Por que idosos são mais felizes do que jovens
no Brasil e no mundo, segundo pesquisa
Se você ainda não chegou aos 60 anos, uma
nova pesquisa que mede o nível de felicidade das pessoas traz duas notícias,
uma ruim e uma boa.
A ruim é que há uma estrada de mais
insatisfação na sua frente. Mas a boa é que, uma vez nos 60 anos, seu nível de
felicidade pode chegar a um patamar que você não vivenciou antes.
A pesquisa inédita Ipsos Happiness Index
2025, que entrevistou quase 24 mil pessoas com até 75 anos em 30 países, aponta
os 60 anos como a idade mais provável de se ter uma virada no nível de
satisfação com a vida.
Os resultados corroboram com a chamada
"curva em U" que costuma aparecer em índices que medem a felicidade
da população no mundo. Isso é: começamos a vida adulta mais felizes, ficamos
mais insatisfeitos à medida que envelhecemos, mas voltamos a ser mais felizes
ao nos tornarmos idosos.
"Você chega aos 60 hoje em dia muito
diferente do que você chegava 30 anos atrás", diz o estatístico Rafael
Lindemeyer, diretor de clientes na Ipsos.
"Sua capacidade de levantar da cadeira,
de viver a vida aos 60 anos é muito maior do que era. Com isso, você tem ainda
uma plenitude para poder viver bem por muito tempo bem."
A pesquisa mundial considerou, no Brasil e em
outros países com nível de renda semelhante, apenas pessoas a partir da classe
média. Ou seja, entre os brasileiros, apenas pessoas a partir da classe C, com
renda familiar de R$ 3,4 mil ou mais.
As classes A, B e C hoje representam mais da
metade (50,1%) da população do Brasil, segundo uma pesquisa recente da
Tendências Consultoria.
Como mostra a própria pesquisa Ipsos, a falta
de dinheiro é o principal motivo que contribui para a infelicidade das pessoas.
Isso quer dizer, segundo especialistas com
quem a BBC News Brasil conversou, que, caso as pessoas mais pobres fossem
incluídas, provavelmente os índices de felicidade seriam menores em todas as
faixas.
"Para quem não tem as necessidades
básicas atendidas, é muito mais difícil falar de felicidade", avalia a
palestrante e consultora Renata Rivetti, que se especializou nos últimos anos
em estudos da felicidade.
"A gente tem que falar como incluir uma
camada da sociedade que está sendo excluída de algo que deveria ser um direito
básico, que é a felicidade."
No ranking global da Ipsos, os países em que
mais pessoas entrevistadas se disseram felizes são: Índia, Países Baixos
(Holanda), México, Indonésia e Brasil.
Já os mais infelizes estão na Hungria,
Turquia, Coreia do Sul, Japão e Alemanha.
Mas, diante do grupo pesquisado e das
pesquisas que já se debruçaram sobre o tema, o que explica essa felicidade
"tardia" na vida?
• A
felicidade depois dos 60
Nos corredores e no palco da Cúpula Mundial
da Felicidade (Wohasu), encontro de especialista no assunto que aconteceu neste
mês de março, em Miami, nos EUA, os palestrantes insistiram que a felicidade
está principalmente relacionada a uma "vida com sentido", relata
Renata Rivetti, após participar do evento.
E esse sentido é mais encontrado em sua
plenitude após superada a chamada "crise da meia-idade", após os 40
anos, diz a especialista.
"É um momento em que a gente conquista
muitos sonhos, coisas materiais e, mesmo assim, seguimos na busca, não nos
sentimos felizes", conta Rivetti.
"Quando a gente chega numa maturidade, a
gente começa a encontrar o que de fato faz a gente feliz, começa a ter clareza
do que a gente é, não quer mais impressionar tanto os outros e cria mais senso
de pertencimento e de conexão."
Na resposta à pergunta "você diz que
está: muito feliz, feliz, não muito feliz ou nada feliz?" feita pela
Ipsos, 75% dos maiores de 60 responderam que está muito feliz ou feliz, sete
pontos percentuais a mais do que as pessoas na faixa dos 50 e três pontos a
mais do que os na casa dos 20.
Estudos no Reino Unido com mais de 300 mil
pessoas também já apontaram que o grupo acima dos 65 é o mais feliz. Há um
declínio nessa satisfação, porém, após os 80.
Entre os "felizes", os principais
motivos para esse estado de humor (e para os bons resultados dos 60+), segundo
a Ipsos, foram o "meu relacionamento com a família", "sentir-se
amado" e "estar em controle da própria vida". Entre os
"infelizes", contam mais, além da situação financeira, a saúde mental
e física.
Nessa equação, o economista Daniel Duque,
pesquisador no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV
Ibre) explica que a pressão do mercado de trabalho sobre os maiores de 60 anos
costuma diminuir, o que abre espaço para os outros fatores que levam à felicidade.
"Quando você entra na terceira idade e
está no fim da fase laboral, o trabalho passa a não ter uma centralidade tão
grande na vida", diz Duque, que pesquisa a área de mercado de trabalho.
