sexta-feira, 21 de março de 2025

Fernando Luengo: Europa. Mentiras na guerra de propaganda

Algumas das mentiras mais frequentes que pretendem apresentar como verdades indiscutíveis.

·        Mentira número 1

A comunidade internacional pensa, opina. Falso. Essa suposta comunidade internacional, que sugere a existência de interesses compartilhados, simplesmente não existe. São os países mais poderosos, os ricos do planeta e as grandes corporações que determinam o roteiro, tomam as decisões e, em definitivo, estabelecem as políticas a serem implementadas. Isto vale como princípio geral e também no que concerne à guerra na Ucrânia.

·        Mentira número 2

A Rússia representa uma ameaça militar para a Europa. Uma mentira de grande calibre. A Ucrânia não representa o primeiro sinal de uma estratégia de invasão de outros países europeus. Há muita propaganda, mas não há evidências disto, nem nas declarações dos hierarcas russos, nem nos movimentos políticos e militares da Rússia. Uma mentira que foi e continua sendo muito útil, a ameaça russa, para confundir as pessoas e dar asas aos que defendem a estratégia de confronto e aumento dos gastos militares.

·        Mentira número 3

Transformar a Europa em um ator relevante exige aumentar os gastos militares. Um dos mantras mais repetidos atualmente, igualmente falso. Na realidade, o crescimento desses gastos torna a Europa política e economicamente mais frágil. A relevância que, em teoria, se busca depende da capacidade da comunidade europeia em defender um projeto articulado em torno da equidade social, a sustentabilidade, a democracia e a paz. Esse cenário, do qual estamos cada vez mais distantes, é o que nos tornaria mais fortes e influentes no atual contexto internacional dominado pela confrontação.

·        Mentira número 4

O aumento dos gastos militares é de natureza defensiva. De forma alguma. É mais um passo na estratégia de tensão e confrontação. Basta acompanhar as declarações de boa parte dos líderes políticos europeus - que falam, por exemplo, em enviar tropas ao território ucraniano para “salvaguardar a paz” ou mesmo em acionar o armamento nuclear - para saber que esse aumento está a serviço de seguir a estratégia de confronto com a Rússia e preparar a Europa para a intervenção em outras zonas de conflito onde se entenda que os interesses econômicos e políticos europeus estão ameaçados ou comprometidos.

·        Mentira número 5

A expansão dos gastos militares não terá impacto nos âmbitos social, produtivo... Outra das grandes mentiras que continuamente são repetidas. As políticas de coesão social (já muito fragilizadas), as destinadas a enfrentar as mudanças climáticas (claramente insuficientes), a reconfiguração do modelo produtivo (que ainda não foi abordada) e a escassa ajuda ao desenvolvimento serão, sem dúvida, afetadas, tanto porque os pilares da austeridade orçamentária serão mantidos no fundamental (e inclusive se acentuarão), como porque o gasto militar, em uma dinâmica de confrontação crescente, exigirá recursos cada vez maiores.

·        Mentira número 6

O aumento das capacidades militares da Europa nos tornará menos dependentes dos Estados Unidos. Outra falsidade somada à torrente de mentiras com as quais se intoxica os cidadãos. Pelo menos nos próximos anos, a estratégia militarista na Europa abrirá novas oportunidades de negócios para as empresas de armamento estadunidense, que têm capacidade produtiva e logística para atender a esse mercado. Consequentemente, isto nos tornará mais, não menos, dependentes desse país. Por outro lado, o objetivo não pode ser tanto alcançar a independência militar dos Estados Unidos, mas, sim, dar uma guinada fundamental na estratégia de confronto. E me parece evidente que a Europa está apostando em se somar a esta estratégia.

·        Mentira número 7

A Ucrânia recebeu ajuda dos Estados Unidos e da Europa. A propaganda continua. Há anos, a OTAN e os Estados Unidos, com a cumplicidade da União Europeia, buscam deliberada e persistentemente o confronto com a Rússia; e o resultado foi a guerra, que significou um custo enorme em termos de perda de vidas, deslocamentos em massa da população e destruição generalizada de infraestruturas e capacidades produtivas. Isto não é ajuda. Tampouco o formidável negócio que é o conflito, sobre o qual pouco ou nada se fala: contratos lucrativos para as empresas de armamento, acesso a minerais estratégicos abundantes em solo ucraniano, controle do enorme potencial agrícola do país e programas de reconstrução de uma economia devastada pela guerra e com níveis de dívida insuportáveis, onde as grandes corporações entrarão - e já estão entrando - com força total. Isto também não é ajuda.

