Como escritórios vazios estão sendo
transformados em fazendas urbanas
A Torre de Calgary é uma torre de observação
de concreto e aço com 190 metros de altura, localizada na província de Alberta,
no Canadá.
Desde a sua construção, em 1967, ela abriga
um deque de observação, restaurantes panorâmicos e lojas de souvenirs.
Mas, no ano passado, ela recebeu um tipo
diferente de negócio: uma fazenda urbana em plena operação, em ambiente
interno. A fazenda cobre 6 mil metros quadrados e fornece dezenas de espécies
agrícolas, como morangos, couve-kale e pepinos.
Ela é um exemplo notável da busca por
alimentos cultivados em ambientes urbanos — e está longe de ser a única.
Do Japão e Singapura até Dubai, nos Emirados
Árabes Unidos, as fazendas internas verticais vêm se espalhando por todo o
planeta. Elas permitem que os produtos sejam cultivados em ambientes com clima
controlado, usando técnicas hidropônicas, aquapônicas ou aeropônicas.
As fazendas urbanas vêm crescendo ao longo
dos anos, mas a pandemia de covid-19 foi um divisor de águas. A interrupção das
cadeias de abastecimento trouxe à tona a necessidade de encontrar soluções
locais.
Em 2021, foram registrados em todo o mundo
negócios referentes à agricultura vertical no valor de US$ 6 bilhões (cerca de
R$ 34,5 bilhões). O ano marcou o recorde de investimentos no setor.
Quando a economia entrou na fase
pós-pandemia, algumas start-ups importantes saíram do mercado, como a Fifth
Season. Outras atravessaram um período de dificuldades financeiras, como a
Planted Detroit e a AeroFarms.
Analistas questionaram se a "bolha da
agricultura vertical" havia estourado. Mas uma nova tendência pós-pandemia
pode trazer incentivos ao setor.
Com as empresas adotando o trabalho remoto e
híbrido, os donos de edifícios enfrentam dificuldades para preencher os
escritórios vazios, em países como a Austrália e o Canadá. E, nos Estados
Unidos, a taxa de desocupação dos escritórios é de mais de 20%.
"As fazendas verticais podem ser uma
forma econômica de preencher as vagas nos edifícios de escritórios",
segundo Warren Seay Jr., sócio especializado em finanças imobiliárias da filial
do escritório de advocacia americano ArentFox Schiff em Washington DC. Ele é o
autor de um artigo sobre reconversões de fazendas urbanas.
Existem outras razões para o interesse pela
agricultura vertical. As redes de abastecimento se recuperaram após a covid-19,
em grande parte, mas outros choques globais, como as mudanças climáticas, a
instabilidade geopolítica e as greves dos agricultores em várias partes do
mundo fazem com que elas continuem a ser vulneráveis, levando mais cidades a
buscar opções locais de produção de alimentos.
A transformação de escritórios em fazendas
chegou às manchetes da imprensa nos últimos meses.
Encontra-se em andamento a transformação de
um dos 32 andares do histórico edifício Niels Esperson em Houston, no Estado
americano do Texas, em uma fazenda urbana.
Em setembro de 2024, a start-up americana 80
Acres, especializada em agricultura em ambientes internos, abriu sua primeira
fazenda urbana no interior de um edifício vazio em Hamilton, no Estado
americano de Ohio. Ela também criou uma instalação de 18,6 mil metros
quadrados, dentro de um antigo edifício comercial em Florence, no Estado de
Kentucky.
Um emprego óbvio dos escritórios vazios é sua
transformação em residências. Mas a conversão em fazendas verticais,
surpreendentemente, pode ser mais fácil.
"Para transformar um espaço de
escritórios em apartamentos, você precisa criar unidades individuais, cada qual
com acesso à luz natural e encanamentos", explica Seay. "Não é uma
tarefa fácil em um edifício projetado para abrigar cubículos e salas de
reuniões."
Por outro lado, a natureza ampla e aberta da
maioria dos escritórios ou armazéns modernos pode ser mais adequada para uso
como fazenda urbana. Ainda assim, a readaptação pode ser complicada –
especialmente porque é preciso garantir que o espaço receba o equipamento
adequado, além de sistemas apropriados de eletricidade, aquecimento, ventilação
e ar-condicionado.
O projeto da Torre de Calgary foi
desenvolvido pela empresa Agriplay Ventures, que trabalhou para superar estes
obstáculos.
A Agriplay emprega tecnologia de silos, com
prateleiras de 1 m x 2,5 m que se elevam até 3 metros de altura. Elas podem ser
facilmente adaptadas a qualquer espaço com ventilação suficiente.
