Coach de masculinidades seduzia para aplicar
calotes financeiros
As coisas mudaram bastante desde 2010.
Algumas das principais mudanças aconteceram depois que o feminismo se tornou um
assunto corriqueiro nos mais variados lugares – começando pela internet, onde
campanhas massivas como o #MeToo ganharam força e chegaram até o bate-papo na
fila do pão. Foi nesse contexto, de avanço dos direitos das mulheres, que os
homens passaram a se sentir mais perdidos do que nunca. Afinal, qual é o papel
deles na nova sociedade que se desenha? Meninos geralmente aprendem que é
importante serem durões, não demonstrarem sentimentos nem reproduzirem
comportamentos vistos como femininos. Pesquisadoras de violência de gênero
apontam que esse tipo de visão faz com que seja mais fácil eles terem desprezo
por mulheres – e daí descambar para agressões é um passo. Ao mesmo tempo, isso
também limita a vivência do próprio homem, que poderia ter mais liberdade para
agir e sentir. Alguns dos homens que se sentem perdidos procuram respostas em
visões conservadoras, como uma tentativa de volta ao passado. Já outros tentam
outro caminho: o da desconstrução. Popularizaram-se rodas de conversa em que
homens podem se expressar e ouvir a experiência de outros homens. Há vários
relatos de como essas vivências podem ser transformadoras – desde os que dizem
ter se tornado melhores pais e parceiros até os que perdem a vergonha de se
assumirem na função de “donos de casa”. Mas nem tudo são flores. A Agência
Pública ouviu relatos de dez pessoas – homens e mulheres – que acusam um dos
principais nomes do movimento das masculinidades de se valer do discurso para
ganhar a confiança de pessoas e depois praticar estelionato financeiro e
amoroso (quando uma pessoa manipula emocionalmente a outra para obter vantagens
financeiras).
Manoel Pinto é um dos nomes mais conhecidos
da área. Criador do Instituto Social de Cultura e Masculinidades e o Coletivo
Ser Cabra Macho, ele já ministrou palestras e mediou rodas de conversas em
grandes empresas – como Petrobras e Ambev, com cachês de até R$ 50 mil – e foi
colaborador do Instituto Papo de Homem, a principal entidade de masculinidades
do país. Participou de podcasts e programas famosos, como o Mamilos e o Amores
Possíveis, e até de um TEDx em sua edição de Salvador como especialista no
assunto. As mulheres e homens que acusam Pinto disseram à Pública que ele usou
o discurso do feminismo e das masculinidades como forma de sedução – seja para
conquistas amorosas, seja para obter contratos de trabalho.
De acordo com os relatos, o coach tinha um
modus operandi: se aproximava de uma pessoa ou de uma instituição e agia de
modo amoroso e desconstruído. Depois de ganhar a confiança, ele contava que era
pai solo de duas meninas e estava gravemente doente, supostamente com câncer, e
por isso precisava de ajuda financeira. O problema variava de acordo com o
interlocutor. Uma ex-namorada ouviu que ele tinha leucemia. Outra, câncer nos
olhos. Para alguns, era suspeita de câncer. Para outros, já estava na
quimioterapia. Nenhuma das pessoas ouvidas pela reportagem, mesmo mulheres que
conviveram intimamente com ele, viu evidências de que ele estaria mesmo doente.
As pessoas ouvidas pela reportagem contaram ter ficado comovidas e emprestaram
dinheiro, com a promessa de devolução breve. Mas depois, segundo registram
conversas de WhatsApp e até confissões de dívida assinadas por Pinto – que
nunca foram honradas, ele sumia e o dinheiro também. Elas contam ter sido
lesadas em pelo menos R$ 200 mil, ao todo, no espaço de um ano.No trabalho, ele
também teria se mostrado como uma pessoa carinhosa e dedicada ao estudo das
masculinidades até conseguir fechar contratos, de acordo com ex-chefes e
colegas. Em seguida, ou sumia ou embolsava pagamentos sem repassar aos sócios.
Ex-colegas o acusam também de estelionato intelectual, ao se apropriar do
trabalho de outros, citando-o como se fosse dele.
Falamos com Pinto, que confirma as dívidas,
mentiras e calotes que serão relatados ao longo desta reportagem. No entanto,
diz que “não é mau-caráter”, “não fez nada por maldade” e que errou, sim, mas
apenas “foi moleque”. “Qualquer homem, quando sobe num palco, ou quase todos, e
fala de retidão, fala sabendo que em algum momento pode falhar. Nunca quis ser
santo. As pessoas esperam de mim um alecrim dourado, mas sou cheio de erros”,
disse à reportagem. “Eu errei toda vez que não coloquei em prática o que
falei.” Até o fim do ano passado, as pessoas que dizem ter sido lesadas por
Pinto não se conheciam. Elas se encontraram nos comentários de um post no Instagram
e reconheceram que as histórias eram muito parecidas. Conversaram e
constataram: estavam falando do mesmo cara. Depois que as acusações começaram a
rodar na internet, o coach fechou suas redes sociais.
