Produtores de café estão lucrando até 150% a
mais com alta do grão
O preço
do café continua alto por causa da queda de produção gerada pelos
problemas climáticos.
A maioria dos produtores sofreu perdas, mas alguns mais sortudos que
conseguiram ter uma boa safra estão lucrando com o seu encarecimento.
Na
venda realizada pelo produtor, o café arábica, o mais plantado do país, encareceu
150% em 1 ano, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (Cepea).
Os
cafeicultores Manasses Sampaio Dias, de Divinolândia (SP), e Thiago Carvalho,
de Lavras (MG) estão entre os produtores que conseguiram aproveitar esse preço.
O lucro
de Manassés com as vendas aumentou em 30% este ano, enquanto o de Thiago
alcançou até 150%.
Com
mais dinheiro no bolso, os produtores estão de olho no futuro e investindo na
lavoura, principalmente em métodos para se proteger de novas secas.
Thiago
planeja expandir sua área irrigada para 100% de seus 360 hectares. Já Manasses
instalou barraginhas ao
longo de sua lavoura de 12 hectares. A estrutura é uma bacia escavada no solo
para armazenar água da chuva.
“Por
enquanto não está dando para trocar de carro, essas coisas. Ainda não estou
pensando nisso”, disse Manasses.
- Pagamento de
dívidas e investimento
Manasses,
de 49 anos, trabalha com a agricultura familiar no plantio do café arábica e
comercializa parte da sua produção para exportação, outra para a torrefação do
pó tradicional e para uma marca própria de café especial.
Na
última safra, ele conseguiu 320 sacas do fruto, equivalente a mais de 19 mil
kg.
Mas
isso não significa que tudo foi vendido no valor atual do café, de cerca de R$
2.500 a saca. Isso porque a venda é feita no mercado de futuros, o que
significa que ela é realizada de forma antecipada, com o preço daquele momento.
O
produtor já conseguiu ampliar o seu sistema de barraginhas, com um gasto
de R$ 10 mil.
Ele
também aumentou a secagem do grão por meio
de terreiro suspenso. Se trata de uma estrutura que permite a passagem de ar
e luz solar, e evita o contato do fruto com o chão. Sua implementação custa
cerca de R$ 15 mil reais.
Usando
essa técnica, a qualidade do café aumenta, principalmente para o especial.
Além
das melhorias já implementadas, ele deseja construir uma microtorrefação,
para ampliar a produção da sua marca própria da bebida.
Esse é
o único investimento que ele ainda não conseguiu efetivar, tendo um custo
estimado entre R$ 80 mil e R$ 100 mil. A principal razão para este preço é o
custo dos equipamentos, que são mais caros.
A
situação de Thiago, de 43 anos, não é muito diferente, apesar da produção e do
lucro maior. O produtor de médio porte trabalha com exportação e café especial.
Sua lavoura gerou em torno de 30 sacas por hectare de café arábica.
Ele
explica que apenas cerca de 30% da sua safra pôde ser comercializada no pico do
preço, também por já ter vendido parte antes da elevação dele.
A
primeira coisa que o produtor precisou fazer com o lucro foi pagar as
dívidas com financiamentos rurais.
“O
padrão de vida até que não muda muito, mas acaba que a gente que faz mais
investimentos”, afirma o cafeicultor.
A meta
dele é tornar a sua produção 100% irrigada, para se proteger de secas no
futuro. Ele estima que gaste até R$ 20 mil por hectare para implementar o
sistema.
“Mas
não é sempre assim com lucro. A gente vem desde 2020 sem uma safra boa. Um ano
foi frio, outro ano foi seca, o outro ano foi temperatura alta", explica.
- O segredo da boa
colheita
Nem
todos os produtores tiveram a sorte de Thiago e Manasses. Muitos produtores não
tiveram uma boa safra devido ao calor e as altas temperaturas.
Além
disso, o custo de produção também subiu, como o maior gasto com logística,
gerado pelas guerras no Oriente Médio.
Mas
alguns fatores favoreceram a produção dos dois agricultores.
No caso
de Manasse, a cidade de Divinolândia, no interior de São Paulo, é caracterizada
pela altitude de mais de mil metros acima do nível do mar. Por isso,
o clima é mais ameno do que em outras áreas produtoras, beneficiando os
cafeicultores por lá.
Além
disso, ele utiliza a agricultura regenerativa, em que os produtores podem
aplicar diferentes métodos para recuperar a sustentabilidade da lavoura, sendo
que uma delas é o plantio de árvores.