Na idade adulta, entretanto, a pressão
econômica para "subir na vida" e pagar as contas faz o emprego e suas
instabilidades serem muito mais central, levando a uma perda de bem-estar.
Na visão de Rafael Lindemeyer, do Ipsos, essa
menor "pressão econômica" sobre os idosos não quer dizer que eles
vivem confortavelmente, financeiramente falando. Mas é um fator que tem menos
importância.
"A pessoa com mais de 60 anos têm um
combo de variáveis de felicidade muito maior. Isso é: apesar de ter uma
situação financeira que sempre é uma dificuldade, há outros componentes que têm
a ver com os seus relacionamentos", explica Lindemeyer.
"Além da minha própria felicidade, o que
está em torno de mim faz com que eu me sinta feliz. Quando tenho 30 anos, minha
felicidade é mais individual do que uma felicidade aos 60 anos."
Segundo a pesquisa Ipsos, o momento de mais
infelicidade é logo após os 50 anos.
Para Lindemeyer, isso indica que essa idade
tem sido um momento para se "redescobrir" até atingir o
autoconhecimento após os 60.
Aos 50, diz o estatístico, muitas pessoas
estão passando por um momento na vida em que levaram uma "porrada",
em que você percebe que não se tornará um bilionário ou presidente da República
e em que as relações se estremecem.
No caso do Brasil, por exemplo, dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o casamento
no país dura hoje em média 13,8 anos. Os homens se divorciam, em média, com 44
anos, e as mulheres, com 41.
Ou seja, aos 60, as relações estão voltando a
ficar mais sólidas, e as expectativas sobre o futuro são mais claras.
No Brasil, também há um crescimento
significativo dos chamados "casamentos grisalhos" — as uniões
celebradas já na terceira idade.
"Essas pessoas provavelmente adquiriram
mais autoconhecimento, começaram a focar mais em construir melhores relações, a
dedicar menos tempo ao trabalho para conquistar a vida material e a equilibrar
melhor a vida, buscando mais qualidade e tempo para seus hobbies", diz
Renata Rivetti, que é pós-graduada em psicologia positiva, área que estuda o
que torna a vida das pessoas mais satisfatória.
No entanto, a pesquisa Ipsos mostra ainda que
homens e mulheres seguem trajetórias um pouco diferentes até esse ponto.
A felicidade das mulheres permanece mais
estável entre os 18 e 59 anos. Já os homens experimentam um período de maior
alegria na casa dos 20 anos, mas essa felicidade diminui na meia-idade, até
alcançar o mesmo nível de felicidade que as mulheres mais tarde na vida.
• Por
que jovens estão mais infelizes?
Dados recentes do instituto de pesquisas
Gallup, que publica um relatório de felicidade com 143 países, apontaram em
2024 um aumento na diferença entre a satisfação com a vida entre os mais jovens
e os mais velhos em grande parte dos países, incluindo o Brasil e os EUA.
O relatório chega a apontar que pessoas com
menos de 30 anos estão passando pelo equivalente a uma "crise de
meia-idade", especialmente no mundo Ocidental.
Para Daniel Duque, do FGV Ibre, problemas
sociais e econômicos nos países podem estar por trás do pessimismo na
juventude.
"O mercado de trabalho tem se tornado
mais difícil aos entrantes, porque eles não estão só competindo entre eles, mas
até com os idosos que têm prolongado a vida laboral", diz
Renata Rivetti atribui a insatisfação a uma
não descoberta de outras variáveis que contribuem para a felicidade, além dos
prazeres momentâneos e individuais.
"A juventude tem focado muito numa busca
rápida de dopamina. Então, a gente quer alegria instantânea, a gente quer
satisfazer os nossos prazeres", diz a especialista.
"A gente busca muito a vida através do
celular e das redes sociais e vive uma crise mesmo da solidão e de
propósito."
Nos EUA, por exemplo, um relatório sobre a
"epidemia de solidão" mostrou que o tempo que os jovens passam com os
amigos foi reduzido em 70% nas últimas duas décadas.
• Famílias
menores vão ter efeito na felicidade?
Se o principal motivo para a felicidade,
segundo a pesquisa Ipsos, é o "meu relacionamento com a família", o
que esperar de um futuro com núcleos familiares cada vez menores?
A taxa de natalidade no Brasil vem diminuindo
ao longo dos anos, de acordo com o IBGE. Entre 2000 e 2023, seguindo uma
tendência mundial, a taxa caiu de 2,32 para 1,57 filho por mulher.
O Brasil também tem visto aumentar a
proporção de lares com apenas uma pessoa: em dez anos, saiu de 12,2% para
15,9%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad),
"Com certeza daqui a 20 anos a gente vai
ter uma nova leitura sobre essa felicidade. Porque a vida solitária traz um
desafio muito grande que é a socialização, um dos grandes elementos para trazer
felicidade", diz Rafael Lindemeyer, diretor no Ipsos.
