quinta-feira, 20 de março de 2025

Risco de recessão nos EUA: qual seria o impacto no Brasil e no mundo?

Nos últimos dias, ganhou força o debate sobre o risco de recessão nos Estados Unidos, com queda no mercado de ações e alguns indicadores mostrando um esfriamento da maior economia do mundo.

A incerteza sobre os rumos da economia americana ocorre em um momento em que o presidente Donald Trump, que tomou posse em janeiro, anunciou novas tarifas comerciais a países como China, Canadá e México.

Trump também tem promovido corte de empregos públicos, em um esforço para diminuir o tamanho do governo e gastos públicos.

A ansiedade aumentou após entrevista recente à Fox News, na qual o presidente não descartou a possibilidade de recessão neste ano e mencionou um "período de transição" no país.

Muitos economistas salientam que, no momento, não há risco concreto de recessão, que costuma ser definida como dois trimestres consecutivos de queda no PIB.

Os Estados Unidos registraram crescimento nos últimos anos, o mercado de trabalho está aquecido e outros dados continuam positivos. Mas o clima de incerteza é prejudicial para a atividade econômica e pode afetar o nível de investimento.

As tarifas impactam o preço dos produtos importados, e os custos podem ser repassados aos consumidores, pressionando a inflação. Uma guerra comercial poderia afetar as cadeias de suprimentos globais.

O peso da economia americana significa que uma recessão nos Estados Unidos teria impacto global, inclusive no Brasil.

"Ainda que não seja nosso cenário base, a recessão nos EUA tem ganhado alguma probabilidade no curto prazo", diz à BBC News Brasil o economista Gustavo Rostelato, da gestora Armor Capital.

"Uma recessão no país limitaria e diminuiria o fluxo de negócios global. Dentro desse ambiente de menor crescimento, os bancos centrais podem trabalhar com a possibilidade de maior flexibilização da política monetária, com mais cortes de juros", afirma Rostelato.

·        Projeções da OCDE

Nesta segunda-feira (17/03), em seu primeiro relatório de perspectivas econômicas após os anúncios de Trump, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) rebaixou o prognóstico de crescimento mundial de 3,3% para 3,1% neste ano e de 3,3% para 3% em 2026.

Para o Brasil, a projeção de crescimento foi reduzida de 2,3% para 2,1% neste ano e de 1,9% para 1,4% no ano que vem. A OCDE menciona o impacto do "aperto da política monetária e das tarifas mais altas sobre as exportações de aço e alumínio para os Estados Unidos".

Os aumentos tarifários deverão ter impacto no PIB do México, com projeção de queda de 1,3% em 2025 e de 0,6% no ano que vem. Antes dos anúncios de Trump, a projeção da OCDE para a economia mexicana era de crescimento de 1,2% neste ano e 1,6% no próximo.

O Canadá, também alvo de tarifas, deve crescer 0,7%, abaixo dos 2% previstos anteriormente.

Para os EUA, a projeção da OCDE caiu de 2,4% para 2,2% neste ano e de 2,1% para 1,6% no ano que vem.

A OCDE também alertou para o risco de aumento na inflação global. No caso do Brasil, a projeção é de taxa de 5,4% em 2025 e 5,3% em 2026.

·        Exportações e mercado financeiro

Em caso de uma eventual recessão nos Estados Unidos, o Brasil poderia ser afetado de diferentes maneiras. Um dos impactos possíveis seria nas exportações, caso o mercado americano passe a comprar menos.

Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações totais brasileiras, atrás apenas da China, e o principal destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados.

No ano passado, segundo o Monitor do Comércio Brasil-EUA, publicado pela Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), as exportações brasileiras para o mercado americano totalizaram US$ 40,3 bilhões, um recorde.

As importações de produtos norte-americanos para o Brasil no mesmo período totalizaram US$ 40,6 bilhões, resultando em pequeno superávit comercial para os Estados Unidos.

No caso do mercado financeiro, a queda nos principais índices de ações dos Estados Unidos, registrada recentemente, também foi sentida no Brasil, com queda no Ibovespa e alta no dólar. Estima-se que, caso uma eventual recessão fosse confirmada, contaminaria as bolsas ao redor do mundo.

"A atividade econômica brasileira também deve ser afetada negativamente (em caso de recessão nos Estados Unidos), uma vez que o país tem uma participação na corrente de comércio global, principalmente via exportação de commodities, que devem mostrar uma queda de preços nesse cenário", observa Rostelato.

"Um cenário de desaceleração da atividade, juntamente a uma depreciação cambial, poderia limitar os potenciais cortes de juros neste ano", afirma Rostelato.

O economista Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, cita a alta no preço do ovo como um exemplo prático de como o que acontece na economia americana pode impactar os brasileiros.

"O brasileiro está sentindo o efeito da economia americana nesse começo de ano com a questão do preço do ovo", diz Cruz à BBC News Brasil.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta quarta-feira (12/3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o preço do ovo no Brasil teve alta de 15% em fevereiro.

