Por que Trump deportou centenas de
venezuelanos apesar de Justiça ter proibido
Um
avião transportando mais de 200 venezuelanos deportados
pelos Estados Unidos pousou em El Salvador horas depois de
um juiz americano ter ordenado que a gestão Donald Trump não o fizesse.
O presidente de El Salvador, Nayib
Bukele,
postou nas redes sociais que 238 homens supostamente membros do grupo criminoso
venezuelano Tren de Aragua haviam chegado
na manhã de domingo (16/3) ao país, junto com outros 23 supostos membros da
gangue Mara Salvatrucha (MS-13).
O
desembarque ocorreu apesar de um juiz federal ter barrado deportações com base
na lei do século 18 que o governo vinha usando como respaldo, algo que Bukele
ridicularizou em outra postagem.
"Ops!...
tarde demais", escreveu o presidente salvadorenho.
Ele
informou que os detidos tinham sido direcionados para o Centro de Confinamento de Terroristas
de El Salvador (Cecot) "por um ano", período que pode ser
renovável,
"Os
EUA pagarão uma tarifa muito baixa por eles, mas alta para nós",
acrescentou.
Segundo
a Associated Press, El Salvador teria concordado em abrigar cerca de 300
migrantes em suas prisões por um ano a um custo de US$ 6 milhões.
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Deportações invocam lei do século 18
O
secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, confirmou a chegada dos supostos
membros de grupos criminosos ao país centro-americano e agradeceu a Bukele,
chamando-o de "o líder em segurança mais forte em nossa região".
Na
noite de sábado (15/3), o juiz do Distrito de Columbia James Boasberg havia
ordenado a suspensão por 14 dias das deportações determinadas pelo governo
Trump a partir da invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798.
A lei
autoriza o governo a deter e expulsar, em tempos de guerra, indivíduos que
ameacem a segurança do país, sem a necessidade de garantia do devido processo
legal aos afetados.
A
última vez em que ela havia sido aplicada foi durante a Segunda Guerra Mundial,
contra cidadãos americanos de ascendência japonesa.
No
sábado, Trump declarou que o Tren de Aragua estava "perpetrando e
ameaçando realizar uma invasão predatória ou incursão contra o território dos
Estados Unidos".
Ato
contínuo, ordenou que todos os cidadãos venezuelanos no país que tenham pelo
menos 14 anos de idade, que sejam membros do Tren de Aragua e que "não
sejam naturalizados ou residentes permanentes legais" sejam "detidos,
presos e expulsos por serem estrangeiros inimigos".
A
decisão presidencial foi suspensa pelo juiz Boasberg, que considerou que a lei
não é aplicável neste caso, já que os Estados Unidos não estão em guerra.
Conforme
o jornal The Washington Post, depois de saber que os aviões transportando os
deportados haviam decolado o magistrado chegou a ordenar que as aeronaves
retornassem.
No
domingo, Rubio confirmou que as deportações foram realizadas sob a Lei de
Inimigos Estrangeiros, sem mencionar a decisão do tribunal.
"Estamos
enviando mais de 250 estrangeiros inimigos do Tren de Aragua, que El Salvador
concordou em manter em suas excelentes prisões, a um preço justo que também
economizará o dinheiro dos nossos contribuintes", declarou.
Em
comunicado, o governo venezuelano, por sua vez, rechaçou a decisão de Trump,
considerando que ela evoca "os episódios mais sombrios da história da humanidade,
da escravidão ao horror dos campos de concentração nazistas", informou a
AP.
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Direto à megaprisão
Um
vídeo postado por Bukele nas redes sociais mostra fileiras de homens algemados
sendo escoltados para fora do avião por agentes armados.
Alguns
detidos sendo colocados na parte de trás de veículos blindados, enquanto
outros, com a cabeça abaixada por policiais, são forçados a entrar em ônibus.
As
imagens também exibem uma tomada aérea de uma longa e sinuosa escolta policial
conduzindo os ônibus em direção à temida megaprisão de El Cecot.
A
prisão de segurança máxima é um marco para Bukele e parte de seus esforços para
combater o crime organizado.
Com
capacidade para 40.000 pessoas, o presídio tem sido alvo de críticas de grupos
de direitos humanos, que alegam que os presos são maltratados e que seus
direitos não são garantidos.
O
acordo entre os EUA e El Salvador é um sinal do fortalecimento das relações
diplomáticas entre os dois países.
"Obrigado
pelo seu apoio e amizade", disse Rubio a Bukele no domingo.
El
Salvador foi o segundo país que o Secretário de Estado dos EUA visitou após sua
posse, algumas semanas atrás.
