Risco de recessão nos EUA: qual seria o
impacto no Brasil e no mundo?
Nos
últimos dias, ganhou força o debate sobre o risco de recessão nos Estados Unidos, com queda no
mercado de ações e alguns indicadores mostrando um esfriamento da maior economia do mundo.
A
incerteza sobre os rumos da economia americana ocorre em um momento em
que o presidente Donald Trump, que tomou posse em
janeiro, anunciou novas tarifas comerciais a
países como China, Canadá e México.
Trump
também tem promovido corte de empregos públicos, em um esforço para
diminuir o tamanho do governo e gastos públicos.
A
ansiedade aumentou após entrevista recente à Fox News, na qual o presidente não
descartou a possibilidade de recessão neste ano e mencionou um "período de
transição" no país.
Muitos
economistas salientam que, no momento, não há risco concreto de recessão, que
costuma ser definida como dois trimestres consecutivos de queda no PIB.
Os
Estados Unidos registraram crescimento nos últimos anos, o mercado de trabalho
está aquecido e outros dados continuam positivos. Mas o clima de incerteza é
prejudicial para a atividade econômica e pode afetar o nível de investimento.
As
tarifas impactam o preço dos produtos importados, e os custos podem ser
repassados aos consumidores, pressionando a inflação. Uma guerra comercial poderia afetar as
cadeias de suprimentos globais.
O peso
da economia americana significa que uma recessão nos Estados Unidos teria
impacto global, inclusive no Brasil.
"Ainda
que não seja nosso cenário base, a recessão nos EUA tem ganhado alguma
probabilidade no curto prazo", diz à BBC News Brasil o economista Gustavo
Rostelato, da gestora Armor Capital.
"Uma
recessão no país limitaria e diminuiria o fluxo de negócios global. Dentro
desse ambiente de menor crescimento, os bancos centrais podem trabalhar com a
possibilidade de maior flexibilização da política monetária, com mais cortes de
juros", afirma Rostelato.
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Projeções da OCDE
Nesta
segunda-feira (17/03), em seu primeiro relatório de perspectivas econômicas
após os anúncios de Trump, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) rebaixou o prognóstico de crescimento mundial de 3,3% para
3,1% neste ano e de 3,3% para 3% em 2026.
Para o
Brasil, a projeção de crescimento foi reduzida de 2,3% para 2,1% neste ano e de
1,9% para 1,4% no ano que vem. A OCDE menciona o impacto do "aperto da
política monetária e das tarifas mais altas sobre as exportações de aço e
alumínio para os Estados Unidos".
Os
aumentos tarifários deverão ter impacto no PIB do México, com projeção de queda
de 1,3% em 2025 e de 0,6% no ano que vem. Antes dos anúncios de Trump, a
projeção da OCDE para a economia mexicana era de crescimento de 1,2% neste ano
e 1,6% no próximo.
O
Canadá, também alvo de tarifas, deve crescer 0,7%, abaixo dos 2% previstos
anteriormente.
Para os
EUA, a projeção da OCDE caiu de 2,4% para 2,2% neste ano e de 2,1% para 1,6% no
ano que vem.
A OCDE
também alertou para o risco de aumento na inflação global. No caso do Brasil, a
projeção é de taxa de 5,4% em 2025 e 5,3% em 2026.
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Exportações e mercado financeiro
Em caso
de uma eventual recessão nos Estados Unidos, o Brasil poderia ser afetado de
diferentes maneiras. Um dos impactos possíveis seria nas exportações, caso o
mercado americano passe a comprar menos.
Os
Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações totais
brasileiras, atrás apenas da China, e o principal destino das exportações
brasileiras de produtos manufaturados.
No ano
passado, segundo o Monitor do Comércio Brasil-EUA, publicado pela Amcham Brasil
(Câmara Americana de Comércio para o Brasil), as exportações brasileiras para o
mercado americano totalizaram US$ 40,3 bilhões, um recorde.
