Nuno Vasconcellos: É hora de endurecer o jogo
Por maior que tenha sido a eficiência da
Polícia Civil do Rio de Janeiro, que em uma operação realizada na quinta-feira
passada deteve mais de 600 foragidos com mandados de prisão expedidos pela
Justiça, ainda é cedo para comemorar a retirada desses criminosos de
circulação. Por duas razões. A primeira: por mais espantoso que pareçam essas
seis centenas, há milhares de outros bandidos condenados que andam por aí,
livres, leves e soltos, e cometem crimes todos os dias, como se não tivessem
contas a acertar com a sociedade. A segunda: os que foram alcançados agora
podem ser postos em liberdade amanhã ou depois.
A comemoração, portanto, precisa esperar. E
só deve ter início caso fique claro que essa turma da pesada ficará fora de
circulação até quitar suas pendências com a sociedade — o que, convenhamos, é
uma raridade no Brasil. Seja como for, e a despeito de seu sucesso evidente, a
operação expõe uma certeza no que diz respeito ao combate ao crime. Quanto mais
se faz, mais há o que fazer. Ela expõe, também, uma dúvida: quem é responsável
pela situação vexatória que deixa soltos criminosos que deveriam estar privados
da liberdade?
Antes de prosseguir, é bom deixar claro: em
muitas vezes, a menor parte da culpa por essa chaga nacional é da Polícia. O
relato (quase um desabafo) do delegado Felipe Curi, secretário da Polícia Civil
do Rio, em entrevista coletiva concedida na tarde de quinta-feira, dá a
entender que não há garantias de que os criminosos presos na quinta-feira
permanecerão atrás das grades. Existe o receio de que muitos dos que foram
presos agora sequer cheguem a esquentar lugar nos catres de suas celas.
“A gente prende, e prende muito, tira essas
pessoas de circulação, mas o essencial é que elas permaneçam presas. Ontem
(quarta-feira), fizemos uma operação importante e retiramos uma quadrilha que
estava aterrorizando a Zona Sul. O maior ladrão da Zona Sul foi preso. Ele já
havia sido preso em 2022, 2023, 2024 e foi preso novamente em 2025. O problema
não é de polícia, o problema é uma legislação branda, que permite que os
marginais voltem.”
HARMONIZAÇÃO FACIAL
O secretário se referia a Maurício Bandeira
Lage. Ele é “especialista” em cometer assaltos a residências e submeter suas
vítimas a situações violentas e vexatórias em ações criminosas nos bairros
cariocas de Botafogo, Catete, Copacabana, Flamengo, Lagoa e Santa Teresa. Por
mais perigoso que seja, Lage circulava por aí com uma tornozeleira eletrônica
em pleno funcionamento — detalhe que não o impediu de seguir cometendo seus
crimes com a desenvoltura de quem se encosta no balcão de um bar e pede um
chope sem colarinho...
Tomara que desta vez seja diferente! A
operação da quinta-feira foi planejada ao longo de dois meses pela Polícia
Civil. Contou com o trabalho de mais de dois mil policiais e, mesmo tendo
cumprido centenas de mandados de prisão, não foi ilustrada com aquelas imagens
espetaculosas de troca de tiros que costumam ser mostradas com estardalhaço nos
programas de TV.
Aliás, a maioria dos 600 presos era do tipo
que, na gíria, costuma ser tratado como “peixe pequeno”. Entre os presos, o
mais “graduado”, conforme divulgado pela Polícia, foi Luís Carlos Lomba, ligado
a um bando criminoso que tem presença destacada na comunidade da Maré. Ele foi
abordado pela Polícia enquanto realizava uma consulta para um procedimento de
harmonização facial numa clínica de estética no interior do estado.
Embora não tenha chegado aos traficantes mais
graúdos, que estão no topo das pirâmides que lideram o comércio de drogas na capital,
na Região Metropolitana e na Baixada Fluminense, a operação atingiu pontos
sensíveis das facções que dominam o tráfico. E o fato de ter ficado restrita à
base da pirâmide da criminalidade não a torna menos importante. Entre os presos
estão bandidos que mantêm em movimento a roda que acabou fazendo de cada facção
um conglomerado subdividido em várias atividades criminosas.
LADEIRA ACIMA
Há bandidos “especializados” em roubos de
carros, em assaltos a residências e estabelecimentos comerciais e em roubo de
cargas. Há grupos que atuam na receptação e distribuição de mercadorias
roubadas, na prática de extorsão, na guarda e manutenção de armamentos, no
contrabando de armas e munições e assim por diante. Cada um em sua função,
todos estão inseridos numa cadeia de comando com funções e hierarquia
definidas. E executam tarefas que, embora não pareçam ter relações umas com as
outras, ajudam a “gerar caixa” para financiar a maior e mais lucrativa operação
do crime organizado: o tráfico internacional de drogas.
