segunda-feira, 17 de março de 2025

As tarifas de Trump vão acelerar acordo Mercosul-UE?

As tensões comerciais entre os Estados Unidos e a União Europeia se intensificaram nesta semana, depois que Bruxelas anunciou 26 bilhões de euros (R$ 164 bilhões) em tarifas sobre bens americanos, em resposta às sobretaxas de 25% implementadas por Washington em importações de aço e alumínio.

Para analistas ouvidos pela DW, a retórica dura do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação ao comércio com os europeus gera oportunidades aos brasileiros. A avaliação é de que uma guerra comercial pode acelerar os próximos passos do acordo entre UE e Mercosul, que foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os legislativos de cada país dos blocos.

Em publicação na rede social Truth Social nesta quinta-feira (13/03), Trump chamou a UE de "uma das autoridades tarifárias mais hostis e abusivas" do mundo e disse que o bloco foi criado com o propósito primário de "tirar vantagem" da maior economia do planeta.

O republicano também ameaçou aplicar tarifa de 200% sobre vinhos, champanhes e bebidas alcoólicas vindas da França e de outros países europeus.

Comissária de comércio da UE na época do primeiro governo Trump, Cecilia Malmstrom reconheceu que o cenário representa um "conflito em escalada", mas disse que uma guerra comercial não costumar ter vencedores.

"É um jogo de perde-perde”, afirmou à DW, antes de acrescentar que o fardo mais pesado das tensões tende a recair sobre consumidores, com consequências para inflação, emprego e crescimento econômico.

·        Brasil não deve retaliar imediatamente

No Brasil, também afetado pelas tarifas sobre aço e alumínio, a ordem é manter a cautela antes das negociações. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse a jornalistas na quarta-feira que o governo brasileiro não pretende retaliar imediatamente.

"Nós já negociamos outras vezes em condições até muito mais desfavoráveis do que essa. Vamos levar a consideração ao governo americano de que há um equívoco de diagnóstico", ressaltou.

Uma equipe técnica liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) tem reunião marcada para esta sexta-feira (14/03) com representantes da administração Trump.  Será a primeira oportunidade de os dois países discutirem as tarifas iniciadas nesta semana. O vice-presidente e chefe da pasta, Geraldo Alckmin, porém, não participará do encontro.

Os esforços refletem a posição do setor siderúrgico para a balança comercial brasileira. Em 2024, o país exportou 3,2 bilhões de dólares em aço e alumínio para os EUA, segundo o MDIC e o Ministério das Relações Exteriores.

Neste ambiente, o tarifaço americano pode impor uma perda de 1,5 bilhão de dólares aos exportadores de aço brasileiro em 2025, de acordo com estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O resultado equivale a uma queda de produção de quase 700 mil toneladas no ano.

·        Urgência por novos mercados

Os riscos tendem a incentivar o país a buscar novos mercados e tornam mais urgente o acordo do Mercosul com a UE, afirma o professor de direito internacional Alberto do Amaral, da Universidade de São Paulo.

Em 2024, o Brasil exportou o equivalente a 48,27 bilhões de dólares para a UE, conforme números da Secretaria de Comércio Exterior do MDIC.  Os embarques para os EUA, por sua vez, somaram 40,36 bilhões de dólares no ano passado.

"A grande vantagem da celebração do tratado decorre precisamente do fato de que a redução das exportações europeias e brasileiras para os EUA poderá ser compensada pelo aumento do intercâmbio comercial entre os dois blocos", explica Amaral.

Para ele, a economia brasileira seria particularmente beneficiada, sobretudo pelo acesso a bens de capitais europeus, o que contribuiria para o aumento da competitividade da indústria . "Os setores beneficiados seriam os de comércio de bens de transporte, de celulose, papel, além de commodities e produtos agrícolas", cita.

O professor de relações Internacionais Vinicius Rodrigues Vieira, do Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), também avalia que o ambiente atual é favorável ao pacto de livre-comércio. Na visão dele, a estagnação da indústria alemã e os crescentes gastos europeus em defesa reforçam a necessidade de abertura de novos mercados consumidores como o Mercosul.

No outro lado da moeda, Vieira pondera que a volta de Trump à Casa Branca também pode influenciar a ascensão da ultradireita na Europa, mais resistente à liberalização do comércio internacional. "A agenda dele pode levar, no médio prazo, forças ao poder em países-chave, como a França, que acabariam por derrubar o acordo de vez", alerta.