Esse aumento, motivado por vários fatores, inclusive o calor intenso, ocorre em um momento em que as exportações vêm crescendo, principalmente para os Estados Unidos, onde a produção foi afetada por causa da gripe aviária.

"Como as galinhas de lá foram impactadas, e eles são o país mais rico, estão dispostos a pagar mais (pelo produto brasileiro), porque em dólar é mais barato para eles, e (isso) puxa (o preço no Brasil) para cima", afirma Cruz. "É um exemplo de como nós importamos inflação dos outros países."

Cruz observa que, nesse cenário de alta demanda dos Estados Unidos, produtores brasileiros poderiam pensar em expandir ou contratar mais funcionários.

Entretanto, caso a economia americana entrasse em recessão, o pensamento seria o inverso, de adiar investimentos, já que um dos principais países compradores não iria mais fazer grandes pedidos.

Esse é um exemplo de como, mesmo que indiretamente, uma recessão nos Estados Unidos poderia ser sentida no Brasil.

·        Empresas brasileiras

Cruz ressalta ainda que muitas empresas brasileiras estão presentes nos Estados Unidos e poderiam ser afetadas em caso de recessão.

"Embraer tem unidade (nos Estados Unidos), Gerdau. Temos empresas do varejo brasileiro que vendem nos Estados Unidos, seja vestuário, seja alimentício", enumera Cruz. "Todas elas podem sentir. Esses resultados podem travar alguma expansão aqui no Brasil também."

A economia brasileira poderia ainda ser impactada de outras formas, em meio aos efeitos globais de uma eventual recessão americana. Caso a economia da China — que é o principal parceiro comercial brasileiro um dos alvos das novas tarifas de Trump — sofra, isso poderia ser sentido no Brasil.

"A tendência é a de que este seja um ano forte para o agro", diz Cruz. "Mas, se os dois maiores mercados do mundo, China e Estados Unidos, crescerem menos, os preços internacionais desses produtos valem menos. E aí a gente acaba crescendo menos também."

O risco de uma recessão nos Estados Unidos já foi levantado outras vezes em anos recentes, mas os temores anteriores não se materializaram. A última vez que a economia americana entrou em recessão foi em 2020, em meio à pandemia de covid-19.

Na ocasião, o governo reagiu com uma série de medidas de alívio, e o país se recuperou em poucos meses, fazendo com que aquela seja considerada a recessão mais curta enfrentada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.

Cruz, no entanto, observa diferenças entre as discussões passadas e o momento atual.

"Nos últimos anos, sempre que havia discussão sobre recessão, a impressão era de que 'a inflação está muito alta, a população vai consumir menos e isso vai provocar uma recessão'", afirma.

"Agora, é 'as medidas vão impactar os empresários, os empresários vão ter que fazer demissões, os custos vão ficar muito altos e isso vai provocar uma recessão'. Então, acho que o ângulo mudou."

¨      Estaria os EUA a caminho de uma recessão?

Durante sua campanha eleitoral no ano passado, Donald Trump prometeu aos americanos que conduziria seu país para uma nova era de prosperidade.

Dois meses depois da posse, no entanto, ele pinta um quadro levemente diferente.

Trump afirmou que será difícil reduzir os preços e que o público deve se preparar para "pequenas perturbações" até que ele possa trazer de volta a riqueza para os Estados Unidos.

Paralelamente, os últimos números indicam que a inflação está caindo, mas os analistas afirmam que as possibilidades de recessão estão aumentando, devido a políticas do presidente.

Afinal, Trump estaria a ponto de deflagrar a recessão da maior economia do mundo?

<><> Queda dos mercados e aumento dos riscos de recessão

Nos Estados Unidos, a recessão é definida como um declínio prolongado e generalizado da atividade econômica. Ela é tipicamente caracterizada por um salto do desemprego e queda da renda.

Diversos analistas econômicos vêm alertando nos últimos dias que os riscos deste cenário estão aumentando.

Um relatório do banco americano JP Morgan calculou a possibilidade de recessão no país em 40%, acima dos 30% estimados no início deste ano. Ele alerta que a política dos Estados Unidos está "se afastando do crescimento".

Já o economista-chefe da Moody's Analytics, Mark Zandi, elevou esta possibilidade de 15% para 35%, mencionando as tarifas de importação (Trump impôs tarifa de 25% sobre importação de alumínio e aço).

Estas previsões vieram ao mesmo tempo em que o índice S&P 500, que acompanha 500 das maiores empresas dos Estados Unidos, despencou abruptamente. Agora, ele caiu para o seu menor nível desde setembro do ano passado, em um sinal de receio sobre o futuro.

O presidente impôs novas tarifas sobre produtos dos três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos e lançou ameaças ainda mais amplas.

Os analistas acreditam que estas medidas irão aumentar os preços e restringir o crescimento da economia do país.

Por enquanto, no entanto, os números mais recentes da inflação oficial americana demonstram que os aumentos de preços perderam velocidade em fevereiro.

Os preços subiram 2,8% nos últimos 12 meses até fevereiro, segundo o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Este índice é menor que os 3% registrados em janeiro.

