecimentos. Algumas estimativas sugeriram que os
preços do iPhone e de outros produtos eletrônicos nos EUA poderiam ser
multiplicados por três se os custos das tarifas tivessem sido repassados aos
consumidores.
Os EUA
são um grande mercado para iPhones e a Apple foi responsável por mais da metade
de suas vendas de smartphones no ano passado, de acordo com a Counterpoint
Research. A empresa de pesquisa diz que até 80% dos iPhones da Apple destinados
à venda nos EUA são fabricados na China, com os 20% restantes fabricados na
Índia. Junto com outros gigantes de smartphones, como a Samsung, a Apple vem
tentando diversificar suas cadeias de suprimentos para evitar a dependência
excessiva da China nos últimos anos. A Índia e o Vietnã emergiram como
pioneiros em outros centros de fabricação.
Com a
entrada em vigor das tarifas, a Apple supostamente procurou acelerar e aumentar
sua produção de dispositivos produzidos na Índia nos últimos dias.
Trump
planejou uma série de tarifas elevadas sobre países ao redor do mundo, que
entrarão em vigor nesta semana. Mas na quarta-feira, ele rapidamente inverteu o
curso, anunciando que implementaria uma pausa de 90 dias para países atingidos
por tarifas mais altas dos EUA — com exceção da China — cujas tarifas ele
aumentou para 145%. Trump disse que o aumento da tarifa chinesa se deve à
prontidão do país em retaliar com sua própria taxa de 84% sobre produtos dos
EUA.
Em uma
mudança dramática de política, Trump disse que todos os países que não
retaliassem as tarifas dos EUA receberiam uma suspensão — e só enfrentariam uma
tarifa geral dos EUA de 10% — até julho. A Casa Branca então disse que a medida
era uma tática de negociação para extrair condições comerciais mais favoráveis
de outros países. Trump disse que seus impostos de importação abordarão a
injustiça no sistema comercial global, além de trazer empregos e fábricas de
volta às costas americanas.
¨
Trump quer iPhone feito nos EUA, mas aparelho custaria 3
vezes mais, diz analista
Transferir
a produção de iPhones da China para os Estados Unidos é improvável no
curto prazo e faria o aparelho custar três vezes mais, apontam analistas. O
alerta surge em meio à guerra comercial entre EUA e China. Nesta quinta-feira
(10), Trump impôs uma tarifa de 145% sobre os produtos
importados da China,
principal centro de fabricação do iPhone. Em resposta, os chineses aumentaram as tarifas
sobre produtos dos EUA para 125%.
O
principal objetivo de Trump é estimular a indústria nacional dos EUA, uma
de suas promessas de governo. Nesse contexto, o presidente espera que os
iPhones sejam fabricados no país. Karoline Leavitt, secretária de imprensa da
Casa Branca, citou o plano da Apple de investir US$ 500
bilhões nos EUA até 2028 como sinal de que isso pode acontecer.
Especialistas mostram, no entanto, que essa transição não é tão simples assim,
citando custos trabalhistas e as dificuldades de transferir sua
complexa cadeia de produção para o país.
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iPhone fabricado nos EUA seria até 3x mais caro
Para o
analista da empresa de investimentos Wedbush Securities Dan Ives, um iPhone
produzido nos EUA custaria mais que o triplo em relação ao fabricado na
China. Um iPhone fabricado no país asiático vendido por US$ 1.000 custaria
mais de US$ 3.000 se fosse montado nos EUA, disse o analista à Associated
Press. Os valores correspondem a cerca de R$ 6.000 e R$ 18.000,
respectivamente, em 11 de abril. "Os preços mudariam tão drasticamente que
é difícil compreender", disse Ives. "Fabricar iPhones nos EUA é inviável",
resumiu. Já os especialistas do Bank of America dizem que fabricar o aparelho
da Apple nos
EUA aumentaria em o custo do aparelho em 90% , segundo relatório aos
clientes informado pela Bloomberg na quarta-feira (9).
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Por que o iPhone ficaria mais caro?
Para o
Bank of America, só os custos com trabalhadores nos EUA aumentariam em
25% o gasto da produção do aparelho. Mas, segundo o banco, o problema vai
além, já que os EUA teriam que continuar importando componentes usados para a
fabricação do iPhone da China por um bom tempo. Dan Ives, analista da Wedbush
Securities, também afirmou que a transferência da cadeia produtiva do iPhone
para os EUA levaria pelo menos três anos e custaria caro. Vale destacar
que a Apple começou a construir uma rede de fabricação na China na década de 1990
e migrá-la para os EUA não seria nada fácil.
Em um
post no X, Ives disse que transferir 10% da cadeia de suprimentos asiática da
Apple para os EUA levaria três anos e US$ 30 bilhões, em um processo com
grandes interrupções. "Dizer que podemos simplesmente fabricar isso nos
EUA é subestimar incrivelmente a complexidade da cadeia de suprimentos da Ásia
e a maneira como eletrônicos, chips, semicondutores, hardware, smartphones,
etc, são feitos para os consumidores dos EUA nos últimos 30 anos", disse
Ives em um relatório, segundo a CBS News.
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Investimento da Apple nos EUA tem outro foco
O plano
da Apple mencionado pela secretária de imprensa da Casa Branca foi anunciado
pela empresa em fevereiro. Ele inclui o investimento de US$ 500 bilhões e a
contratação de 20 mil pessoas nos EUA até 2028, mas não prevê a fabricação
de iPhones no país. Em vez disso, a Apple prometeu financiar um data center em
Houston, no Texas, para desenvolvimento de inteligência artificial —
uma tecnologia que a empresa está expandindo, acompanhando a tendência do
setor.
Apesar
disso, a ideia é um desejo da equipe do atual presidente. Além de Leavitt, o
secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, também falou sobre a
possibilidade de fabricação do aparelho no país. "O exército de milhões e
milhões de seres humanos rosqueando pequenos parafusos para fabricar iPhones,
esse tipo de coisa, vai chegar aos EUA", disse Lutnick à CBS News, em 6 de
abril.
Fonte:
Por Lauro Accioly Filho, no Le Monde/BBC News/g1
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