quinta-feira, 20 de março de 2025

Produtores de café estão lucrando até 150% a mais com alta do grão

O preço do café continua alto por causa da queda de produção gerada pelos problemas climáticos. A maioria dos produtores sofreu perdas, mas alguns mais sortudos que conseguiram ter uma boa safra estão lucrando com o seu encarecimento.

Na venda realizada pelo produtor, o café arábica, o mais plantado do país, encareceu 150% em 1 ano, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).

Os cafeicultores Manasses Sampaio Dias, de Divinolândia (SP), e Thiago Carvalho, de Lavras (MG) estão entre os produtores que conseguiram aproveitar esse preço.

O lucro de Manassés com as vendas aumentou em 30% este ano, enquanto o de Thiago alcançou até 150%.

Com mais dinheiro no bolso, os produtores estão de olho no futuro e investindo na lavoura, principalmente em métodos para se proteger de novas secas.

Thiago planeja expandir sua área irrigada para 100% de seus 360 hectares. Já Manasses instalou barraginhas ao longo de sua lavoura de 12 hectares. A estrutura é uma bacia escavada no solo para armazenar água da chuva.

“Por enquanto não está dando para trocar de carro, essas coisas. Ainda não estou pensando nisso”, disse Manasses.

  • Pagamento de dívidas e investimento

Manasses, de 49 anos, trabalha com a agricultura familiar no plantio do café arábica e comercializa parte da sua produção para exportação, outra para a torrefação do pó tradicional e para uma marca própria de café especial.

Na última safra, ele conseguiu 320 sacas do fruto, equivalente a mais de 19 mil kg.

Mas isso não significa que tudo foi vendido no valor atual do café, de cerca de R$ 2.500 a saca. Isso porque a venda é feita no mercado de futuros, o que significa que ela é realizada de forma antecipada, com o preço daquele momento.

O produtor já conseguiu ampliar o seu sistema de barraginhas, com um gasto de R$ 10 mil.

Ele também aumentou a secagem do grão por meio de terreiro suspenso. Se trata de uma estrutura que permite a passagem de ar e luz solar, e evita o contato do fruto com o chão. Sua implementação custa cerca de R$ 15 mil reais.

Usando essa técnica, a qualidade do café aumenta, principalmente para o especial.

Além das melhorias já implementadas, ele deseja construir uma microtorrefação, para ampliar a produção da sua marca própria da bebida.

Esse é o único investimento que ele ainda não conseguiu efetivar, tendo um custo estimado entre R$ 80 mil e R$ 100 mil. A principal razão para este preço é o custo dos equipamentos, que são mais caros.

A situação de Thiago, de 43 anos, não é muito diferente, apesar da produção e do lucro maior. O produtor de médio porte trabalha com exportação e café especial. Sua lavoura gerou em torno de 30 sacas por hectare de café arábica.

Ele explica que apenas cerca de 30% da sua safra pôde ser comercializada no pico do preço, também por já ter vendido parte antes da elevação dele.

A primeira coisa que o produtor precisou fazer com o lucro foi pagar as dívidas com financiamentos rurais.

“O padrão de vida até que não muda muito, mas acaba que a gente que faz mais investimentos”, afirma o cafeicultor.

A meta dele é tornar a sua produção 100% irrigada, para se proteger de secas no futuro. Ele estima que gaste até R$ 20 mil por hectare para implementar o sistema.

“Mas não é sempre assim com lucro. A gente vem desde 2020 sem uma safra boa. Um ano foi frio, outro ano foi seca, o outro ano foi temperatura alta", explica.

  • O segredo da boa colheita

Nem todos os produtores tiveram a sorte de Thiago e Manasses. Muitos produtores não tiveram uma boa safra devido ao calor e as altas temperaturas.

Além disso, o custo de produção também subiu, como o maior gasto com logística, gerado pelas guerras no Oriente Médio.

Mas alguns fatores favoreceram a produção dos dois agricultores.

No caso de Manasse, a cidade de Divinolândia, no interior de São Paulo, é caracterizada pela altitude de mais de mil metros acima do nível do mar. Por isso, o clima é mais ameno do que em outras áreas produtoras, beneficiando os cafeicultores por lá.

Além disso, ele utiliza a agricultura regenerativa, em que os produtores podem aplicar diferentes métodos para recuperar a sustentabilidade da lavoura, sendo que uma delas é o plantio de árvores.

