segunda-feira, 14 de abril de 2025

Empresa de café que entrou na Lista Suja teve certificação renovada após flagrante

A EMPRESA MINEIRA FAZENDAS KLEM Importação e Exportação de Café é uma dos 20 produtores de café incluídos na Lista Suja do trabalho escravo, atualizada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) nesta quarta-feira (9).

Em junho de 2022, 7 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em Manhumirim, Minas Gerais. As vítimas colhiam café na Fazenda do Ouro, uma das propriedades da companhia.

A família Klem é dona de cafezais na região da Zona da Mata Mineira e realiza a venda direta de grãos para clientes no exterior.

•        Certificações

Em outubro de 2022, uma reportagem publicada pela Repórter Brasil mostrou que a Fazendas Klem Importação e Exportação de Café tinha o selo da  Rainforest Alliance, uma das principais certificadoras globais de critérios socioambientais em produtos agrícolas.

À época do resgate, a Rainforest Alliance afirmou que a propriedade rural flagrada com trabalho escravo não era a mesma fazenda da empresa para a qual o selo havia sido concedido. De acordo com a entidade, a área certificada ficava localizada em Luisburgo, município a 31 km de onde ocorreu o flagrante.

Mesmo após o caso, a certificação da Fazendas Klem Importação e Exportação de Café foi renovada pela Rainforest Alliance, em maio de 2024. A certificação teria validade de 1 ano.

Na última quarta (9), depois do contato da reportagem e da publicação da Lista Suja, a Rainforest Alliance afirmou à Repórter Brasil que “uma vez que o detentor de certificado foi incluído na Lista Suja, o mesmo perde o certificado a partir da data de sua inclusão neste cadastro”. A organização explicou que uso de trabalho análogo à escravidão é uma violação grave das regras da certificação. “O desrespeito aos direitos trabalhistas nunca foi – e nunca será – tolerado pela Rainforest Alliance”, diz trecho da nota.

A Fazendas Klem também possui certificação da USDA Organic, o selo de orgânicos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Segundo a plataforma da USDA Organic, a certificação foi garantida em dezembro de 2023. Assim como no caso da Rainforest Alliance, o selo foi concedido após o flagrante de trabalho escravo em uma das propriedades da companhia mineira.

A Fazendas Klem afirmou que a autuação administrativa que resultou na sua inclusão no cadastro do MTE ainda está em discussão na Justiça, “motivo pelo qual não há, até o momento, qualquer decisão transitada em julgado que reconheça a prática de condição análoga à de escravo em nossas propriedades”.

A empresa contesta a “suposta caracterização dos fatos narrados” e afirma que o caso envolveu 7 trabalhadores de um grupo formado por cerca de 100 que “exerciam as mesmas atividades, nos mesmos locais, no mesmo período e com as mesmas condições laborais à época”. A empresa afirma ainda que vem colaborando com as autoridades competentes, revisando processos internos e ampliando a fiscalização sobre suas frentes de trabalho.

A certificação USDA Organics foi procurada pela Repórter Brasil, mas não respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações futuras.

•        Certificações precisam ser participativas

Para Fernanda Drummond, assessora de defesa dos direitos socioambientais na organização Conectas, as certificadoras não deveriam diferenciar áreas com e sem selo de boas práticas de um mesmo produtor. “As certificadoras têm que aumentar o controle. A certificação não pode ser concedida se não englobar todas as propriedades”, opina.

Existem dois riscos associados à certificação de apenas parte de um área de um mesmo grupo econômico, explica Drummond. A primeira é a lavagem do produto: quando a colheita de uma área não certificada é misturada à da produção da área certificada. O segundo risco é a divisão intencional, em diferentes pessoas jurídicas, de fazendas com irregularidades trabalhistas daquelas com certificação. “Todo o tipo de burla ou de fraude no sistema é muito bem planejado e delineado”, avalia.

Drummond afirma que a falta de participação de atores da sociedade civil no processo de certificação dificulta o monitoramento de irregularidades em propriedades com selos de boas práticas. “Se não vermos esse monitoramento, essa transparência e esse processo mais participativo, é muito fácil que essa burla continue, porque quem monitora não tem acesso às informações e não pode denunciar”, conclui.

