Denise Assis: Ministro do STM protocola
denúncia que pode levar Bolsonaro a perder patente de capitão
O ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach
protocolou um aditamento à denúncia que foi oferecida no Supremo Tribunal
Federal, pela Procuradoria Geral da República, pedindo a condenação do
ex-presidente Jair Bolsonaro, por crime militar de “incitamento à tropa”. Se
condenado, Jair perde a patente, é expulso do Exército e perde o soldo.
Ele se dirige ao “Exmo. Sr. Dr. Procurador
Geral da República”, na qualidade de “ministro aposentado do Superior Tribunal
Militar” para apresentar “NOTITIA CRIMINIS que envolve representação contra o
senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, cidadão brasileiro, investido nas funções de
Presidente da República Federativa do Brasil na época dos fatos a seguir
narrados, então domiciliado no Palácio da Alvorada e ainda hoje residente em
Brasília, DF, pelos motivos de fato e de direito e para os fins a seguir
anunciados:
No dia 19 de abril de 2020, diante do Quartel
General do Exército Brasileiro, em Brasília, DF, quando manifestantes pediam
intervenção militar para fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal, o representado pronunciou discurso que configura delito tipificado no
Código Penal Militar. De fato, ao participar de ato público, destinado a tentar
cooptar militares para atuação contrária aos princípios constitucionais que
estabelecem a separação dos poderes, o representado cometeu crime de
incitamento à indisciplina”.
Bierrenbach apela para a Constituição
Federal, no seu artigo 2º, que diz: “São poderes da União, independente e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Ele segue demonstrando que a tripartição dos
poderes são a base sobre a qual repousam todas as demais instituições do País.
E chama a atenção para o fato de: “como reza o Artigo 142 da mesma Constituição
Federal: As Forças Armadas constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
E segue: Também assim estabelece o Art. 2º do
Estatuto dos Militares, ao sublinhar, no mesmo sentido:
“As
Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, são
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica; e destinam-se a
defender a Pátria e a garantir os poderers constituídos, a lei e a ordem. São
instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República
e dentro dos limites da lei”.
Ao endossar manifestação contrária à índole
do artigo 2º da Carta de 1988, o então Presidente da República, além de
eventualmente ter incidido em crimes comuns e de responsabilidade, cometeu
delito expressamente previsto no Código Penal Militar, que dispõe:
“Art. 155 – Incitar à desobediência, à
indisciplina ou à prática de crime militar.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos”.
No entender do ministro, A hierarquia e a
disciplina representam “elementos axiológicos de caráter fundamental, sem os
quais as Forças Armadas se desorganizam e – uma vez desorganizadas – haverão de
perder sua capacidade de cumprir os fins para que se destinam: a defesa da
Pátria e dos poderes constitucionais. “A disciplina é a honra do soldado”, como
disse Ruy Barbosa.
“Um exército sem disciplina é instituição
insuficiente para a guerra e perigosa para a paz”, advertia em 1870 o marechal
Moltke. O general Mallet, ao tempo da Guerra do Paraguai,
afirmava que “a disciplina digna tem a honra
como princípio e a glória como recompensa”.
Caso o aditamento seja acatado e Bolsonaro
considerado culpado, além da prisão ele pode perder também a patente de capitão
e, como consequência, o soldo, isto é, um salário em torno de 35 mil.
O ministro busca também reforçar que “a lei é
a fórmula da ordem”, e cita a Constituição de 1988, para lembrar que “o poder
do povo, segundo o dogma do artigo 14 da Carta de 1988, que define como será
exercida a soberania popular no Brasil, é consagrado mediante as instituições
da democracia representativa, alicerce do Estado de Direito. Vociferar em
público contra a ordem constitucional e incitar o crime é uma infração penal
per se, felonia contra a República, afronta que não pode permanecer coberta
pelo manto da impunidade. A jurisprudência dominante no Superior Tribunal
Militar dá amparo à tese desta representação. O mesmo pode ser afirmado em relação
à doutrina, inclusive recente. As provas – praticamente todas – são de domínio
público. Estão disponíveis na imprensa e na internet”, afirma em seu
“aditamento”.
Bierrembach desenvolve a tese já acatada,
inclusive na denúncia do PGR, de que “há prova inconteste de que a criminosa
destruição do patrimônio público, nas sedes dos três Poderes da República, não
passou de um crime-meio, num iter criminis cuja finalidade era solapar as
instituições, gerar um clima de caos, provocar a intervenção das Forças Armadas
para garantia da lei e da ordem e, assim, estimular a aventura de um golpe
militar, como dasafortunadamente tem ocorrido na crônica de nossa frágil
democracia intermitente. O incitamento ao crime, portanto, foi um passo
decisivo nessa cadeia de desatinos”.
Em sua opinião, as provas são “tão
abundantes, e suficientes”, que “revelam-se os elementos para caracterização de
materialidade e de autoria que, no caso em apreço, foi dispensada a abertura de
Inquérito Policial Militar, providência que poderia ter sido desde logo
requerida pelo Ministério Público, na forma do artigo 10º, “c”, do Código de
Processo Penal Militar”.