Parte
do cafezal do produtor é sombreada com bananeira e abacateiro, o que ajuda a
diminuir a temperatura nas plantas, bem como reter a umidade do solo.
“Curiosamente
esses anos de mais escassez de chuva e de mais calor foram os anos em que a
gente teve maior produtividade”, afirma.
A
técnica também protege o plantio contra geadas e ventos. Ela ajudou o produtor
a enfrentar a geada de 2021, que danificou
cafezais no Sudeste e Sul do país.
"Nas
áreas que eu tinha mais bananeira, eu tive mais produtividade e o granizo
estragou pouco”, relata. Para ele, o custo de manejo das árvores vale a pena
pela proteção da sua lavoura.
Já para
Thiago, o que o ajudou a manter uma boa safra foi a área irrigada. Contando
com a lavoura de sequeiro, onde não tem irrigação, ele estima que teve uma
perda de em torno de 30% dos grãos.
¨ Preço do café já
subiu quase 40% no mundo e alta deve durar pelo menos quatro anos, diz ONU
O preço
mundial do café subiu 38,8% em 2024 na comparação com a média do ano anterior,
apontou relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO).
Essa alta é causada, principalmente,
pelos problemas climáticos, que prejudicam a oferta e corroem os estoques globais.
O preço
do café arábica, por exemplo, se elevou em 70% na bolsa Intercontinental
Exchange (ICE) no ano passado e mais de 20% até agora neste ano.
Os
valores devem se manter altos. Segundo o relatório, apesar de o encarecimento
levar cerca de um ano para chegar aos consumidores ao redor do globo, o impacto
deve durar pelo menos quatro anos.
De
acordo com a FAO, cerca de 80% desses aumentos de
preços serão repassados aos consumidores ao longo de 11 meses na União
Europeia, enquanto nos Estados Unidos 80% dos aumentos serão repassados ao
longo de 8 meses.
No
Brasil, a inflação do café foi de 66,18% no acumulado dos 12 meses em
fevereiro, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
É
provável que os aumentos de preços para os consumidores sejam muito menores do
que o aumento do custo dos grãos crus, pois há outros fatores que contribuem
para os preços do café no varejo, como transporte, torrefação, embalagem,
certificação e margens de lucro no varejo.
De
acordo com o relatório da FAO, um aumento de 1% no custo do grão cru na UE se traduz
em um aumento de 0,24% no preço de varejo após 19 meses, "com o choque
persistindo por vários anos".
Em
termos de países produtores, o órgão da ONU disse que os preços para os produtores de café em
grão subiram 17,8% na Etiópia, 12,3% no Quênia, 13,6% no Brasil e 11,9% na
Colômbia -- muito longe dos ganhos observados em mercados negociados
internacionalmente, como a ICE.
Para
a FAO, os preços de exportação do café
podem aumentar ainda mais em 2025, se as principais regiões produtoras sofrerem
novas reduções significativas na oferta.
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O que deixou o café mais caro?
Alguns fatores que prejudicaram a produção e
elevaram os preços do café, segundo especialistas entrevistados pelo g1, foram:
☕Calor e seca: no ano passado, o
clima gerou um estresse na planta, que, para sobreviver, teve que abortar os
frutos, ou seja, impedir o seu desenvolvimento. Mas problemas, como geadas e
ondas de calor, vêm acontecendo há 4 anos. No período, a indústria teve um
aumento de custos de 224% com matéria-prima e, para os consumidores, o café
ficou 110% mais caro.
☕Maior custo de logística: as guerras no
Oriente Médio encareceram o embarque do café nas vendas internacionais,
elevando também o preço dos contêineres, principal meio para a exportação.
☕Aumento do consumo: o café é a segunda
bebida mais consumida no Brasil e no mundo, atrás apenas da água. Os produtores
brasileiros têm aberto espaço em novos mercados internacionais, o que
influencia na oferta da bebida internamente.
☕Crise no Vietnã: o país, que é o
maior produtor mundial do café robusta, também tem enfrentado prejuízos por
causa do clima. O tempo seco prolongado causou uma queda de 20% na produção em
2023/24, com as exportações caindo 10% pelo segundo ano consecutivo.
Deste
modo, não apenas o grão do tipo arábica disparou, mas o robusta também tem
batido recordes. Em setembro, pela primeira vez em 7 anos, o robusta teve o
preço mais elevado do que o arábica.
