Sem Anistia ao 8 de janeiro: o que diz o
projeto de lei e como pode beneficiar Bolsonaro
"É por elas, é pelos seus netos, é pelos
seus filhos, é por justiça, é pelo nosso Brasil e pelo nosso futuro. No próximo
domingo, dia 16, às 10 da manhã, compareça. Vá a Copacabana. É por todos
nós."
Assim o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) convocou sua militância para uma
manifestação em Copacabana, no Rio de Janeiro, pela anistia a pessoas
envolvidas na invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de
2023.
O protesto acontece ao mesmo tempo em que a
bancada bolsonarista no Congresso
Nacional tenta acelerar a votação de um projeto
de lei que prevê a anistia para pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro.
Um relatório do Supremo Tribunal Federal
(STF) de janeiro deste ano apontou que 371 haviam sido condenadas por crimes
relacionados ao episódio. Outras 527 teriam admitido a prática de crimes
relacionados e feito acordos com o Ministério Público Federal (MPF) para não
serem processadas.
A convocação feita pelo ex-presidente faz
parte de um vídeo com a foto de quase uma dezena de mulheres condenadas por
seus envolvimentos no episódio. No vídeo, porém, Bolsonaro não cita que uma
possível aprovação do projeto da anistia poderia, sim, beneficiá-lo
diretamente.
É o que afirmam juristas ouvidos pela BBC
News Brasil que avaliaram o projeto. Segundo eles, o texto prevê a anistia para
pessoas direta ou indiretamente envolvidas no 8 de janeiro e até mesmo por atos
anteriores.
Isso, em tese, beneficiaria Bolsonaro,
apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o suposto líder de
uma organização que
teria tentado dar um golpe de Estado que teria culminado com o 8 de janeiro.
Bolsonaro é acusado crimes como de golpe de Estado, abolição violenta do
Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado
pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de
patrimônio tombado.
Mas o que diz exatamente o projeto de anistia
e quais as chances de ser aprovado?
A BBC News Brasil questionou juristas,
políticos e cientistas políticos para responder a estas perguntas e explicar
como a anistia aos presos pelo 8 de janeiro pode, sim, favorecer também o
ex-presidente.
A reportagem procurou sua defesa, mas, até o
momento da publicação, não houve resposta.
·
O que diz o projeto?
O projeto de lei mais avançado de anistia ao
8 de janeiro é de autoria do ex-deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), um
dos principais aliados de Bolsonaro durante seu governo.
O PL 2.858 foi apresentado em novembro de
2022 e, inicialmente, tinha o objetivo de anistiar manifestantes que teriam
participado de protestos no dia 30 de outubro, após a derrota de Bolsonaro no
segundo turno das eleições daquele
ano.
Naquela ocasião, manifestantes contra a
vitória de Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) bloquearam rodovias impedindo a
circulação de pessoas e automóveis em diversas partes do Brasil, o que gerou
uma série de prisões.
Em 2023, os parlamentares mudaram o projeto
para anistiar também quem participou do 8 de janeiro. O projeto, em síntese,
prevê o seguinte:
- Anistia
a todos que apoiaram ou financiaram e participaram direta ou indiretamente
dos atos de 8 de janeiro de 2023, em atividades relacionadas antes ou
depois dos protestos;
- A
medida também beneficiaria quem fez mobilizações em redes sociais em prol
dos atos;
- A
anistia se aplicaria a todos já julgados ou quem ainda esteja sendo
julgado, com extinção da pena de todas as pessoas já condenadas;
- Mudanças
no Código Penal, como a exigência de que seja caracterizado o uso de
violência grave contra pessoas nos casos em que suspeitos são processados
por tentativa de abolição do Estado democrático de direito;
- Manutenção
dos direitos políticos dos condenados ou investigados;
O projeto chegou a tramitar na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados no ano passado, mas não
foi votado.
·
Como a anistia poderia
beneficiar Bolsonaro?
Juristas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam
que, da forma como está escrito, o projeto de lei pode beneficiar diretamente o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Isto por conta de dispositivos como um inciso
do primeiro artigo do projeto:
"§ 3º Fica também concedida anistia a
todos que participaram de eventos
subsequentes ou eventos anteriores aos fatos
acontecidos em 08 de janeiro de
2023, desde que mantenham correlação com os
eventos acima citados".
Na prática, o texto diz que as pessoas que
participaram de eventos antes ou depois de 8 de janeiro de 2023 que tenham
conexão com os atos daquele dia também seriam alvo da anistia.