Ainda assim, Trump e seus consultores econômicos vêm alertando o público para se preparar para alguma dificuldade econômica, embora aparentemente rejeitem as preocupações do mercado.

Esta é uma notável mudança em relação ao seu primeiro mandato (2017-2021), quando o presidente mencionava frequentemente o mercado de ações como medida do seu próprio sucesso.

"Sempre haverá mudanças e ajustes", declarou ele na semana passada, em resposta aos apelos das empresas por maior segurança. Esta postura aumentou o receio dos investidores sobre seus planos.

O banco de investimentos Goldman Sachs elevou na semana passada sua estimativa da possibilidade de recessão, de 15% para 20%. A empresa declarou que considera as mudanças de políticas como o "principal risco" para a economia, mas ressaltou que a Casa Branca ainda tem "a opção de recuar, se os riscos de recessão começarem a parecer mais sérios".

"Se a Casa Branca permanecer comprometida com suas políticas, mesmo frente a dados muito piores, o risco de recessão irá aumentar ainda mais", alertam os analistas da empresa.

<><> Tarifas, incertezas e crescimento lento

Para muitas companhias, a principal interrogação são as tarifas de importação, que aumentam os custos para as empresas americanas.

À medida que Trump apresenta seus planos de tarifas, muitas empresas, agora, enfrentam margens de lucro menores. Elas estão postergando investimentos e contratações, enquanto tentam imaginar como será o futuro.

Os investidores também se preocupam com os grandes cortes de mão de obra do governo e dos gastos governamentais.

O chefe de estratégia política de Washington do banco de investimentos Stifel, Brian Gardner, afirma que as empresas e os investidores haviam imaginado que as tarifas de importação pretendidas por Trump seriam uma ferramenta de negociação.

"Mas o que o presidente e seu gabinete estão sinalizando, na verdade, é algo muito maior", explica ele. "É uma reestruturação da economia americana. E isso é o que está conduzindo os mercados nas últimas duas semanas."

A economia dos Estados Unidos já enfrentava uma retração. Ela foi causada, em parte, segundo analistas, pelo Banco Central americano, que manteve as taxas de juros mais altas para tentar refrear a atividade econômica e estabilizar os preços.

Mas, nas últimas semanas, surgiram dados que indicam um enfraquecimento mais rápido.

As vendas no varejo caíram em fevereiro, bem como a confiança – que havia disparado após a eleição de Trump, em diversas pesquisas entre empresas e consumidores. E as empresas alertam sobre um recuo das atividades, incluindo as principais linhas aéreas, os fabricantes e varejistas, como o Walmart e a Target.

Alguns analistas receiam que a queda do mercado de ações poderá gerar uma repressão ainda maior dos gastos, especialmente entre as residências de renda mais alta.

Esta redução poderá trazer um golpe importante para a economia americana, que é dirigida pelos gastos dos consumidores. Ela passou a ser cada vez mais dependente dos domicílios mais ricos, já que as famílias de baixa renda enfrentam a pressão da inflação.

O presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Jerome Powell, ofereceu garantias em um discurso na semana passada. Ele destacou que o sentimento não foi um bom indicador de comportamento nos últimos anos.

"Apesar dos altos níveis de incerteza, a economia dos Estados Unidos continua em boa posição", segundo ele.

Mas a economia americana, atualmente, está profundamente ligada ao resto do mundo, como alerta a diretora de pesquisas da corretora global XTB, Kathleen Brooks.

Para ela, "o fato de que as tarifas podem causar prejuízos, ao mesmo tempo em que há sinais de que a economia americana está se enfraquecendo de qualquer forma... realmente alimenta o temor de recessão".

<><> Bolsa de valores à espera de ajustes

A incerteza do mercado de ações não é atribuída apenas a Donald Trump.

Os investidores já estavam inquietos com a possibilidade de correções, após os altos ganhos dos últimos dois anos. Eles foram causados pela forte corrida pelas ações de tecnologia, alimentada pelo otimismo dos investidores com a inteligência artificial (IA).

O fabricante de chips Nvidia, por exemplo, viu o preço de suas ações saltar de menos de US$ 15 (cerca de R$ 87), no início de 2023, para cerca de US$ 150 (cerca de R$ 870) em novembro do ano passado.

Este tipo de aumento gerou discussões sobre uma "bolha da IA", com os investidores em total alerta em busca de sinais do seu rompimento – o que causaria grandes impactos sobre o mercado de ações, independentemente da dinâmica da economia como um todo.

Agora, com as opiniões mais sombrias sobre a economia americana, está cada vez mais difícil manter o otimismo sobre a IA.

O analista de tecnologia Gene Munster, da empresa Deepwater Asset Management, escreveu recentemente nas redes sociais que seu otimismo "deu um passo atrás", pois as possibilidades de recessão aumentaram "sensivelmente" no último mês.

"O resultado é que, se entrarmos em recessão, será extremamente difícil dar continuidade à comercialização da IA", alertou ele.


Fonte: BBC News Brasil

 

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