As
importações de produtos norte-americanos para o Brasil no mesmo período
totalizaram US$ 40,6 bilhões, resultando em pequeno superávit comercial para os
Estados Unidos.
No caso
do mercado financeiro, a queda nos principais índices de ações dos Estados
Unidos, registrada recentemente, também foi sentida no Brasil, com queda no
Ibovespa e alta no dólar. Estima-se que, caso uma eventual recessão fosse
confirmada, contaminaria as bolsas ao redor do mundo.
"A
atividade econômica brasileira também deve ser afetada negativamente (em caso
de recessão nos Estados Unidos), uma vez que o país tem uma participação na corrente
de comércio global, principalmente via exportação de commodities, que devem
mostrar uma queda de preços nesse cenário", observa Rostelato.
"Um
cenário de desaceleração da atividade, juntamente a uma depreciação cambial,
poderia limitar os potenciais cortes de juros neste ano", afirma
Rostelato.
O
economista Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, cita a alta no
preço do ovo como um exemplo prático de como o que acontece na economia
americana pode impactar os brasileiros.
"O
brasileiro está sentindo o efeito da economia americana nesse começo de ano com
a questão do preço do ovo", diz Cruz à BBC News Brasil.
O
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta
quarta-feira (12/3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), aponta que o preço do ovo no Brasil teve alta de 15% em fevereiro.
Esse
aumento, motivado por vários fatores, inclusive o calor intenso, ocorre em um
momento em que as exportações vêm crescendo, principalmente para os Estados
Unidos, onde a produção foi afetada por causa da gripe aviária.
"Como
as galinhas de lá foram impactadas, e eles são o país mais rico, estão
dispostos a pagar mais (pelo produto brasileiro), porque em dólar é mais barato
para eles, e (isso) puxa (o preço no Brasil) para cima", afirma Cruz.
"É um exemplo de como nós importamos inflação dos outros países."
Cruz
observa que, nesse cenário de alta demanda dos Estados Unidos, produtores
brasileiros poderiam pensar em expandir ou contratar mais funcionários.
Entretanto,
caso a economia americana entrasse em recessão, o pensamento seria o inverso,
de adiar investimentos, já que um dos principais países compradores não iria
mais fazer grandes pedidos.
Esse é
um exemplo de como, mesmo que indiretamente, uma recessão nos Estados Unidos
poderia ser sentida no Brasil.
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Empresas brasileiras
Cruz
ressalta ainda que muitas empresas brasileiras estão presentes nos Estados
Unidos e poderiam ser afetadas em caso de recessão.
"Embraer
tem unidade (nos Estados Unidos), Gerdau. Temos empresas do varejo brasileiro
que vendem nos Estados Unidos, seja vestuário, seja alimentício", enumera
Cruz. "Todas elas podem sentir. Esses resultados podem travar alguma
expansão aqui no Brasil também."
A
economia brasileira poderia ainda ser impactada de outras formas, em meio aos
efeitos globais de uma eventual recessão americana. Caso a economia da China —
que é o principal parceiro comercial brasileiro um dos alvos das novas tarifas
de Trump — sofra, isso poderia ser sentido no Brasil.
"A
tendência é a de que este seja um ano forte para o agro", diz Cruz.
"Mas, se os dois maiores mercados do mundo, China e Estados Unidos,
crescerem menos, os preços internacionais desses produtos valem menos. E aí a
gente acaba crescendo menos também."
O risco
de uma recessão nos Estados Unidos já foi levantado outras vezes em anos
recentes, mas os temores anteriores não se materializaram. A última vez que a
economia americana entrou em recessão foi em 2020, em meio à pandemia de
covid-19.
Na
ocasião, o governo reagiu com uma série de medidas de alívio, e o país se
recuperou em poucos meses, fazendo com que aquela seja considerada a recessão
mais curta enfrentada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.
Cruz,
no entanto, observa diferenças entre as discussões passadas e o momento atual.
