segunda-feira, 17 de março de 2025

A teoria do louco e a psicologia do blefe por trás de Trump

O presidente dos Estados UnidosDonald Trump, está blefando quando diz que assumirá o controle do Panamá ou da Groenlândia "de uma forma ou de outra", ou quando ameaça  retirar os EUA da Otan?mTrump costuma usar metáforas de jogos, apostas e blefes em suas negociações. O exemplo mais recente foi durante a discussão com o presidente da UcrâniaVolodimir Zelenski, no Salão Oval:

# Trump: "Você não está em uma boa posição. Você não tem as cartas no momento. Conosco, você começa a ter cartas."

# Zelenski: "Não estou jogando cartas."

# Trump: "Sim, você está jogando cartas. Está jogando com a vida de milhões de pessoas. Está apostando com a Terceira Guerra Mundial."

O blefe sempre foi uma ferramenta poderosa de diplomacia. É um truque usado para influenciar a mente dos outros, geralmente com ameaças de força militar ou econômica. Saber quando um blefe é uma ameaça real faz parte do jogo. No caso de Zelenski, Trump ameaçou suspender a ajuda militar e financeira fornecida pelos EUA à Ucrânia em sua guerra contra a Rússia – o que de fato aconteceu dias depois.

Trump também não estava blefando em relação à imposição de tarifas comerciais sobre ChinaUnião EuropeiaMéxico e Canadá. Tampouco sobre a retirada dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS), o corte de verbas para ciência ou a deportação de imigrantes. Verificar se as ameaças de Trump são vazias ou intencionais é "extremamente desafiador", observa Seden Akcinaroglu, cientista político da Universidade de Binghamton, em Nova York. Mas há maneiras de estudar os manuais de diplomacia para entender suas decisões estratégicas.

·        "Teoria do louco"

Para que os blefes atinjam seu objetivo de coerção, um líder deve manter uma imagem crível e consistente de imprevisibilidade. "Até mesmo ameaças aparentemente vazias podem atingir seus objetivos estratégicos de forma eficaz se intimidarem os adversários ou reforçarem apoio dentro de seus círculos eleitorais", diz Akcinaroglu à DW.

Dissuasão nuclear talvez seja o maior blefe de todos os tempos – a ameaça de lançar ataques nucleares e a disposição para a destruição mutuamente assegurada (ironicamente chamada de MAD, na sigla em inglês, que também forma a palavra "louco") alcançou seu objetivo de evitar uma guerra termonuclear até o momento. Mas é difícil determinar a sinceridade ou a credibilidade dos blefes quando os presidentes dos EUA os utilizam, argumenta Akcinaroglu.

Richard Nixon (presidente americano entre 1969 e 1974) cunhou o termo "teoria do louco" para descrever sua crença de que criar a percepção de instabilidade mental poderia contribuir para uma vitória na guerra do Vietnã.  "A teoria do louco é a ideia de que é útil ser visto como louco em uma negociação coercitiva. Isso é particularmente útil quando o cumprimento das ameaças é muito custoso", explica Roseanne McManus, cientista política da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA. "Mas é muito difícil distinguir a loucura genuína do blefe crível", pontua ela à DW.

·        Trump distribui loucura até para aliados

Todos os governos dos EUA, desde a Guerra Fria, blefaram e ameaçaram com guerra – nuclear ou convencional – para atender a seus propósitos estratégicos, ainda que o objetivo fosse a paz.  Pesquisas da ciência política sugerem que, por 80 anos, a Rússia acreditou que os EUA endossavam essas ameaças de guerra, especialmente se qualquer outro país membro da aliança militar Otan fosse invadido. 

Mas o que distingue a estratégia louca de Trump da de presidentes americanos anteriores é o uso do expediente tanto contra adversários quanto contra aliados, aponta McManus. "Desde o início de seu segundo mandato, Trump parece estar buscando se aproximar da Rússia em vez de usar uma estratégia de louco contra a Rússia. Em vez disso, Trump pode estar usando uma estratégia de louco em relação à Europa", analisa a pesquisadora.