Num cenário como esse, tomara que o esforço
da Polícia Civil para tirar de circulação criminosos que não deveriam estar
soltos não tenha seu impacto reduzido pela libertação prematura desses presos.
Seja como for, todos os que cobram da Polícia mais eficiência precisam estar
preparados para a dura realidade: combater o crime no Brasil é um trabalho que
lembra a punição de Sísifo, da mitologia grega. Se envolver nessa tarefa é como
empurrar uma rocha morro acima. Quando se imagina estar perto do topo, a pedra
escapa, rola para o pé do morro e precisa ser empurrada mais uma vez. Até
escorregar novamente e, mais uma vez, rolar ladeira abaixo. O trabalho é pesado
e nunca termina.
LIMITE DA PACIÊNCIA
Num cenário em que os criminosos estão sempre
na dianteira, a situação parece conspirar contra o sucesso do combate à
criminalidade. O país tem uma legislação permissiva e conta com um aparato
judicial que parece ter como principal função impedir que os criminosos paguem
pelos seus atos. Há casos escandalosos de corrupção dentro das próprias
polícias e do próprio Judiciário. Isso sem falar da ação de ONGs organizadas e
barulhentas, que, a pretexto de defender os “direitos humanos” na verdade lutam
pelo “direito” dos criminosos continuarem roubando, assaltando, assassinando e
cometendo toda espécie de barbaridades. A soma de tudo isso fez da sociedade —
que, por definição, deveria ser protegida pelo Estado — uma vítima mais do que
indefesa, conformada diante dos criminosos.
Isso mesmo! O anúncio feito pelo secretário Felipe
Curi de que o uso de tornozeleira eletrônica por um bandido como Maurício
Bandeira Lage não é suficiente para impedir que ele siga aumentando sua ficha
policial deveria causar indignação nas pessoas. Mas ninguém ficará espantado se
souber que, mesmo representando perigo para a sociedade, ele saiu pela porta da
frente da penitenciária e tratado como se fosse vítima de perseguição.
Essa tem sido a realidade até aqui. A questão
é que, por mais que situações como essa venham se tornando rotineiras no universo
policial e jurídico do país, a sociedade começa a dar sinais de que está
chegando ao limite de sua paciência. Isso mesmo. Ainda que o silêncio da
sociedade em relação ao tratamento frouxo dado ao crime possa ser considerado
uma demonstração de impotência ou de conformismo diante de uma guerra que
parece perdida, ele pode ser interpretado de outra maneira.
O silêncio pode ser interpretado como uma
cobrança para que os governantes coloquem a segurança pública no topo de suas
preocupações. É bom lembrar que, no próximo ano, o Brasil irá às urnas para
escolher o presidente da República, os governadores dos estados, um terço dos
senadores, os deputados federais e os deputados estaduais. Quem pretende
disputar o pleito deve ter estar atento para o fato de que a segurança pública
vem ocupando uma posição cada vez mais destacada entre os critérios de
definição de voto do eleitor.
Como já se percebeu nas eleições municipais
do ano passado, os pensamentos, palavras e obras dos candidatos em relação às
políticas de segurança e ao tratamento que deve ser dado aos criminosos têm
influenciado cada vez mais a agenda do eleitor. Quem quiser vencer uma eleição
precisa ter muito cuidado antes de defender aquela postura frouxa de tratamento
aos bandidos que sempre esteve na pauta do PT e dos partidos de esquerda.
Atenção! Ninguém aqui está defendendo o uso
indiscriminado da violência no combate à criminalidade. O que está sendo dito
com todas as letras é que a sociedade está cansada de assistir ao triunfo da
bandidagem e espera contar com políticos que tratem os bandidos como bandidos —
e não como vítimas! Simples assim.
GRUPO DE ELITE
A ausência de ações concretas e convincentes
pode tornar o clima eleitoral de 2026 desfavorável para os candidatos que não
propuserem medidas concretas contra a criminalidade. É bom ter isso em mente: a
paralisia frente ao crime pode gerar uma rejeição que marqueteiro nenhum, por
mais eficiente que seja, conseguirá reverter numa campanha eleitoral.