"Do jeito que está colocado, o projeto
de anistia abre margem jurídica para beneficiar o ex-presidente", diz o
professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)
Davi Tangerino.
"Isso acontece porque, na visão da PGR,
Bolsonaro teria tomado medidas que levaram ao 8 de janeiro. Como o texto do
projeto é amplo e prevê anistia a atos anteriores ao 8 de janeiro, em tese, o
ex-presidente poderia ser beneficiado."
O texto da denúncia da PGR de fato conecta as
ações de Bolsonaro com o 8 de janeiro. Bolsonaro foi denunciado junto com
outras 33 pessoas.
"As ações progressivas e coordenadas da
organização criminosa culminaram no dia 8 de janeiro de 2023, ato final voltado
à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas",
diz um trecho da denúncia, cujo recebimento deverá ser julgado no STF na
quarta-feira (15/3).
"Os denunciados programaram essa ação
social violenta com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e
justificar um Estado de Exceção."
Rafael Mafei, professor de Direito da
Universidade de São Paulo (USP), argumenta na mesma linha de Tangerino.
"Quando a denúncia incluiu o 8 de
janeiro nesse grande enredo do golpe, ela, de certa maneira, deu um argumento
para que se possa sustentar que ele [Bolsonaro] possa dizer que, nos termos da
denúncia da PGR, tudo isso deve ser considerado conexo ao 8 de janeiro, porque
a própria PGR fez essa conexão. Então, ele teria essa margem para construir
essa interpretação ampliativa da anistia", diz Mafei.
O professor de Direito Penal da Universidade
de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini aponta que outro trecho do projeto que
abre brechas para beneficiar Bolsonaro está no inciso primeiro do artigo 1º.
"A anistia de que trata o caput compreende
os crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos, bem como
aqueles definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal", diz o trecho.
Na avaliação de Bottini, a utilização do
termo "conexo" possibilita a inclusão de Bolsonaro no rol de
beneficiados pela anistia.
"Crime conexo é o termo técnico para
designar tudo aquilo que é relacionado a um determinado fato, neste caso, os
atos de 8 de janeiro", diz o professor à BBC News Brasil.
"Dessa forma, quaisquer atos que tenham
vínculo com 8 de janeiro estariam passivos de anistia. Isso permitiria, em
tese, anistiar Bolsonaro."
Bottini diz, no entanto, que a anistia, se
fosse aplicada a Bolsonaro, não poderia, em tese, reabilitá-lo a disputar as
eleições em 2026.
Isto porque o ex-presidente está inelegível
até 2030 por conta de duas condenações por infrações eleitorais julgadas pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não pelos supostos crimes relacionados ao 8
de janeiro.
"Até onde se sabe, essa anistia se
aplicaria apenas à esfera criminal e não à eleitoral. Ele poderia não ser
condenado pelo STF, mas isso não teria influência sobre sua
inelegibilidade", afirma Bottini.
·
Articulações políticas
pró e contra a anistia
Nas últimas semanas, a oposição passou a
tentar dar mais velocidade à tramitação do projeto que prevê a anistia aos
envolvidos no 8 de janeiro. Na semana passada, por exemplo, o PL protocolou um
pedido de requerimento de votação em regime de urgência.
Caso o pedido seja aprovado, o projeto poderá
tramitar com prazos e exigências menos rígidas, o que aceleraria a votação.
Para o líder da oposição na Câmara dos
Deputados Luciano Zucco (PL-RS), a bancada bolsonarista já teria apoio
suficiente para aprovar o projeto na Câmara.
Segundo ele, pelo menos 300 deputados já
teriam manifestado suporte ao projeto. São necessários 257 votos para aprovar
um projeto de lei como esse na Casa.
Após ser aprovado na Câmara, o projeto também
teria que ser votado no Senado. Caso seja aprovado lá, ele ficaria sujeito ao
veto do presidente Lula.
"Temos votos de diversos partidos que
hoje fazem parte da base como o PP, Republicanos e PSD. O Centrão entende que a
anistia precisa ser votada para apaziguar o país", disse o parlamentar à
BBC News Brasil.
Para Zucco, o foco do projeto não seria
beneficiar o ex-presidente Bolsonaro.
"Esse projeto não tem nenhuma vinculação
com o presidente. Estamos preocupados com as mulheres, mães, algumas avós de 70
anos de idade que estão presas e que não tiveram acesso ao amplo direito de
defesa", disse o parlamentar.
