Por que suas
qualidades mais atraentes podem decepcionar seu parceiro
Uma
das palavras mais incomuns acrescentadas ao Dicionário Cambridge da Língua Inglesa em 2024 foi "ick".
Ela
descreve a sensação de observar subitamente algo em um parceiro de um ângulo
diferente e achar aquilo tão repugnante que não pode ser ignorado.
"Ick",
infelizmente, é incurável.
Embora
o termo possa ser usado de forma descontraída, ele mostra que um parceiro pode
ter características desagradáveis, que não são imediatamente óbvias para nós.
Na
verdade, talvez pudéssemos ter considerado essas qualidades muito atraentes no
início do relacionamento. É a chamada
"atração fatal", que ocorre quando uma pessoa começa a não gostar de
aspectos do parceiro que antes a atraíam.
"Ela
não significa 'fatal' no sentido de 'mortal', mas no sentido de
'profética'", explica a psicóloga social social Diane
Felmlee, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
"Gosto
de pensar no termo como indicando uma 'quantidade excessiva' de uma qualidade
atraente", afirma ela. "O desencantamento com um parceiro pode
ocorrer mesmo quando as pessoas conseguem o que elas querem – e, talvez, porque
elas conseguem o que elas querem."
Durante
sua pesquisa, Felmlee perguntou às pessoas quais os motivos que a atraíram
inicialmente a um parceiro, por que elas ficaram insatisfeitas e por que seus
relacionamentos passados terminaram.
A
maioria das pessoas relacionou várias necessidades não atendidas pelo seu
ex-parceiro como razões para o rompimento. Mas Felmlee percebeu que algumas
daquelas necessidades se relacionavam aos motivos que as atraíram inicialmente
àquelas pessoas.
"É uma interpretação diferente da mesma
qualidade", explica ela. "É uma forma negativa de observar uma
característica positiva."
"Tenho aqui um exemplo de alguém que
disse ter sido atraído à sua parceira porque ela era atenciosa. E, depois, ele
se queixou de que ela pedia desculpas demais. Bem, isso parece algo muito
atencioso."
Outros exemplos identificados por Felmlee
incluem alguém que é atraído por uma pessoa que ocupa um cargo de alto poder e
descobre que ela passa tempo demais no trabalho; ou achar um parceiro engraçado
e, depois, reclamar que ele não leva a vida a sério.
Parceiros descontraídos, de fácil
relacionamento, não são confiáveis ou estão sempre atrasados. "O
relacionamento fácil é ótimo, desde que você seja pontual", afirma
Felmlee, rindo.
Da mesma forma, parceiros que são
inicialmente considerados fortes ou poderosos se tornam arrogantes ou
controladores após o rompimento. Pessoas agradáveis passam a ser
influenciáveis. E os bem sucedidos se tornam workaholics.
A atração fatal faz com que, quanto mais
forte for a atração inicial por uma característica específica, mais
provavelmente ela se tornará o motivo de um eventual rompimento.
Mas por que os grandes pontos positivos
acabam sendo o pomo da discórdia?
Em primeiro lugar, talvez aquilo que observamos
inicialmente nos nossos novos ou possíveis parceiros são as qualidades
excepcionais que fazem com que eles se sobressaiam dos demais.
"Nós não descrevemos um parceiro como
'meio prestativo' ou 'um pouco trabalhador'", explica Felmlee. "E,
quanto mais extraordinário ele for, mais provavelmente as pessoas terão aversão
por essas qualidades no futuro."
Ela destaca que também pode haver um elemento
de ingenuidade. Nossa paixão inicial nos cega temporariamente para os possíveis
pontos negativos de uma característica excepcional.
Mas, depois que a empolgação inicial diminui,
ficamos mais conscientes de como essas características podem trazer efeitos
negativos.
Esta reavaliação pode acontecer de forma
sutil ao longo do tempo. A atração fatal pode ser uma percepção que desperta
lentamente, não uma inversão drástica de julgamento.
Casais que ficam juntos por 10 a 21 anos
apresentam os menores níveis de ajuste do relacionamento.
Isso significa que, nessa fase, eles têm mais
dificuldade de resolver conflitos e se ajustar a novas dificuldades, ou alterar
suas expectativas em relação ao parceiro.