Parte do cafezal do produtor é sombreada com bananeira e abacateiro, o que ajuda a diminuir a temperatura nas plantas, bem como reter a umidade do solo.

“Curiosamente esses anos de mais escassez de chuva e de mais calor foram os anos em que a gente teve maior produtividade”, afirma.

A técnica também protege o plantio contra geadas e ventos. Ela ajudou o produtor a enfrentar a geada de 2021, que danificou cafezais no Sudeste e Sul do país.

"Nas áreas que eu tinha mais bananeira, eu tive mais produtividade e o granizo estragou pouco”, relata. Para ele, o custo de manejo das árvores vale a pena pela proteção da sua lavoura.

Já para Thiago, o que o ajudou a manter uma boa safra foi a área irrigada. Contando com a lavoura de sequeiro, onde não tem irrigação, ele estima que teve uma perda de em torno de 30% dos grãos.

¨      Preço do café já subiu quase 40% no mundo e alta deve durar pelo menos quatro anos, diz ONU

O preço mundial do café subiu 38,8% em 2024 na comparação com a média do ano anterior, apontou relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Essa alta é causada, principalmente, pelos problemas climáticos, que prejudicam a oferta e corroem os estoques globais.

O preço do café arábica, por exemplo, se elevou em 70% na bolsa Intercontinental Exchange (ICE) no ano passado e mais de 20% até agora neste ano.

Os valores devem se manter altos. Segundo o relatório, apesar de o encarecimento levar cerca de um ano para chegar aos consumidores ao redor do globo, o impacto deve durar pelo menos quatro anos.

De acordo com a FAO, cerca de 80% desses aumentos de preços serão repassados aos consumidores ao longo de 11 meses na União Europeia, enquanto nos Estados Unidos 80% dos aumentos serão repassados ao longo de 8 meses.

No Brasil, a inflação do café foi de 66,18% no acumulado dos 12 meses em fevereiro, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

É provável que os aumentos de preços para os consumidores sejam muito menores do que o aumento do custo dos grãos crus, pois há outros fatores que contribuem para os preços do café no varejo, como transporte, torrefação, embalagem, certificação e margens de lucro no varejo.

De acordo com o relatório da FAO, um aumento de 1% no custo do grão cru na UE se traduz em um aumento de 0,24% no preço de varejo após 19 meses, "com o choque persistindo por vários anos".

Em termos de países produtores, o órgão da ONU disse que os preços para os produtores de café em grão subiram 17,8% na Etiópia, 12,3% no Quênia, 13,6% no Brasil e 11,9% na Colômbia -- muito longe dos ganhos observados em mercados negociados internacionalmente, como a ICE.

Para a FAO, os preços de exportação do café podem aumentar ainda mais em 2025, se as principais regiões produtoras sofrerem novas reduções significativas na oferta.

<><> O que deixou o café mais caro?

Alguns fatores que prejudicaram a produção e elevaram os preços do café, segundo especialistas entrevistados pelo g1, foram:

Calor e seca: no ano passado, o clima gerou um estresse na planta, que, para sobreviver, teve que abortar os frutos, ou seja, impedir o seu desenvolvimento. Mas problemas, como geadas e ondas de calor, vêm acontecendo há 4 anos. No período, a indústria teve um aumento de custos de 224% com matéria-prima e, para os consumidores, o café ficou 110% mais caro.

Maior custo de logística: as guerras no Oriente Médio encareceram o embarque do café nas vendas internacionais, elevando também o preço dos contêineres, principal meio para a exportação.

Aumento do consumo: o café é a segunda bebida mais consumida no Brasil e no mundo, atrás apenas da água. Os produtores brasileiros têm aberto espaço em novos mercados internacionais, o que influencia na oferta da bebida internamente.

Crise no Vietnã: o país, que é o maior produtor mundial do café robusta, também tem enfrentado prejuízos por causa do clima. O tempo seco prolongado causou uma queda de 20% na produção em 2023/24, com as exportações caindo 10% pelo segundo ano consecutivo.

Deste modo, não apenas o grão do tipo arábica disparou, mas o robusta também tem batido recordes. Em setembro, pela primeira vez em 7 anos, o robusta teve o preço mais elevado do que o arábica.

