Giovanni Mesquita: A arte do possível
“A política é a arte do possível!”. Essa
frase é atribuída a Otto von Bismarck, e eu, pretensiosamente, completaria: e
na política tudo é possível! A frase, assim construída, exala um cheirinho de
paradoxo. O mistério desse pensamento, que setores díspares das paixões
analíticas têm dificuldade de compreender, está circunscrito ao tempo.
Mas, qual ‘tempo’? A ideia de tempo pode ser
bem vaga. Como os gregos já sabiam, o tempo de Kairós e o
tempo de Cronos. No relógio, ele tem um significado; na física,
outro. A relatividade do tempo foi estudada e descrita por dois gênios de alta
monta. O primeiro disse: o tempo é relativo. Com isso, Albert Einstein criou a
tese; por sua vez, nosso segundo gênio, Adoniran Barbosa, traduziu para o
popular: ‘Num relógio / É quatro e vinte / No outro é quatro e meia / É que de
um relógio pra outro / As horas vareia’. No nosso caso, podemos usar o tempo
de Kairós (o tempo oportuno) ou o termo conjuntura. Segundo um
dicionário, o primeiro que encontrei, conjuntura é: combinação ou concorrência
de acontecimentos ou eventos num dado momento; circunstância, situação.
No princípio dos anos 1940, nossa pauta
exportadora era café, cacau e tabaco. Dessa forma, o Brasil, ‘o país do
futuro’, de Stefan Zweig, poderia ser chamado de: Brasil ‘o país da sobremesa”.
E dessa conjuntura, Segunda Guerra, nasceu a Usina de Volta Redonda e com ela a
nossa, sempre incipiente, industrialização. Sem esse tempo de oportunidade,
Getúlio Vargas poderia arrancar uma usina metalúrgica dos EUA?
E mais coetaneamente, quem de nós poderia
pensar, nos nossos pesadelos mais suados, que um bandido que até pouco tempo
era alvo de chacota geral da nação – um ogro, monossilábico dos porões do baixo
clero parlamentar – se elegesse presidente? Fica mais claro, então, que o
possível e o ‘tudo é possível’ estão subordinados a essa combinação de tempo e
circunstâncias envoltos pela dialética da vida em sociedade.
Vemos o atual governo ser atacado,
literalmente, por todos os lados. E isso tudo deixa o governo Lula numa
balouçante corda bamba. A esquerda, no seu amplo espectro, e os progressista,
seja lá o que significa isso, suspiram de inveja, ao olhar para a Venezuela,
México, Rússia e, destacadamente, China, e chilreiam com ansiedade, por que não
ser assim?…
Nesse momento é sempre bom olhar com a visão
cuidadosa que atravesse a superficial lâmina d’água, que passe do desejo, do
engano do fetiche. Um levantamento do suporte político parlamentar e jurídico
desses países pode nos ajudar a compreender a nossa realidade.
Na Venezuela, Nicolás Maduro e seu Movimento
dominam 256 das 277 cadeiras do parlamento. Esse número elevado é devido o
boicote às eleições promovidas pelos outros partidos em 2024. Tendo o poder
judiciário, como diremos, simpático ao seu governo, Nicolás Maduro enfrentou o
ataque intermitente do imperialismo, o que gerou anos de uma crise econômica
desastrosa. Atualmente a taxa de crescimento declarada para Venezuela no ano
passado foi de 5%. Nicolás Maduro discorda, diz que a economia teve um índice
de 9% de crescimento.
Já na América do Norte Latina, tem o caso do
México. Com a eleição da Claudia Sheinbaum, que tem, talvez, a posição mais
radicalizada de um dirigente mexicano desde Villa e Zapata. Lopez Obrador,
assim como Lula, elegeu a sua escolhida Claudia Sheinbaum, do MORENA, Movimento
Regeneração Nacional. Ela, em 2024, se elegeu com 59,7% dos votos, mais que
Lopez Obrador na sua primeira vez. Com sua postura soberana, ante a sandice e
arrogância do atual governo estadunidense, ela já alcança 85% de popularidade.
Claudia Sheinbaum comanda a coalizão partidária Sigamos Haciendo
Historia, que elegeu 334, de 500 deputados, e 76, de 128 senadores.
Dando um salto geográfico e político chegamos
ao caso da Rússia. Vladimir Putin, ao contrário dos outros, é um dirigente de
direita. Para quem tem dúvidas sobre o caráter do regime de Vladimir Putin,
vejamos como o classifica seus opositores: “o regime anticomunista e
antidemocrático raivoso de [Vladimir] Putin”[i] e até mesmo de fascista. Essa caracterização é do
Partido Comunista da Federação Russa (PCFR). Como sabemos a democracia é
relativa. Mesmo metido numa guerra há mais de três anos, peitando os EUA e a
União Europeia, ele conseguiu manter a economia do país em ordem, em 2024, seu
PIB cresceu 4.1%, um dos maiores entre as nações.