Os índices de aprovação do prefeito do Rio de
Janeiro, Eduardo Paes, certamente aumentarão depois do envio à Câmara
Municipal, na semana passada, do projeto que prevê a criação da Força de
Segurança Municipal. O texto propõe o uso de armamentos pelos guardas
municipais — medida que não estava prevista no projeto enviado à Câmara em
fevereiro passado. Agora, o município deverá reunir até 2028, quando termina o
atual mandato municipal, um “grupo de elite” que deverá ter 4.500 homens e
mulheres.
Talvez tenha sido a tentativa de melhorar os
índices de aprovação do governo federal, que vão de mal a pior no quesito
segurança pública, que inspirou o Ministério da Justiça e Segurança Pública a
romper com a habitual inércia e demonstrar alguma disposição de agir em
benefício da população do Rio. Na quinta-feira, mesmo dia em que a Polícia
Civil cumpriu centenas de ordens de prisão, o ministro da pasta, Ricardo
Lewandowski, autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança por 90 dias no
Rio.
Embora a portaria não especifique a
quantidade de agentes que serão destinados ao Rio e apenas diz que os policiais
reforçarão os contingentes da Polícia Federal e das polícias estaduais no
combate ao crime, qualquer reforço é bem-vindo. Na sexta-feira, Lewandowski
anunciou que encaminhará ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda
Constitucional que amplia a presença do governo federal no aparato de segurança
pública. De acordo com a lei atual, essa atribuição é exclusiva dos governos
estaduais.
A intenção da PEC é criar o Sistema Único de
Segurança Pública e dar tratamento constitucional à Força Nacional de Segurança
— criada por Decreto em 2004, no primeiro governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. A proposta prevê, também, a inclusão na Constituição do Fundo
Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário.
A Polícia Federal terá suas atribuições
ampliadas e passará a participar de operações de apoio às polícias estaduais. A
Polícia Rodoviária passará a se chamar Polícia Viária e terá presença mais
ostensiva nos portos e aeroportos do país. Além dessas providências, a PEC
regulamenta e define as funções das guardas municipais — que atuarão no
policiamento urbano sob a tutela do Ministério Público.
Quando a ampliação da participação de
Brasília no trabalho de segurança pública foi proposta, no ano passado, houve
uma reação contrária de governadores, que viram na medida uma tentativa de
reduzir o poder das polícias estaduais e de subordinar o combate à
criminalidade à ideologia do governo federal. De acordo com os defensores de
ações mais efetivas e enérgicas contra os bandidos, a ideia do governo seria
reduzir a autoridade das polícias estaduais e obrigá-las a seguir uma cartilha
que só falta obrigá-las a oferecer rosas e pedir desculpas ao criminoso antes
de lhe dar voz de prisão.
Lewandowski garante que não é essa a
intenção. Muito embora tenha no currículo, desde o tempo que era ministro do
Supremo Tribunal Federal, uma extensa lista de atitudes que a sociedade entende
como simpáticas aos bandidos, desta vez ele promete firmeza. Para um governo
interessado em reverter a queda eloquente em seus índices de popularidade, é
fundamental não contrariar a sociedade nesse ponto.
A motivação eleitoral que parece estar por
trás de todas as decisões recentes do governo federal recomenda que Brasília
passe a agir contra a criminalidade com uma firmeza que nunca demonstrou até
aqui. O que a sociedade deseja são ações que, independentemente da ideologia
dos governantes, demonstrem a disposição real de combate o crime. Medidas que
livrem as pessoas do jugo dos bandidos e as libertem da situação terrível de se
sentirem reféns dentro de suas próprias casas.
¨
MPRJ desmonta central
clandestina de internet operada pelo tráfico em Teresópolis
O Grupo de Atuação Especializada de Combate
ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ) localizou e
interditou uma central clandestina de internet no Complexo PPR, em
Teresópolis. Na ação, que aconteceu nesta sexta-feira (14), uma pessoa foi
presa e diversos equipamentos foram apreendidos.
Segundo o MPRJ, dois dias antes, criminosos
tinham destruído modens e equipamentos das prestadoras regulares de internet na
região por ordem das lideranças do tráfico local.
O objetivo era estabelecer o monopólio de um
serviço ilegal de internet vinculado à organização criminosa, como forma de
gerar lucros adicionais aos bandidos.
Os serviços de inteligência do MPRJ, da
Polícia Militar e da Polícia Civil localizaram a residência onde estavam
instalados os servidores desse provedor clandestino, e encontraram uma extensa
estrutura utilizada para viabilizar o serviço sob o controle do tráfico.
Ainda de acordo com o Ministério Público, as
investigações contra o grupo criminoso seguem acontecendo.
Fonte: O Dia

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