A teoria do louco e a psicologia do blefe por
trás de Trump
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está blefando quando diz que assumirá o
controle do Panamá ou da Groenlândia "de uma
forma ou de outra", ou quando ameaça retirar os EUA da Otan?mTrump costuma usar
metáforas de jogos, apostas e blefes em suas negociações. O exemplo mais
recente foi durante a discussão com o
presidente da Ucrânia, Volodimir
Zelenski, no Salão Oval:
# Trump: "Você
não está em uma boa posição. Você não tem as cartas no momento. Conosco, você
começa a ter cartas."
# Zelenski: "Não
estou jogando cartas."
# Trump: "Sim,
você está jogando cartas. Está jogando com a vida de milhões de pessoas. Está apostando
com a Terceira Guerra Mundial."
O blefe
sempre foi uma ferramenta poderosa de diplomacia. É um truque usado para
influenciar a mente dos outros, geralmente com ameaças de força militar ou
econômica. Saber quando um blefe é uma ameaça real faz parte do jogo. No caso
de Zelenski, Trump ameaçou suspender a ajuda militar e financeira fornecida
pelos EUA à Ucrânia em sua guerra contra a Rússia – o que de fato aconteceu dias depois.
Trump
também não estava blefando em relação à imposição de tarifas comerciais sobre China, União Europeia, México e Canadá. Tampouco sobre
a retirada dos EUA da Organização
Mundial de Saúde (OMS), o corte de verbas para ciência ou a deportação de imigrantes. Verificar se as
ameaças de Trump são vazias ou intencionais é "extremamente
desafiador", observa Seden Akcinaroglu, cientista político da Universidade
de Binghamton, em Nova York. Mas há maneiras de estudar os manuais de
diplomacia para entender suas decisões estratégicas.
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"Teoria
do louco"
Para
que os blefes atinjam seu objetivo de coerção, um líder deve manter uma imagem
crível e consistente de imprevisibilidade. "Até mesmo ameaças
aparentemente vazias podem atingir seus objetivos estratégicos de forma eficaz
se intimidarem os adversários ou reforçarem apoio dentro de seus círculos
eleitorais", diz Akcinaroglu à DW.
Dissuasão
nuclear talvez seja o maior blefe de todos os tempos – a ameaça de lançar
ataques nucleares e a disposição para a destruição mutuamente assegurada
(ironicamente chamada de MAD, na sigla em inglês, que também forma a palavra
"louco") alcançou seu objetivo de evitar uma guerra termonuclear até
o momento. Mas é difícil determinar a sinceridade ou a credibilidade dos blefes
quando os presidentes dos EUA os utilizam, argumenta Akcinaroglu.
Richard Nixon (presidente
americano entre 1969 e 1974) cunhou o termo "teoria do louco" para
descrever sua crença de que criar a percepção de instabilidade mental poderia
contribuir para uma vitória na guerra do Vietnã. "A teoria do louco
é a ideia de que é útil ser visto como louco em uma negociação coercitiva. Isso
é particularmente útil quando o cumprimento das ameaças é muito custoso",
explica Roseanne McManus, cientista política da Universidade Estadual da
Pensilvânia, nos EUA. "Mas é muito difícil distinguir a loucura genuína do
blefe crível", pontua ela à DW.
·
Trump
distribui loucura até para aliados
Todos
os governos dos EUA, desde a Guerra Fria, blefaram e ameaçaram com guerra – nuclear
ou convencional – para atender a seus propósitos estratégicos, ainda que o
objetivo fosse a paz. Pesquisas da ciência política sugerem que, por 80
anos, a Rússia acreditou que
os EUA endossavam essas ameaças de guerra, especialmente se qualquer outro país
membro da aliança militar Otan fosse invadido.
Mas o
que distingue a estratégia louca de Trump da de presidentes americanos
anteriores é o uso do expediente tanto contra adversários quanto contra
aliados, aponta McManus. "Desde o início de seu segundo mandato, Trump
parece estar buscando se aproximar da Rússia em vez de usar uma estratégia de
louco contra a Rússia. Em vez disso, Trump pode estar usando uma estratégia de
louco em relação à Europa", analisa a pesquisadora.