"Nos
últimos anos, sempre que havia discussão sobre recessão, a impressão era de que
'a inflação está muito alta, a população vai consumir menos e isso vai provocar
uma recessão'", afirma.
"Agora,
é 'as medidas vão impactar os empresários, os empresários vão ter que fazer
demissões, os custos vão ficar muito altos e isso vai provocar uma recessão'.
Então, acho que o ângulo mudou."
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Estaria os EUA a caminho
de uma recessão?
Durante
sua campanha eleitoral no ano passado, Donald Trump prometeu aos
americanos que conduziria seu país para uma nova era de prosperidade.
Dois
meses depois da posse, no entanto, ele pinta um quadro levemente diferente.
Trump afirmou
que será difícil reduzir os preços e que o público
deve se preparar para "pequenas perturbações" até que ele possa
trazer de volta a riqueza para os Estados Unidos.
Paralelamente,
os últimos números indicam que a inflação está caindo, mas os analistas afirmam
que as possibilidades de recessão estão aumentando, devido a políticas do
presidente.
Afinal,
Trump estaria a ponto de deflagrar a recessão da maior economia do mundo?
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Queda dos mercados e aumento dos riscos de recessão
Nos
Estados Unidos, a recessão é definida como um declínio prolongado e
generalizado da atividade econômica. Ela é tipicamente caracterizada por um
salto do desemprego e queda da renda.
Diversos
analistas econômicos vêm alertando nos últimos dias que os riscos deste cenário
estão aumentando.
Um
relatório do banco americano JP Morgan calculou a possibilidade de recessão no
país em 40%, acima dos 30% estimados no início deste ano. Ele alerta que a
política dos Estados Unidos está "se afastando do crescimento".
Já o
economista-chefe da Moody's Analytics, Mark Zandi, elevou esta possibilidade de
15% para 35%, mencionando as tarifas de importação (Trump impôs tarifa de 25% sobre
importação de alumínio e aço).
Estas
previsões vieram ao mesmo tempo em que o índice S&P 500, que acompanha 500
das maiores empresas dos Estados Unidos, despencou abruptamente. Agora, ele
caiu para o seu menor nível desde setembro do ano passado, em um sinal de
receio sobre o futuro.
O
presidente impôs novas tarifas sobre produtos dos três maiores parceiros
comerciais dos Estados Unidos e lançou ameaças ainda mais amplas.
Os
analistas acreditam que estas medidas irão aumentar os preços e restringir o
crescimento da economia do país.
Por
enquanto, no entanto, os números mais recentes da inflação oficial americana
demonstram que os aumentos de preços perderam velocidade em fevereiro.
Os
preços subiram 2,8% nos últimos 12 meses até fevereiro, segundo o Departamento
do Trabalho dos Estados Unidos. Este índice é menor que os 3% registrados em
janeiro.
Ainda
assim, Trump e seus consultores econômicos vêm alertando o público para se
preparar para alguma dificuldade econômica, embora aparentemente rejeitem as
preocupações do mercado.
Esta é
uma notável mudança em relação ao seu primeiro mandato (2017-2021), quando o
presidente mencionava frequentemente o mercado de ações como medida do seu
próprio sucesso.
"Sempre
haverá mudanças e ajustes", declarou ele na semana passada, em resposta
aos apelos das empresas por maior segurança. Esta postura aumentou o receio dos
investidores sobre seus planos.
O banco
de investimentos Goldman Sachs elevou na semana passada sua estimativa da
possibilidade de recessão, de 15% para 20%. A empresa declarou que considera as
mudanças de políticas como o "principal risco" para a economia, mas
ressaltou que a Casa Branca ainda tem "a opção de recuar, se os riscos de
recessão começarem a parecer mais sérios".
"Se
a Casa Branca permanecer comprometida com suas políticas, mesmo frente a dados
muito piores, o risco de recessão irá aumentar ainda mais", alertam os
analistas da empresa.
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Tarifas, incertezas e crescimento lento
Para
muitas companhias, a principal interrogação são as tarifas de importação, que
aumentam os custos para as empresas americanas.