¨ Pó de café não tem
só... café; descubra o que são as impurezas permitidas por lei
Você
sabia que o pó de café no supermercado não tem apenas grãos do fruto? Isso
porque a legislação brasileira permite que o produto possua até 1% de impurezas
naturais do café (como galhos, folhas e cascas) e matérias estranhas (por
exemplo, grãos ou sementes de outras espécies vegetais, pedras e areia).
Quando
o alimento comercializado apresenta uma porcentagem maior desses elementos, ele
é considerado fraudado.
Foi o
que aconteceu na operação do Departamento de Inspeção do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em
março. As marcas em cujos lotes foram
identificadas fraudes foram divulgadas no dia 28 de junho.
Segundo
o governo, os produtos foram desclassificados após o Ministério detectar a
presença de matérias e elementos estranhos e impurezas acima dos limites
permitidos pela legislação vigente, a Portaria nº 570. Confira abaixo as
definições pela lei.
Enquanto
as impurezas podem estar no café de forma acidental, os elementos
estranhos são adicionados intencionalmente para falsificação, afirma o diretor
do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Ministério da Agricultura, Hugo Caruso.
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Como é a análise
Atualmente,
a detecção de impurezas e matérias estranhas no café comercializado é feita por
meio de análises com microscópio. Contudo, Caruso aponta que esse processo
precisa de melhorias para ser mais assertivo. "Pode ter uma diferença
grande quando a gente pega 1% de impureza, pode ser na realidade que tenha 2%
ou até 3%", diz.
Ele
afirma que, apesar de considerar a metodologia boa, ela depende de qual é a
matéria adicionada ao café e quais foram os pontos de torra e da moagem, que
podem mascarar as irregularidades se forem mais intensos.
Na
regra, o café pode ter até 360 defeitos em 300g. Contudo, cada irregularidade
tem um peso diferente.
Essa
metodologia de medição foi desenvolvida há 100 anos, para a comercialização do
fruto na bolsa de Nova York (EUA).
"O
que a gente já percebeu em algumas torrefadoras que nós fomos é que as empresas
estavam torrando café com 1.000 defeitos, 1.200 defeitos", diz o diretor
do Dipov, Hugo Caruso.
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Impurezas camufladas
Existem
equipamentos no beneficiamento de café que já permitem a separação de impurezas
do grão bom. É assim que o tipo especial consegue ser 100% sem defeitos.
Nesses
filtros, são separados o café ardido (que está passado) e o preto (que já
apodreceu).
Na
legislação brasileira, não é permitido um número muito grande destes
grãos. Em uma amostra de 300g, podem ser encontrados apenas 50 grãos desse
tipo. Contudo, quando eles são bem torrados e moídos, são difíceis de
serem identificados, uma vez que ainda se trata de café.
O que
acontece é que existem torrefadoras que vendem o fruto bom para a indústria e
resolvem aproveitar os impróprios para produzir o pó.
"O
que [os fraudadores] fazem é acabar torrando, aí geralmente é bem forte,
extraforte, para tentar mascarar esse gosto ruim. O ardido e o preto,
eles podem ter uma contaminação de fungos que pode trazer alguns problemas
de saúde", explica Caruso.
Por
esta razão, a Portaria nº 570 estabelece que, a partir deste mês, a embalagem dos alimentos deve
informar o grau da torra.
"Para
que o consumidor comece a perceber que o café, quando é muito escuro, muitas
vezes é utilizado como forma de esconder os defeitos", explica o diretor
do Dipov.
"Quando
você torra muito escuro, [o café] vira um carvão, então tanto faz se é uma
casca ou se é um café ou se é um milho, fica tudo igual", completa.
Existem
três tipos de torra:
- clara, que
entrega uma bebida com acidez, doçura e menos amargor;
- média, se trata
de um café com mais equilíbrio, com notas mais caramelizadas, mas sem
tanto amargor ou acidez;
- escura tem
mais amargor, menos doçura e menos acidez.
"Geralmente,
um torrefador que tem um café de alta qualidade, ele não vai torrar ele que nem
um carvão, porque ele vai perder o sabor, vai perder a qualidade. Se ele pagou
caro naquele grão, ele vai procurar uma torra mais clara ou média, para poder
realçar o seu sabor", diz.
Pensando
nisso, Caruso pensa que a próxima etapa de identificação de fraudes é
acrescentar a análise sensorial ao café, que pelo sabor permite que a
fiscalização perceba se há algo de errado no produto. Essa metodologia seria
acompanhada de uma análise química, que permitiria identificar toda a
composição do pó.
Este
processo já é aplicado para identificar fraude em
outros produtos, como o azeite.
Fonte: g1

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