Bierrembach cita exaustivamente o Estatuto
dos Militares, onde, aponta, “está estabelecido que a disciplina constitui
valor essencial para permitir o integral cumprimento do dever. Ora, o dever dos
militares é defender a Constituição e não enxovalhar a farda com tramas
golpistas. A separação de poderes é cláusula pétrea, faz parte do cerne fixo
invulnerável da Constituição e, como consta expressamente do art. 60, § 4º,
III, qualquer tentativa de sua abolição é considerada inadmissível. Quem brada
na porta de um quartel – de qualquer quartel – contra a independência e
harmonia entre os Poderes da República comete crime grave contra a autoridade e
a disciplina militar. Embora sem previsão legal, a afronta poderia ser até
considerada uma circunstância moral agravante, por ter ocorrido diante de
Quartel General do Exército Brasileiro, máxime na data nacional de 19 de abril,
em que a História do Brasil celebra a Batalha de Guararapes”.
O fato se agrava, segundo o ministro, porque
o Estatuto dos Militares proclama que “a autoridade e a responsabilidade
crescem com o grau hierárquico”, toma vulto, neste caso, a responsabilidade do
senhor ex-Presidente da República, então autoridade suprema das Forças Armadas,
circunstância que deverá ser ponderada, quando vier a ser condenado, na
dosimetria da pena”, prevê.
E, nesse trecho, demonstra toda a sua
indignação por não ter Jair Bolsonaro, até hoje, sido punido por tão grave
falta, ao mesmo tempo que destaca o papel agora nas mãos do STF, de fazê-lo:
“Tanto a Justiça quanto a História haverão de julgar outros delitos e seus
eventuais cúmplices. Compete ao Supremo Tribunal Federal o julgamento do
representado, por ter cometido crime militar, ex vi regras constantes do artigo
9º do Código Penal Militar, notadamente o disposto em seu inciso III, alínea
“a”, combinado com a norma do artigo 13 da mesma lei substantiva, em conexão
com os demais crimes cometidos e que vêm sendo apurados perante a Suprema
Corte.
De fato, a ordem administrativa militar,
consoante os mandamentos da lei, não haverá de ser oposta às finalidades das
Forças Armadas. Estas, na forma da Constituição, são instituições e devem
garantir os três Poderes da União.
Como será simples demonstrar, a participação
do senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, ex-Presidente da República, nas manifestações
de 19 de abril de 2020, diante de Quartel General do Exército Brasileiro –
reitere-se – não configurou apenas apoio tácito às palavras de ordem ilegais
ali proferidas ou ostentadas em faixas e cartazes. Foi além: seu discurso feriu
o Código Penal Militar. Dele resultaram atos criminosos, como exemplos mais
eloquentes os distúrbios perpetrados em 8 de janeiro de 2023. Dele haverá de
resultar processo. Trata-se de conduta subsumida na lei, que perfaz crime
propriamente militar, cujo corolário será a persecutio criminis in judicio”.
E repisa a sua convicção de haver necessidade
de uma punição a tal ato do ex-presidente: “O representado, naquele ato público
subversivo, na porta de uma organização militar, diante da turbamulta que
vituperava as instituições da República, não permaneceu passivo, limitado à
mera conivência. Uma simples atitude contemplativa, aliás, já teria bastado
para configurar grave crime de prevaricação, igualmente definido na lei
substantiva. Entretanto, ultrapassou-a, ao subir à caçamba de camioneta branca
– adrede estacionada em local proibido e cuja placa parece ter sido ocultada de
propósito, na edição dada a público (supostamente pela SECOM), – e bradar ipsis
verbis, dentre outras diatribes:
“...não queremos negociar nada (...) acabou a
época da patifaria (...) agora é o povo no poder”.
Não ficou nisso. Seu palavreado – de hábito
chulo e vulgar – esmerou-se na ofensa às instituições, de forma hábil até a
camuflar o crime de incitação, que tem permanecido impune. Mas não esquecido,
nem perdoado”.
Nesse ponto do seu “aditamento, o ministro
aclara o fato de que cabe ao STF julgar o presidente da República. Mas,
ressalta que nesses “custos legis”, há “competência exclusiva para a
propositura de ação penal militar, velando ao pé dos artigos 128 e 129 da Carta
Magna. Note-se, a propósito, que o artigo 102, I, “b” do texto constitucional
defere especialmente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento do senhor
Presidente da República nas infrações penais, dentre as quais se inserem os
crimes militares, em contraposição aos crimes políticos, competência que
incumbe ao Poder Legislativo, sem prejuízo da norma estabelecida no art. 124 da
Constituição Federal”.