As ameaças de sair da aliança da Otan vêm acompanhadas de uma sugestão adicional e velada de que ele pode não defender a Europa contra futuros ataques russos. Mas ainda não está claro quais são suas reais intenções. A retórica de Trump carrega uma incerteza que torna difícil para outros países saberem como se posicionar em relação ao americano.  

·        O que a "teoria do louco" diz sobre Trump?

A resposta curta é que ela não diz nada – mas esse é o ponto. "Trump está claramente ciente de sua reputação de louco e a vê como um trunfo. No entanto, muitas vezes não fica claro para mim se Trump está empregando deliberadamente a teoria do louco ou se está apenas agindo de acordo com seus impulsos genuínos", diz McManus.

A pesquisa de McManus sugere que os líderes que nunca cumprem suas ameaças tendem a perder sua reputação de loucos.  "Se Trump cumprir, mesmo que ocasionalmente, suas ameaças extremas, como fez recentemente com as tarifas comerciais, ele provavelmente poderá manter sua reputação de louco", afirma McManus. E talvez essa seja a maior aposta de Trump – fazer-se de louco na diplomacia com todos os lados requer que ele sustente essa atitude. Enquanto isso, aos outros só resta especular. 

¨      Estaria os EUA a caminho de uma recessão?

Durante sua campanha eleitoral no ano passado, Donald Trump prometeu aos americanos que conduziria seu país para uma nova era de prosperidade. Dois meses depois da posse, no entanto, ele pinta um quadro levemente diferente. Trump afirmou que será difícil reduzir os preços e que o público deve se preparar para "pequenas perturbações" até que ele possa trazer de volta a riqueza para os Estados Unidos.

Paralelamente, os últimos números indicam que a inflação está caindo, mas os analistas afirmam que as possibilidades de recessão estão aumentando, devido a políticas do presidente. Afinal, Trump estaria a ponto de deflagrar a recessão da maior economia do mundo?

<><> Queda dos mercados e aumento dos riscos de recessão

Nos Estados Unidos, a recessão é definida como um declínio prolongado e generalizado da atividade econômica. Ela é tipicamente caracterizada por um salto do desemprego e queda da renda.Diversos analistas econômicos vêm alertando nos últimos dias que os riscos deste cenário estão aumentando.

Um relatório do banco americano JP Morgan calculou a possibilidade de recessão no país em 40%, acima dos 30% estimados no início deste ano. Ele alerta que a política dos Estados Unidos está "se afastando do crescimento".

Já o economista-chefe da Moody's Analytics, Mark Zandi, elevou esta possibilidade de 15% para 35%, mencionando as tarifas de importação (Trump impôs tarifa de 25% sobre importação de alumínio e aço).

Estas previsões vieram ao mesmo tempo em que o índice S&P 500, que acompanha 500 das maiores empresas dos Estados Unidos, despencou abruptamente. Agora, ele caiu para o seu menor nível desde setembro do ano passado, em um sinal de receio sobre o futuro.

O presidente impôs novas tarifas sobre produtos dos três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos e lançou ameaças ainda mais amplas. Os analistas acreditam que estas medidas irão aumentar os preços e restringir o crescimento da economia do país. Por enquanto, no entanto, os números mais recentes da inflação oficial americana demonstram que os aumentos de preços perderam velocidade em fevereiro. Os preços subiram 2,8% nos últimos 12 meses até fevereiro, segundo o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Este índice é menor que os 3% registrados em janeiro.

Ainda assim, Trump e seus consultores econômicos vêm alertando o público para se preparar para alguma dificuldade econômica, embora aparentemente rejeitem as preocupações do mercado. Esta é uma notável mudança em relação ao seu primeiro mandato (2017-2021), quando o presidente mencionava frequentemente o mercado de ações como medida do seu próprio sucesso. "Sempre haverá mudanças e ajustes", declarou ele na semana passada, em resposta aos apelos das empresas por maior segurança. Esta postura aumentou o receio dos investidores sobre seus planos.