Condições de trabalho

As vítimas resgatadas – quatro homens e três mulheres – haviam começado o trabalho no dia 21 de junho de 2022. O grupo saiu de Caetanos, na Bahia, a 830 km de Manhumirim.

Na propriedade, os resgatados não receberam botas, luvas ou outros equipamentos de segurança para trabalhar, segundo o relatório de fiscalização, ao qual a Repórter Brasil teve acesso.

Como não havia banheiros nos cafezais, os trabalhadores realizavam suas necessidades fisiológicas no mato. O grupo tampouco dispunha de um abrigo para proteção contra sol e chuva ou para realizar as refeições na lavoura.

No alojamento, não havia onde armazenar os alimentos. O vaso sanitário não tinha descarga. “A água era armazenada em uma caixa de amianto, suja e sem nenhum laudo comprovando a sua potabilidade”, diz trecho do relatório.

Todos trabalhavam na informalidade, sem o registro formal do contrato de trabalho.

•        Posicionamentos sobre a Fazendas Klem e a certificação

Manifestação da Fazendas Klem Importação e Exportação de Café e Rainforest Alliance para a reportagem "Empresa de café que entrou na Lista Suja teve certificação renovada após flagrante."

<><> Fazendas Klem Importação e Exportação de Café

A Fazendas Klem Importação e Exportação de Café vem, por meio desta, se manifestar em relação à sua solicitação.

Com o devido respeito, é importante esclarecer que a inclusão da empresa no cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego (a chamada “lista suja”) decorre de um procedimento administrativo que ainda esta em discussão no âmbito do Poder Judiciário, motivo pelo qual não há, até o momento, qualquer decisão transitada em julgado que reconheça a prática de condição análoga à de escravo em nossas propriedades.

O caso em questão envolve sete trabalhadores de um grupo em torno de cem que exerciam as mesmas atividades, nos mesmos locais, no mesmo período e com as mesmas condições laborais à época. A empresa contesta formal e veemente a suposta caracterização dos fatos narrados e ressalta que em nenhuma instância judicial reconheceu, até o momento, qualquer irregularidade de natureza criminal contra quaisquer de seus diversos colaboradores.

Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, a presunção de inocência é um direito fundamental previsto na Constituição Federal. Sendo assim, qualquer conclusão definitiva sobre conduta ilícita exige o esgotamento de todas as instâncias e garantias do devido processo legal, o que até o momento não ocorreu.

A Fazendas Klem reitera que mantém rigoroso compromisso com a legalidade, a dignidade do trabalho e o respeito às normas sociais, ambientais e de saúde e segurança. Desde o episódio noticiado, a empresa vem colaborando com as autoridades competentes, revisando processos internos e ampliando a fiscalização sobre suas frentes de trabalho.

Por fim, reforçamos que nossa postura é de total transparência e respeito à verdade dos fatos, e seguimos à disposição para quaisquer outros esclarecimentos.

<><> Rainforest Alliance

O desrespeito aos direitos trabalhistas nunca foi – e nunca será – tolerado pela Rainforest Alliance. Todos os produtores certificados Rainforest Alliance devem cumprir a lei trabalhista vigente, além de requisitos e regras específicas da Norma de Agricultura Sustentável, de modo a oferecer um ambiente de trabalho salubre para todos os trabalhadores, fixos ou temporários. Os produtores devem, antes de cada auditoria regular, apresentar declarações sobre os processos trabalhistas em andamento, que são utilizadas como indicadores de risco pelos auditores independentes.

Além disso, nosso time realiza frequentes consultas ao Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, conhecido como Lista Suja do Ministério do Trabalho, e também conta com o apoio de partes externas para nos mantermos atualizados sobre denúncias relevantes envolvendo fazendas certificadas. O não cumprimento de direitos trabalhistas e/ou o uso de trabalho análogo à escravidão é uma violação grave das regras de certificação da Rainforest Alliance. Por esta razão, uma vez que o detentor de certificado foi incluído na Lista Suja, o mesmo perde o certificado a partir da data de sua inclusão neste cadastro.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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