E esclarece que “a presente representação”,
portanto, “é para que seja oferecido um aditamento à denúncia já apresentada,
no sentido de que na ação penal a se iniciar venha a ser incluído o delito
militar, nos termos do artigo 29 do Código de Processo Penal Militar, contra o
senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, capitão reformado do Exército Brasileiro,
investido nas funções de Presidente da República quando dos fatos acima
aludidos, por haver cometido crime militar e para que seja julgado na forma da
lei”, conclui.
• Bolsonaro
ataca mulher indicada por Lula ao STM em fala misógina: "Não queremos esse
tipo de gente"
Em um discurso de posse carregado de
simbolismo, Maria Elizabeth Rocha assumiu a presidência do Superior Tribunal
Militar (STM) na última quarta-feira, 12. A primeira mulher a liderar o
tribunal em 217 anos de história, e única entre os 346 ministros que já
passaram pela corte, declarou-se feminista e defendeu a ressignificação do
papel feminino nas estruturas sociais.
"Sou feminista e me orgulho de ser
mulher! Peço licença poética a Milton Nascimento e Lô Borges para dizer:
'porque se chamavam mulheres, também se chamavam sonhos, e sonhos não
envelhecem! E nós, mulheres, temos um sonho: o sonho da igualdade!", disse
Maria Elizabeth em discurso histórico perante o Tribunal.
Mas estava demorando para Jair Bolsonaro
(PL), que há alguns dias atrás destilou falas machistas às mulheres e o faz
desde antes do seu governo ou que se é conhecido como político, começar a fazer
ataques misóginos. "Tenho conversado com senadores. O voto é secreto. É
hora de dar um chega para lá. Não queremos esse tipo de gente dentro do
Superior Tribunal Militar", chorou.
Neste sábado (15), ele afirmou que está
articulando com senadores para bloquear a indicação de outra ministra por Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) para o STM, Verônica Abdalla Sterman. Lula indicou,
no sábado passado (8) a advogada para o
cargo de ministra do tribunal, que é responsável pelo julgamento de crimes militares.
Antes de tomar posse, ela vai passar pela sabatina e ser aprovada pelo Senado.
O atual presidente destacou que o tribunal
foi fundado em 1808, no contexto da chegada da família real portuguesa ao
Brasil, e enfatizou a relevância da presença feminina em áreas tradicionalmente
dominadas por homens.
"Tenho certeza de que você e Maria Elizabeth
vão mudar a história do STM para melhor. O STM tem a compreensão do que é crime
militar e o que é crime comum. Eu acho que vai ser bom para a sociedade
brasileira, vai ser bom para o STM e vai ser bom para as mulheres",
enfatizou Lula na posse de Maria Elizabeth.
Bolsonaro tenta justificar seu
"argumento" dizendo que Verônica é "da mesma linha" da
presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha. Na quarta-feira, durante sua posse
como presidente do STM, Maria Elizabeth destacou que as ações de Bolsonaro são
crimes militares. Atualemtne, ele foi denunciado no Supremo Tribunal Federal
(STF) por tentativa de golpe de Estado, junto ao outros 34 militares.
"Essa mulher que está lá (no STM) agora,
ela assumiu a presidência e no mesmo dia disse que eu deveria perder a patente
de capitão e ter os meus proventos retirados. Eu não sou réu, não estou sendo
acusado de crime militar nenhum. E essa mulher que está sendo indicada agora
para lá é da mesma linha dessa presidente", se vitimizou o ex-presidente.
A fala confirma mais uma vez o que o
cientista político Paulo Roberto disse em entrevista concedida à Fórum após a
denúncia da PGR. "Esse processo todo é uma pantomima destinada meramente a
culpabilizar e criminalizar uma força política [...] A insistência do tema de anistia
é um sintoma de que há uma forte expectativa de condenação [por parte dos
bolsonaristas]. Se houvesse uma esperança mais sólida de desmontar a denúncia,
esse seria o tópico enfatizado, tanto com as falas do Bolsonaro quanto seus
aliados", afirmou Paulo Roberto.
<><> As mulheres indicadas ao STM
Com 65 anos e natural de Belo Horizonte,
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha tem uma carreira acadêmica e
profissional consolidada. Ela é formada em Direito pela PUC/MG, mestre em
Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Católica Portuguesa e doutora em
Direito Constitucional pela UFMG.
Em 2007, foi indicada pelo presidente Lula
para uma vaga destinada à advocacia no STM. Antes disso, atuou como procuradora
Federal e passou por diversos cargos, incluindo no Congresso Nacional, no TSE e
na subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.
Entre 2013 e 2015, foi vice-presidente do STM e, com a aposentadoria do
presidente Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, assumiu a presidência
interinamente de julho de 2014 a março de 2015.
Já Verônica Abdalla Sterman, é especialista
em Direito Penal e Penal Econômico, possui uma carreira consolidada no universo
jurídico. Ela é formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), com especialização em Direito Penal Econômico pela Fundação
Getúlio Vargas (FGVlaw) e pós-graduação na mesma área pelo Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais (IBCCRIM), em parceria com a Universidade de Coimbra,
Portugal.
Fonte: Brasil 247/Fórum

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