O banco de investimentos Goldman Sachs elevou na semana passada sua estimativa da possibilidade de recessão, de 15% para 20%. A empresa declarou que considera as mudanças de políticas como o "principal risco" para a economia, mas ressaltou que a Casa Branca ainda tem "a opção de recuar, se os riscos de recessão começarem a parecer mais sérios". "Se a Casa Branca permanecer comprometida com suas políticas, mesmo frente a dados muito piores, o risco de recessão irá aumentar ainda mais", alertam os analistas da empresa.

<><> Tarifas, incertezas e crescimento lento

Para muitas companhias, a principal interrogação são as tarifas de importação, que aumentam os custos para as empresas americanas. À medida que Trump apresenta seus planos de tarifas, muitas empresas, agora, enfrentam margens de lucro menores. Elas estão postergando investimentos e contratações, enquanto tentam imaginar como será o futuro. Os investidores também se preocupam com os grandes cortes de mão de obra do governo e dos gastos governamentais.

O chefe de estratégia política de Washington do banco de investimentos Stifel, Brian Gardner, afirma que as empresas e os investidores haviam imaginado que as tarifas de importação pretendidas por Trump seriam uma ferramenta de negociação. "Mas o que o presidente e seu gabinete estão sinalizando, na verdade, é algo muito maior", explica ele. "É uma reestruturação da economia americana. E isso é o que está conduzindo os mercados nas últimas duas semanas."

A economia dos Estados Unidos já enfrentava uma retração. Ela foi causada, em parte, segundo analistas, pelo Banco Central americano, que manteve as taxas de juros mais altas para tentar refrear a atividade econômica e estabilizar os preços. Mas, nas últimas semanas, surgiram dados que indicam um enfraquecimento mais rápido.

As vendas no varejo caíram em fevereiro, bem como a confiança – que havia disparado após a eleição de Trump, em diversas pesquisas entre empresas e consumidores. E as empresas alertam sobre um recuo das atividades, incluindo as principais linhas aéreas, os fabricantes e varejistas, como o Walmart e a Target.

Alguns analistas receiam que a queda do mercado de ações poderá gerar uma repressão ainda maior dos gastos, especialmente entre as residências de renda mais alta. Esta redução poderá trazer um golpe importante para a economia americana, que é dirigida pelos gastos dos consumidores. Ela passou a ser cada vez mais dependente dos domicílios mais ricos, já que as famílias de baixa renda enfrentam a pressão da inflação.

O presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Jerome Powell, ofereceu garantias em um discurso na semana passada. Ele destacou que o sentimento não foi um bom indicador de comportamento nos últimos anos. "Apesar dos altos níveis de incerteza, a economia dos Estados Unidos continua em boa posição", segundo ele.

Mas a economia americana, atualmente, está profundamente ligada ao resto do mundo, como alerta a diretora de pesquisas da corretora global XTB, Kathleen Brooks. Para ela, "o fato de que as tarifas podem causar prejuízos, ao mesmo tempo em que há sinais de que a economia americana está se enfraquecendo de qualquer forma... realmente alimenta o temor de recessão".

<><> Bolsa de valores à espera de ajustes

A incerteza do mercado de ações não é atribuída apenas a Donald Trump. Os investidores já estavam inquietos com a possibilidade de correções, após os altos ganhos dos últimos dois anos. Eles foram causados pela forte corrida pelas ações de tecnologia, alimentada pelo otimismo dos investidores com a inteligência artificial (IA).

O fabricante de chips Nvidia, por exemplo, viu o preço de suas ações saltar de menos de US$ 15 (cerca de R$ 87), no início de 2023, para cerca de US$ 150 (cerca de R$ 870) em novembro do ano passado. Este tipo de aumento gerou discussões sobre uma "bolha da IA", com os investidores em total alerta em busca de sinais do seu rompimento – o que causaria grandes impactos sobre o mercado de ações, independentemente da dinâmica da economia como um todo. Agora, com as opiniões mais sombrias sobre a economia americana, está cada vez mais difícil manter o otimismo sobre a IA.

O analista de tecnologia Gene Munster, da empresa Deepwater Asset Management, escreveu recentemente nas redes sociais que seu otimismo "deu um passo atrás", pois as possibilidades de recessão aumentaram "sensivelmente" no último mês.

"O resultado é que, se entrarmos em recessão, será extremamente difícil dar continuidade à comercialização da IA", alertou ele.