As
ameaças de sair da aliança da Otan vêm acompanhadas de uma sugestão adicional e
velada de que ele pode não defender a Europa contra
futuros ataques russos. Mas ainda não está claro quais são suas reais intenções. A retórica de Trump
carrega uma incerteza que torna difícil para outros países saberem como se
posicionar em relação ao americano.
·
O
que a "teoria do louco" diz sobre Trump?
A
resposta curta é que ela não diz nada – mas esse é o ponto. "Trump está
claramente ciente de sua reputação de louco e a vê como um trunfo. No entanto,
muitas vezes não fica claro para mim se Trump está empregando deliberadamente a
teoria do louco ou se está apenas agindo de acordo com seus impulsos
genuínos", diz McManus.
A
pesquisa de McManus sugere que os líderes que nunca cumprem suas ameaças tendem
a perder sua reputação de loucos. "Se Trump cumprir, mesmo que
ocasionalmente, suas ameaças extremas, como fez recentemente com as tarifas
comerciais, ele provavelmente poderá manter sua reputação de louco",
afirma McManus. E talvez essa seja a maior aposta de Trump – fazer-se de louco
na diplomacia com todos os lados requer que ele sustente essa atitude. Enquanto
isso, aos outros só resta especular.
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Estaria os EUA a caminho de uma recessão?
Durante
sua campanha eleitoral no ano passado, Donald Trump prometeu aos
americanos que conduziria seu país para uma nova era de prosperidade. Dois
meses depois da posse, no entanto, ele pinta um quadro levemente diferente. Trump
afirmou que será difícil reduzir os preços e que o público
deve se preparar para "pequenas perturbações" até que ele possa
trazer de volta a riqueza para os Estados Unidos.
Paralelamente,
os últimos números indicam que a inflação está caindo, mas os analistas afirmam
que as possibilidades de recessão estão aumentando, devido a políticas do
presidente. Afinal, Trump estaria a ponto de deflagrar a recessão da maior
economia do mundo?
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Queda dos mercados e aumento dos riscos de recessão
Nos
Estados Unidos, a recessão é definida como um declínio prolongado e
generalizado da atividade econômica. Ela é tipicamente caracterizada por um
salto do desemprego e queda da renda.Diversos analistas econômicos vêm
alertando nos últimos dias que os riscos deste cenário estão aumentando.
Um
relatório do banco americano JP Morgan calculou a possibilidade de recessão no
país em 40%, acima dos 30% estimados no início deste ano. Ele alerta que a
política dos Estados Unidos está "se afastando do crescimento".
Já o
economista-chefe da Moody's Analytics, Mark Zandi, elevou esta possibilidade de
15% para 35%, mencionando as tarifas de importação (Trump impôs tarifa de 25% sobre
importação de alumínio e aço).
Estas
previsões vieram ao mesmo tempo em que o índice S&P 500, que acompanha 500
das maiores empresas dos Estados Unidos, despencou abruptamente. Agora, ele
caiu para o seu menor nível desde setembro do ano passado, em um sinal de
receio sobre o futuro.
O
presidente impôs novas tarifas sobre produtos dos três maiores parceiros
comerciais dos Estados Unidos e lançou ameaças ainda mais amplas. Os analistas
acreditam que estas medidas irão aumentar os preços e restringir o crescimento
da economia do país. Por enquanto, no entanto, os números mais recentes da
inflação oficial americana demonstram que os aumentos de preços perderam
velocidade em fevereiro. Os preços subiram 2,8% nos últimos 12 meses até
fevereiro, segundo o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Este índice é
menor que os 3% registrados em janeiro.
Ainda
assim, Trump e seus consultores econômicos vêm alertando o público para se
preparar para alguma dificuldade econômica, embora aparentemente rejeitem as
preocupações do mercado. Esta é uma notável mudança em relação ao seu primeiro
mandato (2017-2021), quando o presidente mencionava frequentemente o mercado de
ações como medida do seu próprio sucesso. "Sempre haverá mudanças e
ajustes", declarou ele na semana passada, em resposta aos apelos das
empresas por maior segurança. Esta postura aumentou o receio dos investidores
sobre seus planos.