Para o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR),
a oposição não teria a força que diz ter para conseguir aprovar o projeto.
"Estão blefando", rebateu o
parlamentar à BBC News Brasil. "Isto não é prioridade da grande maioria
dos deputados. Não vai nem ser pautado."
A professora de Ciência Política da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Luciana Santana disse não acreditar que
o projeto será colocado em pauta no curto ou médio prazos.
"Não vejo isso avançando porque acho
improvável que [presidente da Câmara] Hugo Motta ou [presidente do Senado] Davi
Alcolumbre se desgastem com o governo Lula neste momento pautando um projeto
como esses", afirma a professora.
·
A palavra final
Apesar do empenho da oposição em acelerar a
tramitação do projeto da anistia, especialistas avaliam que isso, sozinho, não
será suficiente para que o perdão aos crimes cometidos no dia 8 de janeiro
sejam perdoados.
Segundo eles, ainda que o projeto seja aprovado,
poderá caber ao STF avaliar se ele é constitucional ou não.
"Não há a menor dúvida de quem decidirá
se essa anistia vai valer ou não é o STF. Caso ela seja aprovada, o tema será
com certeza judicializado", diz o jurista Davi Tangerino.
"O STF vai ser chamado a decidir se essa
anistia é constitucional ou não. E pelo que temos visto, a tendência é de que a
Corte decida contra uma medida dessa natureza."
O professor Pierpaolo Bottini diz que um dos
temas a serem questionados junto ao STF é se é possível conceder anistia a
pessoas que cometerem crimes contra um ou mais dos Poderes da República.
"A legislação prevê anistia a crimes
hediondos, e o STF já se posicionou, no caso do deputado Daniel Silveira, que
medidas como essa não podem ser adotadas quando o crime é cometido contra um
dos Poderes da República", afirma o professor.
"Se a anistia for aprovada, o STF deverá
ser provocado a se posicionar sobre se crimes contra os Poderes da República
podem ou não ser anistiados. Creio que o STF se posicionaria contra."
Luciana Santana avalia de forma semelhante.
"Não podemos desconsiderar que temos o Judiciário neste processo. Com
certeza, qualquer projeto de anistia pode vir a ser judicializado e ser
inviabilizado pelo Judiciário", afirma Santana.
"Considerando que já há várias
condenações sobre isso dadas pelo STF, as chances de judicialização desse tema
são muito altas."
·
Ato em Copacabana
No fim da manhã deste domingo, Bolsonaro
discursou a uma multidão de apoiadores em Copacabana, acompanhado de políticos
como os governadores do Rio, Cláudio Castro (PL), e de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), o pastor Silas Malafaia, os senadores Flávio Bolsonaro
(PL-RJ) e Magno Malta (PL-ES), entre outros.
O presidente do PL (Partido Liberal),
Valdemar Costa Neto, que também estava no palanque, disse ter "fé" de
que Bolsonaro será candidato em 2026. Bolsonaro foi declarado inelegível por
oito anos, desde junho de 2023, por abuso de poder e uso indevido dos meios de
comunicação.
No palanque em Copacabana, o deputado Rodrigo
Valadares (União-SE), relator do projeto de anistia do 8 de janeiro na Câmara
dos Deputados, disse ao público: "Venho trazer palavra de esperança: a
anistia está mais viva do que nunca e iremos aprovar a anistia aqui no
Brasil."
Em sua fala, Bolsonaro disse que há votos
suficientes para aprovar o texto na Câmara e emendou que, se o presidente Lula
vetar, "nós derrubaremos o veto".
"Por que a esquerda está contra anistia,
já que eles, ao longo da história, sempre foram beneficiados em anistia?",
disse o ex-presidente.
Bolsonaro abriu sua fala dizendo que este era
"um dos dias mais difíceis", de sua vida. "Porque vamos falar
aqui sobre a vida de inocentes, de pessoas que estão sendo injustiçadas",
disse, antes de iniciar uma defesa de seus apoiadores.
O ex-presidente chamou, ainda, o Brasil de
"terra prometida", disse que não deixaria o país, e afirmou:
"Vou ser um problema para eles preso ou morto".
NOTA:
Sem anistia: parlamentar que voltar a favor
da anistia não merece o meu e nem o seu voto. Iniciemos a campanha: DEPUTADO
QUE VOTOU PRÓ ANISTIA NÃO MERECE MEU VOTO E NÃO DEVE SER REELEITO.
Fonte: BBC News Brasil

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