<><> Por que isso importa?
• Dez
pessoas ouvidas pela reportagem acusam Manoel Pinto, coach de masculinidades,
de usar discurso de homem desconstruído para ganhar confiança e praticar
estelionato.
• Calotes
somaram R$ 200 mil em um ano. Coach assume dívidas, mas diz que “não fez nada
por maldade”.
<><> “É só o mesmo, disfarçado de
novidade”
“Tenho recebido várias mensagens de mulheres
que foram vitimizadas por estes farsantes. Traídas, abusadas e, inclusive,
extorquidas financeiramente. O dedo chega a coçar para marcar uns aqui”,
escreveu Valeska Zanello, pesquisadora de saúde mental e gênero da Universidade
de Brasília (UnB), no final do ano passado em seu Instagram. Segundo a
pesquisadora, o discurso das masculinidades protege homens mal-intencionados de
duas maneiras. Ao mesmo tempo que se mostram mais desconstruídos que os outros
(e assim ganham mais acesso a mulheres para se relacionarem), também podem
lucrar com estudos de gênero e o feminismo. “Mulheres, desconfiem, desconfiem
mesmo”, ela alertou. “É só o mesmo, disfarçado de novidade.” O post viralizou,
com centenas de comentários e relatos que “beiram a psicopatia”, segundo
Zanello descreveu. E foi em sua caixa de comentários que pelo menos seis
vítimas de Pinto se encontraram e montaram um grupo de apoio mútuo.
Em suas palestras, Pinto diz que passou a
questionar os valores que aprendeu como homem após a filha mais velha ter
sofrido uma violência sexual em 2016. “Cansei de ser macho. Ao menos esse
modelo de cabra-macho, que foi me dito como certo. Para mim esse modelo não dá
mais”, ele diz em sua apresentação no TEDx de 2021 (o vídeo foi tirado do ar
pela produção do evento após reclamações das vítimas, mas foi recuperado pela
reportagem). Alagoano de nascimento, Pinto costumava fazer reflexões, em suas
falas, sobre o que é esperado de um “cabra-macho” e como seria possível superar
os padrões de masculinidade tóxica. Ele costumava citar pensadoras feministas,
como Angela Davis, Bell Hooks, Judith Butler e a própria Valeska Zanello.
Para algumas pessoas, ele alegava ter lugar
de fala porque teria sido orientado por Zanello na pós-graduação. Mas era
mentira. “Eu tive contatos virtuais com Manoel, que sempre se apresentou como
uma pessoa simpática, aberta, com vontade de estudar as masculinidades, mas
nunca foi meu aluno, nem meu orientando de mestrado e doutorado, e fiquei
surpresa com o uso dessa credencial”, ela disse à Pública.
Pinto explicou que se referia a Zanello como
orientadora no sentido de “guru”, de “norteadora”, e que foi mal interpretado.
“Ela sempre me orientou, no sentido de eu ser orientado pelos seus livros, seu
trabalho. Mas concordo que pode ter dado essa conotação”, disse. “Ela [Zanello]
é a única pessoa que me dói profundamente não ter mais contato.” Para Zanello,
as redes sociais aumentaram a confusão entre quem é estudioso de um determinado
assunto e quem é influencer ou coach. “No caso do Manoel, mas também de outros
homens que vendem o serviço, entre aspas, de fazer palestras para desconstruir
a masculinidade, eu acho ainda mais perigoso, porque muitos deles têm
comportamentos inapropriados, machistas ou até violentos. Eles vendem um
discurso politicamente correto que as pessoas querem ouvir, sobretudo as
mulheres, e cuja intenção é explorar esse campo para lucro financeiro, mas
também de status e sobretudo de acesso a mulheres”, continua.
Marcelo Correia, palestrante sobre
masculinidades que atuou com Pinto – e que conta ter levado um calote de R$ 13
mil dele –, diz que o discurso de Pinto era “bom pra caramba”, mas era “tudo
fachada”. “O discurso dele era o que a gente acredita que é o certo, o que os
pensadores de masculinidades falam hoje. O lance é que era fake”, afirma. A
fotógrafa Amanda Gil, que namorou Pinto por quase um ano, concorda que ele sabe
como falar. “Ele te convence de qualquer coisa. Ele fala te tocando, olhando no
seu olho, te capta muito rápido, te seduz. E aí todo mundo pensa que ele nunca
faria nada de errado”, diz.