O banco
de investimentos Goldman Sachs elevou na semana passada sua estimativa da
possibilidade de recessão, de 15% para 20%. A empresa declarou que considera as
mudanças de políticas como o "principal risco" para a economia, mas
ressaltou que a Casa Branca ainda tem "a opção de recuar, se os riscos de
recessão começarem a parecer mais sérios". "Se a Casa Branca
permanecer comprometida com suas políticas, mesmo frente a dados muito piores,
o risco de recessão irá aumentar ainda mais", alertam os analistas da
empresa.
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Tarifas, incertezas e crescimento lento
Para
muitas companhias, a principal interrogação são as tarifas de importação, que
aumentam os custos para as empresas americanas. À medida que Trump apresenta
seus planos de tarifas, muitas empresas, agora, enfrentam margens de lucro
menores. Elas estão postergando investimentos e contratações, enquanto tentam
imaginar como será o futuro. Os investidores também se preocupam com os grandes
cortes de mão de obra do governo e dos gastos governamentais.
O chefe
de estratégia política de Washington do banco de investimentos Stifel, Brian
Gardner, afirma que as empresas e os investidores haviam imaginado que as
tarifas de importação pretendidas por Trump seriam uma ferramenta de
negociação. "Mas o que o presidente e seu gabinete estão sinalizando, na
verdade, é algo muito maior", explica ele. "É uma reestruturação da
economia americana. E isso é o que está conduzindo os mercados nas últimas duas
semanas."
A
economia dos Estados Unidos já enfrentava uma retração. Ela foi causada, em
parte, segundo analistas, pelo Banco Central americano, que manteve as taxas de
juros mais altas para tentar refrear a atividade econômica e estabilizar os
preços. Mas, nas últimas semanas, surgiram dados que indicam um enfraquecimento
mais rápido.
As
vendas no varejo caíram em fevereiro, bem como a confiança – que havia
disparado após a eleição de Trump, em diversas pesquisas entre empresas e
consumidores. E as empresas alertam sobre um recuo das atividades, incluindo as
principais linhas aéreas, os fabricantes e varejistas, como o Walmart e a
Target.
Alguns
analistas receiam que a queda do mercado de ações poderá gerar uma repressão
ainda maior dos gastos, especialmente entre as residências de renda mais alta. Esta
redução poderá trazer um golpe importante para a economia americana, que é
dirigida pelos gastos dos consumidores. Ela passou a ser cada vez mais
dependente dos domicílios mais ricos, já que as famílias de baixa renda
enfrentam a pressão da inflação.
O
presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Jerome Powell,
ofereceu garantias em um discurso na semana passada. Ele destacou que o
sentimento não foi um bom indicador de comportamento nos últimos anos. "Apesar
dos altos níveis de incerteza, a economia dos Estados Unidos continua em boa
posição", segundo ele.
Mas a
economia americana, atualmente, está profundamente ligada ao resto do mundo,
como alerta a diretora de pesquisas da corretora global XTB, Kathleen Brooks. Para
ela, "o fato de que as tarifas podem causar prejuízos, ao mesmo tempo em
que há sinais de que a economia americana está se enfraquecendo de qualquer
forma... realmente alimenta o temor de recessão".
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Bolsa de valores à espera de ajustes
A
incerteza do mercado de ações não é atribuída apenas a Donald Trump. Os
investidores já estavam inquietos com a possibilidade de correções, após os
altos ganhos dos últimos dois anos. Eles foram causados pela forte corrida pelas
ações de tecnologia, alimentada pelo otimismo dos investidores com a
inteligência artificial (IA).
O
fabricante de chips Nvidia, por exemplo, viu o preço de suas ações saltar de
menos de US$ 15 (cerca de R$ 87), no início de 2023, para cerca de US$ 150 (cerca
de R$ 870) em novembro do ano passado. Este tipo de aumento gerou discussões
sobre uma "bolha da IA", com os investidores em total alerta em busca
de sinais do seu rompimento – o que causaria grandes impactos sobre o mercado
de ações, independentemente da dinâmica da economia como um todo. Agora, com as
opiniões mais sombrias sobre a economia americana, está cada vez mais difícil
manter o otimismo sobre a IA.
O
analista de tecnologia Gene Munster, da empresa Deepwater Asset Management,
escreveu recentemente nas redes sociais que seu otimismo "deu um passo
atrás", pois as possibilidades de recessão aumentaram
"sensivelmente" no último mês.
"O
resultado é que, se entrarmos em recessão, será extremamente difícil dar
continuidade à comercialização da IA", alertou ele.