Vladimir Putin, na sua última eleição, em
2024, como candidato do partido Rússia Unida, teve 88,48 dos votos. Na câmara
dos deputados elegeu, na sua base de apoio, 401, contra 43 da oposição. No
senado das 178 cadeiras, Putin domina pelo menos 136. A oposição, praticamente,
se resume ao PCFR. Então tanto no legislativo, quanto na economia e no apoio
popular, Vladimir Putin está com tudo e não está prosa.
E, finalmente, a China a potência que está no
umbral da história para ser a principal economia do mundo. O império Chinês
passou séculos sendo a principal economia do mundo. Depois de um século de
ataque imperialista, a China renasceu. O instrumento desse ressurgimento foi o
Partido Comunista Chinês e a sua revolução. Paciente, e planejadamente ela se
recompôs. Na piscada de olho do imperialismo ela voltou a ser uma grande
potência.
No poder desde 2013, Xi Jinping, foi
reconduzido em 2023. O atual congresso chinês tem 2980 deputados, dos quais
2095 são do Partido Comunista Chinês. O sistema judiciário chinês está
diretamente ligado a uma constituição saída da Revolução. Assim sendo, ela foi
formatada para sustentar, como em qualquer lugar, o sistema político e
econômico do país. E, como estamos vendo, nenhuma governança se compara a uma
que tem projeto estratégico levado por um estado forte. Mas, não se enganem, o
que mantêm o Partido Comunista Chinês a tanto tempo no poder são as conquistas
sociais. Como diria um chinês “Tendo comida, emprego e moradia, o que me
importa quem é o Imperador? ”
E qual é o cenário das coisas possíveis no
Brasil?
Entretanto, a direita não é o objeto desse
texto, e sim a esquerda: esquerda web, esquerda “revolucionária”, esquerda
identitária, os progressistas, os Kakays da vida etc. É comum ouvir, “o governo
tinha que taxar os mais ricos, retirar subsídios aos latifundiários, não dar
nenhum ministério a direita, se impor contra o mercado financeiro e a sua
especulação, retirar as contas para as grandes empresas de “comunicação”, fazer
a reforma agrária, etc.”. Mas, com que roupa?
Na eleição, mais dura que o país já viu, Lula
e os trabalhadores pobres nos livraram, pelo menos provisoriamente, das mãos do
fascismo. Em uma sequência fantástica de Missão Impossível, desligou a bomba no
último segundo. Venceu, mas perdeu, pois elegeu uma ninharia de parlamentares
para sua base. Hoje ele conta com 140 deputados aliados, entre PT, PCdoB, PSoL,
PSB, em 513.
E a força da grana, roubada, que destrói
coisas belas elegeu a imensa maioria do congresso. Para chegar a vitória, Lula
teve que estender suas linhas tudo o que pôde. Fez pactos com os representantes
dos nove círculos do inferno da elite brasileira, só não compôs com o diabo,
pois esse já estava comprometido com a outra candidatura.
Temos um governo que peleia só com o cabo do
facão. Mesmo assim, retirou 24.4 milhões da linha da fome, alcançou o menor
índice de desemprego da história, 6,6%, e retomou os programas sociais como
Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Farmácia Popular. É anunciado, toda a
semana, pesados investimentos e infraestrutura, saúde, educação e tecnologia.
Isso agora é o possível, já fazer a Reforma Agrária e taxar as grandes
fortunas. Isso agora está no campo do impossível….
Às vezes, parece que possibilitar a
alimentação para milhões de trabalhadores que, até então, estavam na fila do
osso, é um dado desprezível. Acredito que só pode ser desprezível para quem
nunca passou fome. Que a oferta de emprego é um detalhe. Um trabalhador pobre
sabe o que significa ficar sem emprego. E, principalmente, que a contenção do
fascismo não seja, acima de tudo, a principal luta nessa conjuntura para
qualquer brasileiro, e que nessa luta o governo é nosso aliado e Lula nossa
liderança, até agora, insubstituível.
Vê-se muito dizer que o que se quer com as
críticas ao governo é que ele avance. E isso é correto e necessário. Mas o que
vemos é a forte influência que exerce no nosso campo das críticas advindas da
direita, do mercado, das Globonews, de impenetráveis ONGs… A coisa é tanta que
grandes e fundamentais canais progressistas às vezes se comportam como Globonews do
B, como vimos no caso Gleisi. A solução para que a política do possível se
torne degraus para a utopia é o povo nas ruas. O elemento fundamental para isso
são os movimentos sociais, que podem ser alentados pelo governo, mas não devem
ser dependente dele.
Fonte: A Terra é Redonda

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