¨      Pó de café não tem só... café; descubra o que são as impurezas permitidas por lei

Você sabia que o pó de café no supermercado não tem apenas grãos do fruto? Isso porque a legislação brasileira permite que o produto possua até 1% de impurezas naturais do café (como galhos, folhas e cascas) e matérias estranhas (por exemplo, grãos ou sementes de outras espécies vegetais, pedras e areia).

Quando o alimento comercializado apresenta uma porcentagem maior desses elementos, ele é considerado fraudado.

Foi o que aconteceu na operação do Departamento de Inspeção do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em março. As marcas em cujos lotes foram identificadas fraudes foram divulgadas no dia 28 de junho.

Segundo o governo, os produtos foram desclassificados após o Ministério detectar a presença de matérias e elementos estranhos e impurezas acima dos limites permitidos pela legislação vigente, a Portaria nº 570. Confira abaixo as definições pela lei.

Enquanto as impurezas podem estar no café de forma acidental, os elementos estranhos são adicionados intencionalmente para falsificação, afirma o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Ministério da Agricultura, Hugo Caruso.

<><> Como é a análise

Atualmente, a detecção de impurezas e matérias estranhas no café comercializado é feita por meio de análises com microscópio. Contudo, Caruso aponta que esse processo precisa de melhorias para ser mais assertivo. "Pode ter uma diferença grande quando a gente pega 1% de impureza, pode ser na realidade que tenha 2% ou até 3%", diz.

Ele afirma que, apesar de considerar a metodologia boa, ela depende de qual é a matéria adicionada ao café e quais foram os pontos de torra e da moagem, que podem mascarar as irregularidades se forem mais intensos.

Na regra, o café pode ter até 360 defeitos em 300g. Contudo, cada irregularidade tem um peso diferente. 

Essa metodologia de medição foi desenvolvida há 100 anos, para a comercialização do fruto na bolsa de Nova York (EUA).

"O que a gente já percebeu em algumas torrefadoras que nós fomos é que as empresas estavam torrando café com 1.000 defeitos, 1.200 defeitos", diz o diretor do Dipov, Hugo Caruso.

<><> Impurezas camufladas

Existem equipamentos no beneficiamento de café que já permitem a separação de impurezas do grão bom. É assim que o tipo especial consegue ser 100% sem defeitos.

Nesses filtros, são separados o café ardido (que está passado) e o preto (que já apodreceu).

Na legislação brasileira, não é permitido um número muito grande destes grãos. Em uma amostra de 300g, podem ser encontrados apenas 50 grãos desse tipo. Contudo, quando eles são bem torrados e moídos, são difíceis de serem identificados, uma vez que ainda se trata de café.

O que acontece é que existem torrefadoras que vendem o fruto bom para a indústria e resolvem aproveitar os impróprios para produzir o pó.

"O que [os fraudadores] fazem é acabar torrando, aí geralmente é bem forte, extraforte, para tentar mascarar esse gosto ruim. O ardido e o preto, eles podem ter uma contaminação de fungos que pode trazer alguns problemas de saúde", explica Caruso.

Por esta razão, a Portaria nº 570 estabelece que, a partir deste mês, a embalagem dos alimentos deve informar o grau da torra.

"Para que o consumidor comece a perceber que o café, quando é muito escuro, muitas vezes é utilizado como forma de esconder os defeitos", explica o diretor do Dipov.

"Quando você torra muito escuro, [o café] vira um carvão, então tanto faz se é uma casca ou se é um café ou se é um milho, fica tudo igual", completa.

Existem três tipos de torra:

  • clara, que entrega uma bebida com acidez, doçura e menos amargor;
  • média, se trata de um café com mais equilíbrio, com notas mais caramelizadas, mas sem tanto amargor ou acidez;
  • escura tem mais amargor, menos doçura e menos acidez.

"Geralmente, um torrefador que tem um café de alta qualidade, ele não vai torrar ele que nem um carvão, porque ele vai perder o sabor, vai perder a qualidade. Se ele pagou caro naquele grão, ele vai procurar uma torra mais clara ou média, para poder realçar o seu sabor", diz.

Pensando nisso, Caruso pensa que a próxima etapa de identificação de fraudes é acrescentar a análise sensorial ao café, que pelo sabor permite que a fiscalização perceba se há algo de errado no produto. Essa metodologia seria acompanhada de uma análise química, que permitiria identificar toda a composição do pó.

Este processo já é aplicado para identificar fraude em outros produtos, como o azeite.

 

Fonte: g1

 

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