Origem da vida: 'microrraios' em gotas d'água
são nova hipótese, diz estudo
Cientistas anunciaram nesta sexta-feira (14)
uma descoberta que pode reescrever nossa compreensão sobre o surgimento da vida
no nosso planeta.
De acordo com pesquisadores da Universidade
de Stanford, o segredo para o início desse processo pode estar escondido num
fenômeno comum e cotidiano: gotas d'água.
Pequenas faíscas elétricas — apelidadas de
"microrraios" — que saltam entre essas gotículas de água podem ter
criado as primeiras moléculas orgânicas necessárias para o desenvolvimento da
vida na Terra, de acordo com o estudo.
A revelação, publicada na prestigiada revista
científica "Science Advances", questiona a ideia tradicional de que
foram grandes tempestades com raios poderosos que desencadearam esse processo
de formação de organismos.
"Vimos que essas faíscas minúsculas têm
energia para quebrar moléculas ou deixá-las mais reativas. Com isso, as reações
químicas acontecem com mais facilidade, [ajudando a formar os tijolos da
vida]", explica ao g1 Richard Zare, professor de Ciências Naturais e
Química na Universidade de Stanford e principal autor do estudo.
🌌🔬ENTENDA: Os chamados tijolos fundamentais da vida são os elementos
essenciais para os seres vivos: carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio,
fósforo e enxofre (CHNOPS). Eles vêm do espaço, foram formados em estrelas e se
espalharam pelo Universo.
Entender esse processo é importante porque,
por bilhões de anos após sua formação, os cientistas acreditam que a Terra
tinha uma mistura de produtos químicos, mas quase nenhuma molécula orgânica com
ligações carbono-nitrogênio, que são essenciais para proteínas, enzimas, ácidos
nucleicos, clorofila e outros compostos que constituem os seres vivos hoje.
E o que a equipe de Zare descobriu é que
quando a água se quebra em gotas — como acontece naturalmente em cachoeiras,
ondas do mar ou mesmo numa chuva forte — algo especial acontece.
➕ ➖ As gotas maiores tendem a ficar carregadas
positivamente, enquanto as menores desenvolvem carga negativa. Quando essas
gotas com cargas opostas se aproximam, pequenas faíscas
elétricas saltam entre elas.
"É como um relâmpago em miniatura, algo
que acontece constantemente na natureza, mas que é quase invisível aos nossos
olhos", conta Zare.
"E essas pequenas faíscas carregam
energia suficiente para transformar elementos químicos simples em moléculas
orgânicas complexas, os tijolos fundamentais da vida", acrescenta.
• Borrifador
e faíscas elétricas
Para chegar a essa conclusão, os cientistas
realizaram um experimento relativamente simples, mas que criou um ambiente
complexo que simulava as condições da Terra primitiva.
Para isso, eles usaram um borrifador comum
para criar gotas de água em temperatura ambiente e as pulverizaram em uma
câmara contendo uma mistura de gases que estavam presentes na atmosfera da
Terra há bilhões de anos: nitrogênio, metano, dióxido de carbono e amônia.
O resultado foi surpreendente: as gotículas
de água, ao interagirem umas com as outras, produziram espontaneamente
moléculas orgânicas importantes, incluindo cianeto de hidrogênio, o aminoácido
glicina e até mesmo uracil — um componente essencial do RNA, molécula
fundamental para a vida como conhecemos.
Agora capturar essas minúsculas faíscas
elétricas entre as gotas é que não foi nada fácil, pois a equipe precisou usar
câmeras especiais de alta velocidade.
"Essas faíscas são tão rápidas e
pequenas que passam despercebidas a olho nu. Foi um verdadeiro desafio técnico
conseguir registrá-las", explica Zare.
• Hipótese
Miller-Urey
O fato é que essa descoberta adiciona uma
nova perspectiva à famosa hipótese Miller-Urey, proposta há mais de 70 anos.
Em 1952, os cientistas Stanley Miller e
Harold Urey realizaram um experimento pioneiro: aplicaram descargas elétricas
(simulando raios) em uma mistura de água e gases simples, conseguindo produzir
aminoácidos — moléculas também essenciais para a vida.
No entanto, essa teoria sempre enfrentou
críticas. Os críticos sempre questionaram: como raios, que são eventos
relativamente raros e aleatórios, poderiam criar quantidade suficiente de
moléculas orgânicas? E como essas moléculas não se dispersariam rapidamente nos
oceanos?
Por isso, a pesquisa de Zare oferece uma
resposta elegante para essas questões. Ela diz que, em vez de depender de raios
ocasionais, a natureza pode ter utilizado bilhões de microrraios contínuos,
ocorrendo em todo lugar onde a água se quebrava em gotas.
A diferença é que, enquanto eles
[Miller-Urey] usaram descargas elétricas em uma lâmpada, vimos que pequenas
faíscas podem ocorrer entre gotículas de água carregadas. Isso torna a formação
de moléculas mais viável, já que raios são eventos raros e dispersam
rapidamente os compostos. Já as gotículas estão por toda parte e seus produtos
podem se acumular em rochas, passando por ciclos de umidade que favorecem
reações químicas mais complexas.
— Richard Zare, professor de Ciências
Naturais e Química na Universidade de Stanford.
Zare conta ainda que agora está planejando
novos experimentos para explorar como diferentes condições ambientais poderiam
influenciar este processo.
Um estudo relacionado, recentemente publicado
por sua equipe, mostrou que ciclos de umedecimento e secagem — como os que
ocorreriam naturalmente em poças expostas ao sol — fazem com que nucleotídeos
(componentes básicos do DNA e RNA) se unam formando longas cadeias moleculares.
"Toda a química que observamos já havia
sido observada antes no famoso experimento de Miller-Urey. Não estamos
relatando nenhuma química nova. Mas o que Miller e Urey fizeram foi criar uma
descarga elétrica em uma ampola. Nós descobrimos que a descarga elétrica ocorre
em uma escala muito menor entre microgotas de água com cargas opostas",
esclarece o cientista.
Fonte: g1

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