Durante
a visita, Bukele inicialmente ofereceu seu país para receber pessoas
deportadas, alegando que isso ajudaria a financiar a enorme instalação de
Cecot.
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Promessa de deportações em massa
O
governo dos EUA não identificou quem são os homens enviados a El Salvador nem
forneceu evidências de que eles eram de fato membros do Tren de Aragua ou que
cometeram crimes nos EUA.
As
deportações fazem parte da campanha contra a imigração ilegal, que tem sido uma
das bandeiras do segundo mandato do presidente americano.
Em
janeiro, ele havia assinado uma ordem executiva declarando o Tren de Aragua e a
MS-13 "organizações terroristas estrangeiras".
Durante
a campanha pela Casa Branca, Trump prometeu lançar a maior operação de
deportação da história do país.
Até
agora, o cronograma ficou aquém das expectativas, já que os agentes do Serviço
de Imigração e Alfândega (ICE) não cumpriram a cota diária de prisões definida
por Trump.
Um
relatório recente revelou que os agentes do ICE deportaram menos imigrantes em
fevereiro do que no mesmo mês do ano anterior durante o governo do democrata
Joe Biden: 11 mil em fevereiro de 2025, em comparação com 12 mil em fevereiro
de 2024.
¨
O que diz a lei do século 18 que Trump usou para deportar
venezuelanos para El Salvador
Das
ruas de várias cidades dos EUA, como Miami, Houston, Chicago e Nova
York, para uma cela no Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), também
conhecido como a "megaprisão" de El Salvador.
Esta
foi a jornada feita por mais de 200 venezuelanos, que o governo do presidente
americano, Donald Trump, acusa, sem
apresentar provas, de fazer parte do temido Trem de Aragua, uma das gangues
criminosas mais perigosas da Venezuela.
Para
realizar a deportação dos migrantes, que estavam em
situação irregular nos EUA, a Casa Branca recorreu a uma lei que é quase tão
antiga quanto o próprio país: a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798.
Ao
fazer isso, Trump ignorou a ordem de um juiz, que decidiu suspender as
expulsões, por considerar que este instrumento legal não poderia ser aplicado
neste caso.
Mas,
afinal, o que diz a lei, que poderes confere às autoridades, e quando foi a
última vez em que foi aplicada? A BBC News Mundo, serviço de notícias em
espanhol da BBC, responde a estas e outras perguntas a seguir.
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Uma arma para tempos de guerra
A Lei
de Inimigos Estrangeiros é uma lei de 227 anos que concede ao presidente a
autoridade para ordenar a detenção e expulsão de cidadãos de países com os
quais os EUA estão em guerra. Ou seja, nações com as quais está envolvido em
hostilidades reais.
A lei,
que foi aprovada pelo Congresso com o apoio do então presidente John Adams
quando os EUA estavam à beira da guerra com a França, buscava prevenir a
espionagem e sabotagem estrangeira.
"Havia
muito alarmismo em relação a simpatizantes franceses no país e conspirações
para basicamente colocar os EUA do lado da França", explicou Steve
Vladeck, professor do Centro de Direito da Universidade de Georgetown, à Rádio
Pública Nacional dos EUA (NPR, na sigla em inglês).
Nos
últimos dois séculos, a lei foi aplicada em três ocasiões.
A
primeira vez foi em 1812, durante a guerra que os EUA travaram com o Reino
Unido, na qual a Casa Branca foi incendiada por tropas britânicas.
As
demais aconteceram durante a Primeira (1914-1918) e
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
respectivamente.
Durante
o primeiro conflito global, as autoridades dos EUA usaram a lei para aprisionar
mais de 6 mil "estrangeiros inimigos", muitos deles alemães, em
campos de concentração, e alguns permaneceram detidos até dois anos após o fim
dos combates, informou a NRP, citando informações obtidas dos Arquivos
Nacionais.
O US
Marshals Service (o Serviço de Delegados de Polícia dos EUA, uma agência do
Departamento de Justiça) registrou, por sua vez, 480 mil "estrangeiros
inimigos" alemães — e prendeu 6,3 mil entre a declaração de guerra, em
abril de 1917, e o armistício, em novembro de 1918.
Décadas
depois, durante a Segunda Guerra Mundial, a lei foi usada para permitir a
prisão de cidadãos alemães, italianos e, principalmente, japoneses que viviam nos
EUA.
Foi
assim que mais de 30 mil pessoas passaram o conflito detidas em campos de
concentração, após serem consideradas potencialmente perigosas por Washington.
Para
justificar sua aplicação agora, em 2025, o presidente Donald Trump emitiu um decreto
no sábado (15/03) afirmando que o Trem de Aragua estava "tentando,
perpetrando, e ameaçando uma invasão ou incursão predatória contra o território
dos EUA".