À
medida que Trump apresenta seus planos de tarifas, muitas empresas, agora,
enfrentam margens de lucro menores. Elas estão postergando investimentos e
contratações, enquanto tentam imaginar como será o futuro.
Os
investidores também se preocupam com os grandes cortes de mão de obra do
governo e dos gastos governamentais.
O chefe
de estratégia política de Washington do banco de investimentos Stifel, Brian
Gardner, afirma que as empresas e os investidores haviam imaginado que as
tarifas de importação pretendidas por Trump seriam uma ferramenta de
negociação.
"Mas
o que o presidente e seu gabinete estão sinalizando, na verdade, é algo muito
maior", explica ele. "É uma reestruturação da economia americana. E
isso é o que está conduzindo os mercados nas últimas duas semanas."
A
economia dos Estados Unidos já enfrentava uma retração. Ela foi causada, em parte,
segundo analistas, pelo Banco Central americano, que manteve as taxas de juros
mais altas para tentar refrear a atividade econômica e estabilizar os preços.
Mas,
nas últimas semanas, surgiram dados que indicam um enfraquecimento mais rápido.
As vendas
no varejo caíram em fevereiro, bem como a confiança – que havia disparado após
a eleição de Trump, em diversas pesquisas entre empresas e consumidores. E as
empresas alertam sobre um recuo das atividades, incluindo as principais linhas
aéreas, os fabricantes e varejistas, como o Walmart e a Target.
Alguns
analistas receiam que a queda do mercado de ações poderá gerar uma repressão
ainda maior dos gastos, especialmente entre as residências de renda mais alta.
Esta
redução poderá trazer um golpe importante para a economia americana, que é
dirigida pelos gastos dos consumidores. Ela passou a ser cada vez mais
dependente dos domicílios mais ricos, já que as famílias de baixa renda
enfrentam a pressão da inflação.
O
presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Jerome Powell,
ofereceu garantias em um discurso na semana passada. Ele destacou que o
sentimento não foi um bom indicador de comportamento nos últimos anos.
"Apesar
dos altos níveis de incerteza, a economia dos Estados Unidos continua em boa
posição", segundo ele.
Mas a
economia americana, atualmente, está profundamente ligada ao resto do mundo,
como alerta a diretora de pesquisas da corretora global XTB, Kathleen Brooks.
Para
ela, "o fato de que as tarifas podem causar prejuízos, ao mesmo tempo em
que há sinais de que a economia americana está se enfraquecendo de qualquer
forma... realmente alimenta o temor de recessão".
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Bolsa de valores à espera de ajustes
A
incerteza do mercado de ações não é atribuída apenas a Donald Trump.
Os investidores
já estavam inquietos com a possibilidade de correções, após os altos ganhos dos
últimos dois anos. Eles foram causados pela forte corrida pelas ações de
tecnologia, alimentada pelo otimismo dos investidores com a inteligência
artificial (IA).
O fabricante
de chips Nvidia, por exemplo, viu o preço de suas ações saltar de menos de US$
15 (cerca de R$ 87), no início de 2023, para cerca de US$ 150 (cerca de R$ 870)
em novembro do ano passado.
Este
tipo de aumento gerou discussões sobre uma "bolha da IA", com os
investidores em total alerta em busca de sinais do seu rompimento – o que
causaria grandes impactos sobre o mercado de ações, independentemente da
dinâmica da economia como um todo.
Agora,
com as opiniões mais sombrias sobre a economia americana, está cada vez mais
difícil manter o otimismo sobre a IA.
O
analista de tecnologia Gene Munster, da empresa Deepwater Asset Management,
escreveu recentemente nas redes sociais que seu otimismo "deu um passo
atrás", pois as possibilidades de recessão aumentaram
"sensivelmente" no último mês.
"O
resultado é que, se entrarmos em recessão, será extremamente difícil dar
continuidade à comercialização da IA", alertou ele.
Fonte: BBC News Brasil

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