"Vai ter que encontrar alguma válvula
que seja diferente [de depender de um relacionamento familiar para ser
feliz]."
Rivetti acredita que os formatos do que
chamamos de "família" podem ser redesenhados: "Acho que a gente
vai ter mais amigos, talvez viver mais em comunidade. A crise das relações que
a gente vai ver daqui para o futuro não é sobre o padrão de família
tradicional, mas é sobre a gente substituir as relações humanas por relações
virtuais".
De fato, pesquisas sugerem consistentemente
que as amizades são tão importantes quanto os laços familiares para prever o
bem-estar na idade adulta e na velhice.
Em entrevista à BBC, o médico psiquiatra
Robert Waldinger, autor do maior estudo já feito sobre felicidade, em Harvard,
declarou que não há surpresa na conclusão que "pessoas em relacionamentos
mais calorosos são mais felizes".
"Solidão e isolamento são estressantes.
Se algo incômodo, estressante, aconteceu, posso ir para casa e conversar com
minha esposa ou ligar para um amigo. Se eles forem bons ouvintes, posso sentir
meu nível de estresse diminuir. Mas se não tenho ninguém assim, se estou
isolado e sozinho, acreditamos que o corpo permanece em um grau latente de
"reação de luta ou fuga", disse Waldinger à BBC.
"A mensagem é que vale a pena continuar
trabalhando nisso porque a qualquer momento da vida você pode criar novas e
boas conexões."
Rivetti diz que, a partir de agora, deveria
ser dada mais atenção à "saúde social": "A gente cuidou da saúde
física, começou a falar de saúde mental, mas, se a gente não falar de saúde
social, a gente não vai ter nem saúde mental".
• Falta
de dinheiro traz infelicidade, mas ter não traz felicidade
Segundo a pesquisa Ipsos, quando se trata do
que nos faz infelizes, há um amplo consenso: nossa situação financeira. Não
importa a idade, o local; se você está infeliz, é provável que suas finanças
pessoais estejam por trás disso.
Isso tem a ver com a famosa hierarquia de
necessidades de Maslow, proposta pelo psicólogo americano Abraham H. Maslow,
que se baseia na ideia de uma divisão hierárquica em que as necessidades
consideradas de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades
de nível mais alto.
No andar mais baixo dessa pirâmide, estão as
necessidades fisiológicas, como manter-se vivo, comer, descansar, beber,
dormir.
"Não ter dinheiro me faz não ter
necessidades básicas atendidas. É muito difícil falar sobre realização, sobre
sentido, sobre relações", diz Rivetti.
Mas ter o dinheiro não me garante subir na
pirâmide também.
"Eu tenho as necessidades básicas
atendidas, mas de repente eu não tenho boas relações, não trabalho a minha
autoestima, o senso de comunidade e pertencimento", completa Rivetti.
De acordo com pesquisas, ter mais dinheiro
faz menos diferença em termos de felicidade na medida em que as pessoas ficam
mais ricas.
A relação entre renda maior e mais felicidade
é "logarítmica", explicou à BBC Jean-Emmanuel De Neve, professor de
Economia e Ciências Comportamentais da Universidade de Oxford.
Por exemplo, se o seu salário de repente
dobrar de R$ 8 mil para R$ 16 mil, você ficará bem feliz.
Mas se você quiser ter o mesmo grau de
aumento de felicidade e bem-estar novamente, outro aumento de R$ 8 mil não será
suficiente. Você vai ficar mais feliz, mas não tanto.
Isso pode justificar, em parte, por que
países como o Brasil, onde as pessoas têm mais problemas financeiros do que em
nações desenvolvidas, aparecem na frente de rankings do tipo?
Essa é uma pergunta que Rafael Lindemeyer
precisa responder sempre a clientes da Ipsos, em diversos tipos de pesquisas.
Ele costuma responder que, de maneira geral,
isso tem a ver com a cultura na América Latina, onde as pessoas costumam ter
mais leveza, valorizar as relações pessoais e as "pequenas" alegrias
compartilhadas.
"Os países mais otimistas estão
aqui", diz.
Em entrevista à BBC, o espanhol Alejandro
Cencerrado, analista do Instituto da Felicidade de Copenhague, na Dinamarca,
explicou que os latino-americanos estão fora do que é estatisticamente normal,
considerando a riqueza dos seus países.
"Provavelmente, muitas pessoas tendem a
exagerar como a sua vida vai bem. Os latino-americanos têm uma capacidade de se
relacionar que não existe em outras partes do mundo. É algo muito, muito
próprio", disse.
Em uma das perguntas feitas pela pesquisa
Ipsos, os entrevistados precisavam responder: "Eu espero que minha
qualidade de vida esteja muito melhor em cinco anos?".
Os mais pessimistas com o futuro, segundo o
Ipsos, foram os japoneses, os franceses e os belgas.
Já os mais otimistas estão na Colômbia, Índia
e Argentina, seguidos por todos os países latinos pesquisados: México, Peru,
Chile e Brasil.
Fonte: BBC News

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