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A escalada de tensão que faz valor do ouro bater recorde
O preço
do ouro atingiu a marca
de US$ 3.000 (R$ 17.000) por onça (31 gramas) pela primeira vez na história, à
medida que a demanda pelo metal precioso aumenta em meio à incerteza econômica
sobre o impacto de uma guerra comercial global.
O ouro
atingiu um recorde de US$ 3.004,86 por onça nesta sexta-feira (14/3), com os
preços subindo 14% desde o início de 2025.
O ouro é
visto como um ativo mais seguro pelos investidores e é frequentemente procurado
em tempos de instabilidade econômica.
A
crescente guerra comercial entre os Estados Unidos e muitos de seus maiores
parceiros comerciais agitou os mercados financeiros e levantou preocupações
sobre o impacto nas economias e consumidores
em todo o mundo.
A
implantação de tarifas nos Estados Unidos sobre produtos importados do exterior
alimentou temores de inflação de preços, o que levou os investidores recorrerem
ao ouro.
Quando
tarifas são impostas a produtos, as empresas enfrentam custos extras, que devem
ser repassados por meio de aumento
nos preços dos produtos vendidos aos consumidores - aumentando o
custo de vida.
Na
quinta-feira (13/3), o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou implantar uma
tarifa de 200% sobre qualquer álcool que entre nos Estados Unidos a partir da
União Europeia (UE), na mais recente reviravolta da guerra comercial.
O
anúncio foi uma resposta aos planos da UE de criar um imposto de 50% sobre as
importações de uísque produzido nos Estados Unidos como parte da primeira
retaliação do bloco às tarifas gerais de Trump sobre todas as importações de aço e alumínio para
os EUA de qualquer país.
O
presidente dos EUA também aumentou as taxas sobre as importações chinesas para
os EUA para pelo menos 20%.
"Em
um cenário de incerteza geopolítica e mudanças tarifárias em andamento, o
apetite por ouro continua forte", diz Suki Cooper, analista de metais
preciosos do Standard Chartered.
Victoria
Hasler, chefe de pesquisa de fundos da Hargreaves Lansdown, sugeriu que havia
dois principais impulsionadores por trás do atual aumento do preço do ouro.
"Entre
as tarifas de Trump e os comentários nas redes sociais, além das tensões em
andamento no Oriente Médio e na Rússia/Ucrânia, a incerteza é alta e parece
estar aumentando", disse ela.
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Incertezas mexem com mercado
O
segundo grande impulsionador foram os bancos centrais comprando ouro, disse
Hasler. Mas as razões exatas para isso eram difíceis de determinar. "É
provavelmente seguro assumir que pelo menos parte do motivo seja o desejo de
diversificar as reservas para longe dos dólares americanos.
"Ambos
os fatores acima permanecem intactos e não consigo vê-los diminuindo num futuro
próximo."
Picos e
quedas no preço do ouro ocorreram em alguns dos principais momentos da história
econômica. No início da crise financeira global em 2007, os investidores
compraram ouro como um ativo de refúgio, o que levou a um aumento em seu preço.
Russ
Mould, diretor de investimentos da AJ Bell, citou números do World Gold Council
(Conselho Mundial do Ouro), que mostraram que os bancos centrais adicionaram
cerca de 1.045 toneladas de ouro às suas reservas em 2024 - o terceiro ano
consecutivo em que mais de 1.000 toneladas foram compradas.
Ele
disse que estávamos em uma "era em que o ouro está realmente começando a
brilhar".
Desde
que o metal caiu abaixo de US$ 1.200 (R$ 6870) por onça no final de 2018, Mould
disse que os preços "marcharam inexoravelmente mais alto",
impulsionados por vários fatores, incluindo a pandemia de covid-19 e maiores
déficits, levando investidores a "se aquecerem para o ouro mais uma
vez".
"Qual
dessas questões é agora o principal impulsionador do renascimento do ouro é
difícil de adivinhar, especialmente porque as tarifas de Donald Trump estão
provocando um debate sobre o quão inflacionárias (ou estagflacionárias) elas
podem provar ser. E quão eficazes elas podem ser no financiamento dos cortes de
impostos esperados pelo novo presidente dos EUA", disse ele.
Fonte: DW Brasil/BBC News

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