·        Mentira número 8

Ou você apoia o aumento dos gastos militares ou é cúmplice da Rússia. Um dilema inaceitável, pura demagogia para desqualificar nós que nos opomos à estratégia militarista que percorre a Europa. Rejeitá-la não significa de modo algum apoiar a inaceitável agressão militar da Rússia contra um país soberano. Supõe, ao contrário, comprometer-se com a paz, o progresso social e o respeito pelos direitos humanos.

 

¨      A Europa em rota de desastre. Por  Yanis Varoufakis

Diante da arrogância de Trump, governantes do Velho Continente agem para remilitarizá-lo. Cortarão gastos sociais e se tornarão ainda mais ilegítimos. A saída: a Europa de Paz, com investimento público e novos acordos com Moscou e Pequim.

Incorporar a Ucrânia à OTAN, após forçar a Rússia a recuar para suas fronteiras anteriores a 2014. Este tem sido o único objetivo estratégico que os líderes da União Europeia (UE) conseguem enxergar desde a invasão russa, há três anos. Infelizmente, bem antes da nova eleição de Donald Trump, esse objetivo entrou no reino da inviabilidade. Os sinais já estavam evidentes há algum tempo.

Primeiro, a economia de guerra imposta ao presidente russo Vladimir Putin mostrou-se uma dádiva para seu regime. Segundo, até mesmo o predecessor de Trump, Joe Biden, foi extremamente relutante em pressionar pela adesão da Ucrânia à OTAN, preferindo conduzir o país por um caminho incerto com promessas vagas. E, terceiro, havia nos Estados Unidos uma forte oposição, bipartidária, à ideia de tropas da OTAN lutarem ao lado dos ucranianos.

Em uma demonstração de hipocrisia impressionante, os muitos discursos de “Putin é o novo Hitler” nunca resultaram em um compromisso de lutar ao lado dos ucranianos até que o exército de Putin fosse derrotado. Em vez disso, um Ocidente covarde continuou enviando armas aos ucranianos exaustos, para que eles pudessem derrotar o “novo Hitler” em nome do mundo eurocêntrico – mas sozinhos.

Como era inevitável, o único objetivo estratégico dos líderes europeus virou pó. Esta realidade teria se tornado inegável, independentemente de quem tivesse vencido a presidência dos EUA em novembro passado. Trump apenas acelerou isso com uma brutalidade que reflete seu desprezo de longa data não apenas pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, mas também pela própria UE. E assim, sem um Plano B, uma Europa enfraquecida por uma recessão econômica de duas décadas agora luta para responder à política ucraniana de Trump.

Após o Acordo de Munique em 1938, Winston Churchill proclamou que Neville Chamberlain, o então primeiro-ministro do Reino Unido, teve a chance de fazer a escolha entre a guerra e a desonra. “Você escolheu a desonra, e terá guerra”. Em sua angústia por não cometer o mesmo erro, os líderes da UE estão prestes a repeti-lo, ao contrário: sua abordagem de guerra até a vitória dará lugar à paz humilhante que Trump imporá com prazer a eles e ao governo de Zelensky, quando finalmente vierem a implorá-la.

Embora não haja dúvidas de que ou a Europa se ergue, ou se desintegra, a questão é: levantar-se como? O que realmente está errado com a Europa? O que mais lhe falta?

É difícil acreditar que os europeus não consigam reconhecer a resposta que os encara diretamente: à Europa está faltando um Tesouro, além do equivalente ao Departamento de Estado dos EUA e um Parlamento com o poder de decidir sobre como funciona seu governo (Conselho Europeu). Pior ainda, ainda não há discussão sobre como preencher essas lacunas na arquitetura institucional da Europa.

A União Europeia sempre temeu o início de qualquer processo de paz na Ucrânia exatamente porque isso exporia a nudez do bloco. Quem representaria a Europa na mesa de negociações, mesmo que Trump a convidasse a participar? Mesmo que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu pudessem usar uma varinha mágica para criar um grande exército da UE bem armado, quem teria a autoridade democrática para enviá-lo à batalha para matar e morrer?