Reavaliar a satisfação no relacionamento é
importante porque prevê muitos aspectos da vida, segundo a psicóloga Samantha
Joel, da Universidade Western em Ontário, no Canadá.
Pessoas em relacionamentos infelizes têm
saúde física mais fraca, pressão sanguínea mais alta, maior risco de prejuízos
à saúde mental e maior desequilíbrio entre a vida e o trabalho, entre muitos
outros problemas.
Uma medida simples da satisfação com o
relacionamento é a chamada teoria da troca social.
Ela consiste em comparar as recompensas que
recebemos por estarmos com um parceiro, como a quantidade de alegria, se nos
sentimos valorizados, sua beleza ou dinheiro, com os custos, como os conflitos,
possíveis sofrimentos ou investimentos financeiros.
As pessoas empregam a teoria da troca social
de duas formas.
A primeira é comparar o relacionamento atual
com os anteriores. Nós consideramos que um relacionamento é menos satisfatório
se ele ficar abaixo do padrão que esperamos atingir com base nas nossas
experiências anteriores.
A outra comparação que podemos fazer é com as
opções disponíveis para nós atualmente. Podemos rejeitar possíveis parceiros,
mesmo se acharmos que os sinais são promissores, se percebermos que podemos ter
melhores possibilidades com outras pessoas.
Estes cálculos irão variar de pessoa para
pessoa. Casais do mesmo sexo, por exemplo, provavelmente enfrentam custos de
relacionamento mais altos devido à discriminação e à homofobia. E, dependendo
de onde você morar, pode haver menos opções de encontros disponíveis para você.
Então, a melhor opção é sermos atraídos por
um parceiro mais comum e com qualidades intermediárias?
"Não acredito nisso", responde
Felmlee. "Provavelmente, a melhor aposta é procurar alguém com
características excepcionais similares às nossas, não com qualidades
medianas."
Casais que possuem alguns traços fundamentais
parecidos têm maior possibilidade de serem bem sucedidos.
Examinando um conjunto de 79 mil casais britânicos,
o indicador mais forte da satisfação no relacionamento é ter idade similar. Mas
outros fatores demográficos, incluindo o grau de formação, crenças políticas ou
religiosas e o uso de substâncias, são fatores importantes para o sucesso do
relacionamento.
Existem também correlações menores, mas ainda
significativas, entre fatores biológicos, como altura e índice de massa
corporal similares.
"Encontramos correlações particularmente
altas em questões como crenças e valores, grau de educação e, com certeza, uso
de substâncias", afirma a estudante de doutorado Tanya Horwitz, da
Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos.
A similaridade parece ser um fator de
fortalecimento, mas a dissimilitude aparentemente só é problema em algumas
circunstâncias. "Uma pequena minoria demonstrou algum sinal de correlação
negativa", segundo ela.
Um exemplo que realmente parece importar é
que as pessoas madrugadoras, de fato, não parecem ser compatíveis com os
notívagos e vice-versa.
Horwitz afirma que duas pessoas muito
diferentes ainda poderão ser atraídas entre si inicialmente, mas têm menos
possibilidade de permanecer juntas a longo prazo.
Os casais do seu estudo eram mais velhos,
casados, moravam juntos ou tinham filhos.
"Foram, de forma geral, pessoas em
relacionamentos bastante sérios ou de longo prazo e acho que isso realmente diz
mais sobre o que compõe uma união longa e não sobre o que forma a atração
inicial", explica ela.
Felmlee alerta que a atração fatal não
precisa determinar o fim do relacionamento. Parceiros que compartilham fortes
características similares podem continuar juntos.
"Estudando a atração fatal, observamos
que é menos comum que as pessoas se queixem das mesmas características que elas
próprias também têm, segundo elas."
Um dos seus entrevistados era um homem mais
velho. Ele contou que foi atraído inicialmente pela sua esposa devido à força
do seu caráter e sua confiança. O lado negativo, segundo ele, é que, às vezes,
ela pode ser teimosa.
"Mas eles ainda estão casados",
afirma Felmlee. "O que acontece aqui? Ele demonstrou consciência de si
próprio e admitiu que também pode ser teimoso. Realmente, foi muito
simpático."
Fonte: BBC Future

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