As prateleiras modulares também são de fácil
remoção. Com isso, os donos do edifício têm a opção de transformar as
instalações para diferentes usos, no caso de cancelamento do projeto, segundo o
executivo-chefe da Agriplay, Adam Morand.
Graças à iluminação artificial e temperaturas
controladas, os escritórios são locais surpreendentemente favoráveis para a
agricultura em ambientes internos, o que incentiva as empresas a transformar
parte das suas instalações em pequenas fazendas.
Desde 2022, a start-up australiana Greenspace
vem trabalhando junto a diversos clientes — como a consultoria empresarial
Deloitte e o Banco Commonwealth — para transformar "zonas mortas" em
gabinetes hidropônicos com 2 metros de altura para o cultivo de verduras, como
o espaço entre os elevadores e as salas de reuniões.
Além de se adaptarem às operações de
agricultura urbana, os edifícios de escritórios vagos oferecem a vantagem da
proximidade com os consumidores finais.
Em um antigo depósito de armazenagem de papel
em Arlington, a cerca de 1,6 km de distância de Washington DC, Jacqueline
Potter e sua equipe da Area 2 Farms cultivam mais de 180 variedades orgânicas
de alface, outras verduras, ervas, tubérculos e microverduras.
A empresa atende consumidores a 16 km de
distância ou menos, o que reduz os custos de transporte e as emissões
decorrentes de gases do efeito estufa.
Esta medida também libera a equipe para
cultivar outros tipos de alimentos que podem ser difíceis de encontrar em
outros locais, como agrião e espécies de flores comestíveis, como jambu.
"A maior parte dos produtos é
selecionada para cultivo considerando sua capacidade de suportar uma viagem de
2,4 mil quilômetros", segundo Potter. Ela faz referência à distância média
percorrida pelos produtos agrícolas nos Estados Unidos, até chegar aos
consumidores.
"Na nossa fazenda, podemos selecionar
produtos por outras propriedades, como seu sabor ou valor nutricional."
De forma geral, as fazendas verticais têm o
potencial de superar as fazendas regulares em diversos quesitos de
sustentabilidade ambiental, como o consumo de água, explica o professor de
geografia Evan Fraser, da Universidade de Guelph, na província canadense de
Ontário. Ele também é o diretor do Instituto Alimentar Arrell, um centro de
pesquisas dedicado à produção de alimentos sustentáveis.
A maior parte das fazendas em ambientes
internos afirma que seu consumo de água é uma fração minúscula da água
empregada pelas fazendas externas. E elas também defendem que sua produção por
metro quadrado é maior que a das fazendas comuns.
Mas o consumo de energia é o "calcanhar
de Aquiles" do setor, segundo Fraser. As fazendas verticais precisam de
muita eletricidade para fazer funcionar seus sistemas de iluminação e
ventilação, sensores inteligentes e tecnologias automatizadas de colheita.
Mas, se a energia for gerada por fontes
renováveis, elas conseguem superar as fazendas comuns também neste quesito,
segundo ele.
Devido às variações das configurações
operacionais, é difícil fazer uma avaliação geral da sustentabilidade ambiental
e socioeconômica das fazendas em ambientes internos, segundo o ecologista
paisagístico Jiangxiao Qiu, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Ele
é o autor de um estudo sobre o papel da agricultura urbana para a
sustentabilidade.
Mas ele concorda com Fraser. De forma geral,
as fazendas urbanas em ambientes internos apresentam maior produção por metro
quadrado, maior eficiência no uso de água e nutrientes, melhor resistência a
pragas e menor distância até o mercado. As desvantagens incluem o alto consumo
de energia, devido à iluminação, ventilação e ar-condicionado.
As fazendas urbanas também enfrentam outras
dificuldades. Seay destaca que as leis de zoneamento nem sempre permitem
atividades agrícolas em áreas urbanas. Mas algumas cidades americanas, como
Arlington (Virgínia) e Cincinnati (Ohio), atualizaram recentemente seu
zoneamento para permitir fazendas na zona urbana, em ambientes internos.
E, por enquanto, as fazendas urbanas oferecem
quantidade limitada de produtos. Fraser indica que é difícil cultivar alimentos
básicos, como trigo, milho ou arroz, em ambientes internos. Por isso, a maior
parte das instalações urbanas ainda não consegue oferecer outros tipos de
produtos em escala, além das verduras.
Mas, enquanto durarem as tendências
pós-pandemia de trabalho remoto e redução do tamanho das empresas, poderão
surgir novas fazendas em ambientes internos em cidades de todo o mundo, segundo
Seay.
"Não há nada que as cidades detestem
mais do que espaços não utilizados, que não trazem crescimento econômico",
explica ele. "Se a transformação [dos escritórios] em fazendas urbanas
tiver sucesso em cidades como Arlington, outras poderão vir em seguida."
Fonte: BBC News
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