Além disso, quem pode arrecadar impostos suficientes para garantir a prontidão permanente de combate do exército da UE? O sistema atual de tomada de decisões da UE significa que ninguém tem a legitimidade democrática para decidir nada.

Quando Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, anunciou recentemente sua nova iniciativa ReArm Europe, tristes memórias do Plano Juncker, do Green Deal e Plano de Recuperação voltaram à tona. As manchetes voltaram a mencionar grandes números, apenas para que fossem exposto, sob um exame mais detalhado, seu caráter de fumaça e espelhos. Alguém realmente espera que a França aumente seu já insustentável déficit das finanças públicas para financiar armamentos?

Na ausência das instituições para implementar o keynesianismo militar, a única maneira pela qual a Europa pode se rearmar hoje é desviar fundos de seu Estado social e sua infraestrutura física em ruínas. Isso enfraqueceria ainda mais um bloco que já colhe os frutos amargos do descontentamento popular e que está alimentando o crescimento de forças de extrema-direita em todo o continente. E para quê? Alguém acredita que Putin será dissuadido por uma Europa que pode ter alguns mísseis e canhões a mais, mas está se afastando cada vez mais da perspectiva da governança federal necessária para decidir questões de guerra e paz?

O ReArm Europe não fará nada para vencer a guerra pela Ucrânia. No entanto, quase certamente levará a UE a uma recessão econômica ainda mais profunda – a causa essencial da fraqueza do continente. Para manter os europeus seguros diante dos desafios duplos representados por Trump e Putin, a UE deve embarcar num processo multifacetado de Paz Agora.

Se realmente queremos fortalecer a Europa, o primeiro passo não é se rearmar. É forjar a união democrática sem a qual a estagnação continuará a corroer as capacidades do continente, tornando-o incapaz de reconstruir o que restar da Ucrânia quando a guerra terminar.

 

¨      Europeus buscam estratégia conjunta diante do “apetite imperial” de Putim e “furacão Trump”

"Os europeus forçados a [dar] um salto estratégico" é a manchete do jornal Le Figaro, que defende a necessidade de uma organização da defesa do Velho Continente. Em editorial, o jornal avalia que diante do "apetite imperial" do presidente russo, Vladimir Putin, e o "furacão" que causa o início do segundo mandato do presidente americano, Donald Trump, é "indispensável acordar". Por isso, a "autonomia estratégica" defendida por Emmanuel Macron é "uma pequena revolução" necessária, segundo Le Figaro, seja para a credibilidade sobre as questões de segurança europeias, seja para inspirar o respeito dos rivais.

"Após o alerta sobre a ameaça russa, Macron inicia os trabalhos práticos" é o título de uma matéria do jornal Les Echos. O diário destaca que o chefe de Estado francês multiplica reuniões: após uma última semana agitada, ele se encontra nesta terça-feira (11) com os chefes das Forças Armadas de cerca de 30 países da União Europeia e da Otan, e na quinta-feira (13) reúne seus ministros para evocar questões como estratégias de defesa e financiamento do rearmamento francês.

<><> Nova tentativa de diálogo

O diário também destaca a nova tentativa de diálogo entre representantes americanos e ucranianos após o "fracasso" da ida do presidente Volodymyr Zelensky a Washington. No entanto, Les Echos é cético sobre a possibilidade de avanços concretos após a atitude de Trump e seu vice, JD Vance, na fatídica reunião de 28 de fevereiro, embora o encontro desta terça seja liderado por dois representantes americanos "menos abrasivos", diz a matéria, referindo-se ao secretário de Estado Marco Rubio e o conselheiro nacional de segurança Mike Waltz.

"Estados Unidos e Europa: uma aliança ameaçada" é a manchete do jornal La Croix, que acredita que o comportamento de Trump coloca à prova as relações transatlânticas históricas, "com uma agressividade sem precedentes em relação ao Velho Continente", afirma o diário. O jornal destaca que essa postura do líder republicano também preocupa os cidadãos americanos.

La Croix cita uma pesquisa recente do jornal Wall Street Journal que aponta que 83% dos republicanos têm uma imagem negativa de Putin. Uma maioria esmagadora também espera uma resolução rápida da guerra na Ucrânia e é contra o engajamento do país em uma Terceira Guerra Mundial, afirma o jornal.

 

Fonte: La Marea/Outras Palavras/RFI

 

 

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