E para
enfrentar tal ameaça, o presidente ordenou que todos os cidadãos venezuelanos
no país que tenham pelo menos 14 anos de idade, que sejam membros do Trem de
Aragua e que "não sejam naturalizados ou residentes permanentes
legais" sejam "detidos, presos e expulsos por serem inimigos
estrangeiros".
No
entanto, o juiz James Boasberg considerou que esta declaração era insuficiente
para aplicar a lei, uma vez que a lei foi criada tendo em mente um conflito
bélico.
E, por
esta razão, ordenou a suspensão das deportações. Mas sua decisão foi ignorada.
"A
lei de 1798 é clara no sentido de que uma 'invasão ou incursão predatória' deve
ser realizada por uma 'nação ou governo estrangeiro' para que possa ser
invocada", explicou Dan Tichenor, professor de ciência política na
Universidade do Oregon, nos EUA, à BBC News Mundo há algumas semanas.
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Sem garantias de nenhum tipo
Por que
Trump está recorrendo a uma lei tão antiga? E quais são as vantagens de fazer
isso?
De
acordo com especialistas consultados pela BBC News Mundo, o instrumento legal
permite ao governo deter e expulsar pessoas sem ter que garantir a elas o
devido processo legal, ou seja, sem ter que oferecer o direito à defesa, de
recorrerem a uma autoridade superior, entre outros.
"A
Lei de Inimigos Estrangeiros dá ao governo Trump um poder executivo muito amplo
e irrestrito para deter e expulsar imigrantes indocumentados à vontade",
explicou Tichenor.
"A
norma autoriza os presidentes a agilizar o processo de deportação, deixando os
não-cidadãos sem possibilidade de recorrer aos tribunais de imigração",
acrescentou o especialista.
Impedir
que os migrantes possam exercer suas garantias legais reduz o tempo dos
processos, e permite deportações mais rápidas e em maior escala, conforme Trump
havia prometido ao longo da campanha.
Outro
aspecto é que a Lei de Inimigos Estrangeiros não exige a apresentação de provas
de que o estrangeiro seja uma ameaça, bastando a simples suspeita. Isto foi
alertado por Katherine Yon Ebright, do Centro Brennan para a Justiça, nos EUA.
Até ao
momento, o governo americano não identificou os venezuelanos deportados, nem
apresentou provas que confirmem sua conexão com o Trem de Aragua, nem que
tenham cometido crimes nos EUA.
Em
fevereiro, quando os dois primeiros voos com deportados chegaram à Venezuela, o
ministro do Interior, Diosdado Cabello, garantiu que "nenhum (dos
deportados) tinha conexão com o Trem de Aragua".
O
ministro venezuelano também afirmou que, dos primeiros 190 deportados, apenas
17 tinham antecedentes criminais.
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Decisão controversa
A
decisão de Trump de recorrer a esse instrumento legal gerou polêmica.
"Uma
lei para tempos de guerra não tem lugar em tempos de paz", acrescentou Yon
Ebrigth.
O
Centro para o Progresso Americano (Cap, na sigla em inglês) denunciou que a
atual implementação da lei constitui "um perigoso abuso de poder que visa
privar as pessoas dos seus direitos legais".
"Todos
os americanos, independentemente da ideologia política, deveriam estar
preocupados com o fato de o presidente estar recorrendo aos poderes invocados
pela última vez para deter milhares de americanos de origem japonesa em campos
de concentração, um dos momentos mais vergonhosos da história dos EUA",
declarou a organização apartidária em comunicado.
Trump
prometeu lançar a maior onda de deportações da história do país para restaurar
a segurança.
"Ao
invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, instruirei nosso governo a usar
todo o poder da aplicação da lei federal e estadual para eliminar a presença de
todas as gangues e redes criminosas estrangeiras que trazem crimes devastadores
para o território americano, incluindo nossas cidades e centros urbanos",
ele enfatizou.
Desde
que o republicano voltou à Casa Branca em janeiro, o número de batidas e
prisões indiscriminadas aumentou.
De
acordo com dados do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em
inglês), pelo menos 32 mil migrantes foram detidos desde que Trump assumiu o
cargo.
No
entanto, cerca de 23% destas detenções, aproximadamente 9 mil, correspondem a
migrantes legais, sem antecedentes criminais, ou que aguardam processos,
audiências e respostas a solicitações de residência e asilo. O ICE chama estas
detenções de "danos colaterais", conforme noticiou a France 24, rede
de televisão francesa.
Fonte: BBC News Mundo

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