·        Acordo UE-Mercosul ainda tem riscos

O embaixador José Alfredo Graça Lima, que já atuou na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em negociações com a UE, é mais cético em relação ao acordo. O diplomata considera que o comércio brasileiro com os EUA vem ganhando mais força nos últimos anos, em detrimento das trocas com os europeus. "O acordo tem seu valor, mas do ponto de vista de acesso a mercados, é limitado", opina.

Graça Lima entende que os trâmites de ratificação estão reproduzindo um comportamento observado em 2019, quando os blocos chegaram a firmar um acordo. Desde o anúncio do final do ano passado, poucos passos foram dados em direção à implementação. "Não é possível que uma revisão jurídica demore três meses. Parece exagerado como prazo", argumenta ele, que é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Há um particular movimento de oposição na França, onde o poderoso setor agropecuário teme a concorrência com os produtos sul-americanos. No ano passado, o partido do presidente Emmanuel Macron perdeu espaço na Assembleia Nacional em uma eleição que resultou no avanço da ultradireita de Marine Le Pene também da esquerda mais radical.

Vieira, da Faap, acredita que Macron evitará ceder a pauta para os grupos rivais. O parlamento francês precisaria dar o aval aos pontos mais sensíveis do acordo, como os compromissos referentes ao meio ambiente. "Não tem clima político, até o próximo ciclo eleitoral, para aprovação do acordo na França", afirma. 

·        'Fator Milei' também complica

Do outro lado do Atlântico, a aproximação do presidente da Argentina, Javier Milei, com Trump também complica o processo. O libertário já declarou estar disposto a retirar o país do Mercosul se necessário para o fechamento de um tratado com os EUA, alegando que a união aduaneira só serviu para enriquecer industriais brasileiros.

Para o embaixador Graça Lima, o movimento de Milei representa uma crise existencial para a integração sul-americana. "No momento em que a Argentina assinar um acordo ou se engajar em negociações comerciais com os EUA, o Mercosul se descaracterizaria, porque deixaria de existir como União Aduaneira que se obriga a concluir acordos conjuntamente entre os quatro países", explica.

¨      Câmara do Comércio dos EUA alerta governo Trump sobre prejuízo com tarifas ao Brasil

O governo de Donald Trump foi alertado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) sobre o risco de prejudicar o interesse das próprias empresas dos Estados Unidos com a imposição de tarifas adicionais ao Brasil. O alerta foi feito uma semana depois da reunião do vice-presidente Geraldo Alckmin com representantes do Departamento de Comércio dos EUA.

Em documento enviado na última terça-feira, 11, a Amcham faz um apelo por diálogo entre os países. A entidade coloca na balança que o Brasil foi responsável pelo terceiro maior superávit comercial dos Estados Unidos com as economias do G20. E ressalta que o saldo positivo não se limita ao comércio de bens.

“Impor tarifas adicionais sobre o comércio bilateral prejudicaria os interesses de companhias dos EUA e enfraqueceria fluxos recíprocos de comércio e de investimentos. Priorizar o diálogo institucionalizado e estruturado continua sendo a abordagem mais efetiva para avançar”, diz trecho do ofício, divulgado pela CNN.

Em serviços, segundo a Amcham, os Estados Unidos acumulam superávit de US$ 165,4 bilhões com o Brasil no período de 2015 a 2024. O país representa o 12º maior mercado para as exortações americanas de serviços (como tecnologia, produtos digitais e financeiros, turismo, companhias aéreas).

Além disso, nos últimos dez anos, subsidiárias instaladas no Brasil de multinacionais americanas enviaram aos Estados Unidos um valor total de US$ 54,2 bilhões em lucros e dividendos.

¨      Tesla teme que tarifas de Trump prejudiquem negócios

A Tesla, montadora de carros elétricos do bilionário Elon Musk, reclamou da política de tarifas de importação impostas pelo governo de Donald Trump numa carta enviada a uma agência federal do governo americano de fomento ao comércio exterior.

A empresa afirma que ela e outros grandes exportadores correm o risco de ser prejudicadas por medidas retaliatórias, o que pode aumentar o custo de fabricação de carros no país.

A mensagem foi enviada ao chefe do escritório do representante de comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer. A agência é responsável por desenvolver e promover políticas americanas de comércio exterior.

