Os riscos que os "alimentos fakes"
escondem
A alta nos preços dos alimentos, impulsionada
por crises econômicas, mudanças climáticas e especulação de mercado, tem levado
indústrias a reduzir custos para manter a margem de lucro. Dessa forma, cresce
a oferta de produtos que imitam os originais, mas são feitos com ingredientes
mais baratos e com alto teor de aditivos. As mudanças passam muitas vezes
despercebidas pelo consumidor.
Chamados de "alimentos fakes", eles
se parecem com produtos tradicionais, mas são misturas ou apresentam
composições diferentes dos originais. Recentemente, o "pó para preparo de
bebida à base de café" ganhou destaque nas redes sociais, sendo apelidado
de "café fake" ou "cafake". Em reação, a Associação
Brasileira da Indústria de Café (ABIC) alertou os supermercados e demais
varejistas sobre a irregularidade do comércio de misturas ilegais e recomendou
o não consumo de tais produtos pela população, diante do risco à saúde.
A bebida não é a única afetada. Produtos como
composto lácteo, que imitam leite, ou bebida láctea que imitam iogurte, também
estão à venda em diversos locais.
"O principal problema está na composição
desses produtos, que geralmente são de qualidade inferior e, muitas vezes,
classificados como alimentos ultraprocessados", explica Amanda da Silva
Franco, professora adjunta do Departamento de Nutrição Social do Instituto de
Nutrição da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
"Muitos desses produtos contêm gorduras
vegetais hidrogenadas, que são fontes de gorduras trans, associadas ao aumento
do risco de doenças cardiovasculares", acrescenta Silva Franco, que também
é pesquisadora do Núcleo de Alimentação e Nutrição em Políticas Públicas
(Nucane).
• Fake
x original
Nas prateleiras dos supermercados, produtos
com embalagens semelhantes podem levar o consumidor ao erro. Para garantir
escolhas alimentares mais conscientes e evitar comprar gato por lebre, os
consumidores devem se familiarizar com a lista de ingredientes dos produtos.
Elementos como açúcar, amido modificado, gordura vegetal e aditivos como
aromatizantes ou espessantes indicam que o alimento é ultraprocessado.
No caso do café, misturas com cereais ou
milho torrado podem ser sinais de um produto falso. O café solúvel é feito a
partir do café puro, que passa por um processo de desidratação para virar pó ou
grânulos que se dissolvem na água. As misturas costumam ser mais baratas e ter
um sabor semelhante ao café, mas sem a mesma concentração de cafeína.
"Evite produtos que contenham termos
como ‘bebida à base de café' ou ‘pó sabor café', pois esses podem não ser
compostos exclusivamente por grãos de café", alerta Silva Franco.
O presidente da ABIC, Pavel Cardoso, reforça
a importância de conferir a certificação ao adquirir café. Ele também alerta
para a desconfiança em relação a preços muito baixos, que podem ser um sinal de
fraude, especialmente quando o valor é bem inferior ao praticado no mercado.
"É preciso também observar a marca, ela é conhecida? Está imitando alguma
marca renomada? Desconfie."
• Tipo,
estilo ou sabor
Já o leite é um produto puro, enquanto a
bebida láctea mistura leite com soro, açúcares e espessantes, o que altera sua
composição e reduz o teor de cálcio e proteínas. Isso a torna mais barata, mas
com menos nutrientes do que a bebida pura.
O mesmo pode ocorrer com o leite em pó. Neste
alimento não há adição de outros ingredientes que não seja o leite. "Em
alguns casos apenas há a adição de lecitina de soja em leite em pó instantâneo.
Já nos compostos lácteos em pó, encontram-se outros ingredientes como soro de
leite em pó, maltodextrina, lipídeos de origem vegetal, dentre outros
aditivos", destaca Adriane Kulibaba, nutricionista clínica do Hospital
Angelina Caron, em Curitiba.
Processo semelhante acontece com o iogurte,
que passa por fermentação e contém probióticos, enquanto algumas bebidas
lácteas chamadas de "iogurte sabor morango" podem ter menos leite
fermentado e mais aditivos. "A bebida láctea é obtida do leite fermentado
com até 51% de soro de leite e pode ter adição de polpa ou suco de fruta, amido
de milho e leite em pó", diz Kulibaba.
Termos como "tipo",
"estilo" ou "sabor" indicam produtos que imitam os
originais, mas não seguem os mesmos processos de produção.
• Riscos
à saúde
O consumo frequente de alimentos
ultraprocessados e ditos como fakes pode trazer impactos significativos à
saúde, especialmente para grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos e
pessoas com menor poder aquisitivo. Esses produtos, frequentemente ricos em
açúcares, gorduras, sódio e aditivos, podem comprometer a absorção de
nutrientes essenciais e favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas.
No caso das crianças, a fase de crescimento
exige uma alimentação equilibrada, com fontes adequadas de proteínas, cálcio,
ferro e vitaminas. A substituição de alimentos naturais por produtos
ultraprocessados, como bebidas lácteas e compostos alimentares, pode prejudicar
o desenvolvimento ósseo e cognitivo.
"O excesso de açúcar está associado ao
aumento da obesidade infantil, resistência à insulina e maior risco de cáries
dentárias. Alguns aditivos presentes nesses alimentos também podem afetar o
comportamento, contribuindo para quadros de hiperatividade", afirma Silva
Franco.
Entre os idosos, a redução da capacidade de
absorção de nutrientes torna essencial a ingestão de alimentos ricos em
proteínas e minerais. Produtos como composto lácteo no lugar do leite ou
misturas de café de baixa qualidade podem impactar negativamente a saúde óssea
e cardiovascular.
O alto teor de sódio dos ultraprocessados
também pode agravar problemas como hipertensão e doenças cardíacas. Além disso,
espessantes e conservantes presentes nesses alimentos podem afetar a microbiota
intestinal e dificultar a digestão.
"A fragilidade do sistema imunológico
também torna os idosos mais suscetíveis a infecções, que podem ser exacerbadas
por uma alimentação inadequada", reforça Brenda Goes, nutricionista
clínica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS).
Por fim, o consumo excessivo pode levar ainda
a um ciclo de má alimentação, especialmente para pessoas em situação de
vulnerabilidade. "Alimentos ‘fake' costumam ser mais baratos e acessíveis,
o que leva muitas famílias a consumi-los em substituição aos alimentos
naturais", destaca Silva Franco.
• Alternativas
naturais
Diante desses produtos falsos, existem
alternativas naturais e seguras que podem oferecer melhor custo-benefício.
"Café, leite em pó e queijos podem ser mais baratos quando comprados em
maior quantidade, a granel. Preferir marcas regionais e produtos locais também
podem ter menor custo e maior qualidade. Evite pagar por embalagem e marketing",
destaca a professora da UERJ.
Fonte: DW Brasil

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