¨      A escalada de tensão que faz valor do ouro bater recorde

O preço do ouro atingiu a marca de US$ 3.000 (R$ 17.000) por onça (31 gramas) pela primeira vez na história, à medida que a demanda pelo metal precioso aumenta em meio à incerteza econômica sobre o impacto de uma guerra comercial global.

O ouro atingiu um recorde de US$ 3.004,86 por onça nesta sexta-feira (14/3), com os preços subindo 14% desde o início de 2025.

O ouro é visto como um ativo mais seguro pelos investidores e é frequentemente procurado em tempos de instabilidade econômica.

A crescente guerra comercial entre os Estados Unidos e muitos de seus maiores parceiros comerciais agitou os mercados financeiros e levantou preocupações sobre o impacto nas economias e consumidores em todo o mundo.

A implantação de tarifas nos Estados Unidos sobre produtos importados do exterior alimentou temores de inflação de preços, o que levou os investidores recorrerem ao ouro.

Quando tarifas são impostas a produtos, as empresas enfrentam custos extras, que devem ser repassados ​​por meio de aumento nos preços dos produtos vendidos aos consumidores - aumentando o custo de vida.

Na quinta-feira (13/3), o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou implantar uma tarifa de 200% sobre qualquer álcool que entre nos Estados Unidos a partir da União Europeia (UE), na mais recente reviravolta da guerra comercial.

O anúncio foi uma resposta aos planos da UE de criar um imposto de 50% sobre as importações de uísque produzido nos Estados Unidos como parte da primeira retaliação do bloco às tarifas gerais de Trump sobre todas as importações de aço e alumínio para os EUA de qualquer país.

O presidente dos EUA também aumentou as taxas sobre as importações chinesas para os EUA para pelo menos 20%.

"Em um cenário de incerteza geopolítica e mudanças tarifárias em andamento, o apetite por ouro continua forte", diz Suki Cooper, analista de metais preciosos do Standard Chartered.

Victoria Hasler, chefe de pesquisa de fundos da Hargreaves Lansdown, sugeriu que havia dois principais impulsionadores por trás do atual aumento do preço do ouro.

"Entre as tarifas de Trump e os comentários nas redes sociais, além das tensões em andamento no Oriente Médio e na Rússia/Ucrânia, a incerteza é alta e parece estar aumentando", disse ela.

<><> Incertezas mexem com mercado

O segundo grande impulsionador foram os bancos centrais comprando ouro, disse Hasler. Mas as razões exatas para isso eram difíceis de determinar. "É provavelmente seguro assumir que pelo menos parte do motivo seja o desejo de diversificar as reservas para longe dos dólares americanos.

"Ambos os fatores acima permanecem intactos e não consigo vê-los diminuindo num futuro próximo."

Picos e quedas no preço do ouro ocorreram em alguns dos principais momentos da história econômica. No início da crise financeira global em 2007, os investidores compraram ouro como um ativo de refúgio, o que levou a um aumento em seu preço.

Russ Mould, diretor de investimentos da AJ Bell, citou números do World Gold Council (Conselho Mundial do Ouro), que mostraram que os bancos centrais adicionaram cerca de 1.045 toneladas de ouro às suas reservas em 2024 - o terceiro ano consecutivo em que mais de 1.000 toneladas foram compradas.

Ele disse que estávamos em uma "era em que o ouro está realmente começando a brilhar".

Desde que o metal caiu abaixo de US$ 1.200 (R$ 6870) por onça no final de 2018, Mould disse que os preços "marcharam inexoravelmente mais alto", impulsionados por vários fatores, incluindo a pandemia de covid-19 e maiores déficits, levando investidores a "se aquecerem para o ouro mais uma vez".

"Qual dessas questões é agora o principal impulsionador do renascimento do ouro é difícil de adivinhar, especialmente porque as tarifas de Donald Trump estão provocando um debate sobre o quão inflacionárias (ou estagflacionárias) elas podem provar ser. E quão eficazes elas podem ser no financiamento dos cortes de impostos esperados pelo novo presidente dos EUA", disse ele.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News

 

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