No texto, a Tesla, que também mantém fábricas na China e na Alemanha, diz reconhecer e apoiar "a importância do comércio justo", mas que "os exportadores americanos estão naturalmente expostos a impactos desproporcionais quando outros países reagem às ações comerciais dos EUA".

A montadora afirma estar fazendo mudanças em suas cadeias de suprimentos para encontrar o maior número possível de fornecedores locais para seus carros e baterias, mas adverte que "certas cadeias de suprimentos ainda estão em estágios iniciais de desenvolvimento".

A empresa sugere ainda estar preocupada com um impacto sobre as vendas da montadora fora dos EUA. "Por exemplo, no passado, ações dos Estados Unidos resultaram em reações imediatas pelos países visados, incluindo aumento de tarifas sobre veículos elétricos importados por esses países."

O documento foi enviado após uma sequência de políticas comerciais criticadas pelo mercado devido a preocupações com uma potencial guerra comercial e pressão inflacionária. 

No início de março, por exemplo, Trump implementou tarifas de 25% sobre importações do México e do Canadá, utilizando o combate ao tráfico de fentanil como justificativa. Essa medida rompeu o tratado comercial entre os três países, afetando cadeias de suprimentos.

Após a província canadense de Ontário reagir com uma sobretaxa de 25% à eletricidade que exporta para os EUA, Trump subiu para 50% das tarifas sobre produtos de aço e alumínio vindos do Canadá. Ambos os lados recuaram das medidas no início desta semana.

<<> Queda nas vendas e vandalismo

Apesar de não ser assinada, a carta da Tesla causou estranhamento por vir de uma empresa comandada por um aliado de primeira hora de Trump e consultor para os cortes de gastos em curso no seu governo. Não está claro se Musk estava a par do comunicado.

A carta tem a data do dia em que Trump organizou um evento na Casa Branca no qual prometeu comprar um Tesla, numa demonstração de apoio a Musk.

Não está claro quem na Tesla escreveu a carta, pois ela não é assinada, ou se Musk estava ciente dela.

alinhamento do empresário com a administração do republicano tem sido associado, contudo, à queda nas ações e nas vendas de carros da companhia. Uma onda de vandalismo contra carros, estações de recarga e concessionárias da marca tem se alastrado, inclusive na Alemanha, onde Musk declarou apoio ao controverso partido de ultradireita Alternativa para Alemanha (AfD).

O preço das ações da Tesla caiu 40% desde o início do ano. Musk é o presidente-executivo da montadora e, embora alguns tenham argumentado que seu alinhamento com o governo Trump está prejudicando sua marca, analistas de mercado dizem que a queda nas ações é mais sobre preocupações com a Tesla atingir as metas de produção e uma queda nas vendas em 2024.

Na carta, a Tesla diz que faz mudanças em suas cadeias de suprimentos para encontrar o máximo de fornecedores locais para seus carros e baterias, para defender menos de mercados estrangeiros.

"Mesmo assim", alertou, "mesmo com a localização agressiva da cadeia de suprimentos, certas peças e componentes são difíceis ou impossíveis de obter dentro dos Estados Unidos".

O presidente dos EUA impôs uma tarifa adicional de 20% sobre todas as importações da China, levando Pequim a responder com taxas retaliatórias, inclusive sobre carros. A China é o segundo maior mercado da Tesla depois dos EUA.

"Por exemplo, ações comerciais anteriores dos Estados Unidos resultaram em reações imediatas dos países-alvo, incluindo tarifas aumentadas sobre veículos elétricos importados para esses países", diz a carta.

A União Europeia e o Canadá ameaçaram retaliações radicais por conta de novas tarifas sobre exportações de aço e alumínio para os Estados Unidos, que entraram em vigor no início desta semana.

Manifestantes atacaram showrooms da Tesla nas últimas semanas em protesto contra o cargo de responsável por cortes de custos de Musk na administração de Trump, na qual ele é chefe do Departamento de Eficiência Governamental (Doge).

No início desta semana, Trump organizou um evento na Casa Branca onde disse que as pessoas que protestavam contra a Tesla deveriam ser rotuladas como terroristas domésticos, enquanto estava sentado no banco do motorista de um Tesla vermelho novinho que ele disse que planejava comprar.

Trump disse que os manifestantes estavam "prejudicando uma grande empresa americana" e qualquer um que usasse violência contra a fabricante de carros elétricos "passaria pelo inferno".

 

Fonte: DW Brasil/Portal Terra/BBC Brasil

 

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