• Bombardeio
de amor e bandeiras vermelhas
Amanda e Pinto se conheceram em outubro de
2023 pelo Instagram. O namoro começou como muitos hoje em dia: ele curtia e
comentava nos stories que Amanda postava. “Eu pensava ‘ah, mais um homem’, e
não dava bola. Mas, quando a minha avó morreu, ele veio falar comigo, sendo
muito carinhoso. Aí começamos uma conexão”, conta. Depois de duas semanas
conversando, os dois marcaram o primeiro encontro. Ele pegou os ingressos para
um show de MPB, chegou mais cedo e esperou Amanda com cervejas geladas. Eles se
deram bem e logo marcaram outros encontros. As primeiras duas semanas foram
típicas de um love bombing, ou “bombardeio de amor” – quando uma pessoa exagera
em atos de afeto e atenção para conquistar a outra. Pagava tudo, dava
presentes, tratava Amanda como uma rainha, como ela diz. Ele também demonstrava
que tinha dinheiro: andava de Uber Black e morava em um apartamento na rua
Oscar Freire, um dos endereços mais caros de São Paulo. O coach se aproximou do
filho de Amanda, que na época tinha dois anos, e passou a cumprir a figura de
“rede de apoio” para ela – arrumava a casa, cozinhava, ajudava nos cuidados com
o menino. “Ele entendia coisas de feminismo que eu sempre tive que explicar
para outros homens, então eu não via nenhum defeito nele. Ficava horas vendo as
palestras dele, os podcasts, e pensando ‘que homão’. Me apaixonei muito”, diz
Amanda.
No Natal, ele chamou a namorada para conhecer
a família em Maceió. Tudo ia às mil maravilhas. Mas, no ano-novo, apareceu a
primeira red flag [bandeira vermelha, expressão que indica algo negativo].
Amanda foi procurada no Instagram por uma pessoa dizendo que Pinto tinha outra
namorada em outra cidade, e alertava sobre o caráter dele. Ela mostrou a
mensagem para ele, que a apagou e disse que mal conhecia a menina. Amanda
soube, meses mais tarde, que Pinto estava mantendo um relacionamento com outra
mulher ao mesmo tempo, apesar de dizer para ela ser monogâmico. Quando voltaram
para São Paulo, o palestrante estava quebrado. Ele gastou todo o dinheiro com a
viagem e começou a passar dias seguidos na casa de Amanda, junto com a filha,
que então tinha 9 anos. “Quando percebi, eu estava bancando quatro pessoas,
fazendo compras em dobro, pagando Uber, passeios. Mas estava apaixonada e segui
a vida”, diz ela. Segundo Amanda, Pinto se comprometeu com o pagamento de
algumas contas, mas repetia o padrão de dizer que tinha pagado e, depois de ser
cobrado, alegava ter havido algum erro. Por exemplo, após ter recebido várias
ligações da imobiliária sobre atraso no valor do aluguel, ela negociou o débito
sem ele saber. “Ele ficava muito ofendido que eu duvidasse dele, então fiz por
conta própria. Ainda estou pagando”, conta. Naquele momento, Manoel Pinto foi
desligado do Papo de Homem. Ele foi contratado como pessoa jurídica pelo
instituto entre agosto e dezembro de 2023. Atuou como cofacilitador em rodas de
conversa e revisou um e-book. Também participou de algumas ações do projeto
Meninos, que atua com masculinidades para adolescentes de até 17 anos e tem o
apoio institucional do Pacto Global da ONU no Brasil.
O diretor de pesquisas e cofundador do
instituto Guilherme Nascimento Valadares conta que, no fim de 2023, foi
procurado por uma das mulheres com quem Pinto havia se relacionado e recebeu
uma denúncia que envolvia “racismo, violência de gênero e financeira e postura
afetiva lamentável durante a relação amorosa que viveram”. “O pedido dela é que
não queria que o Manoel trabalhasse mais com isso [masculinidades]. Porque ela
achava um desrespeito uma pessoa atuar nessa área, pela postura que ele teve
com ela e depois se afastar de qualquer atitude de responsabilização e
reparação”, disse Valadares.
A Pública também conversou com a mulher que
fez a denúncia, que preferiu não se identificar. Além dos detalhes que levaram
à demissão, ela contou que Pinto se apropriou de dados de trabalho dela,
citando-os em palestras como se fossem dele. Ela diz que o episódio deixou
marcas profundas em sua saúde mental e por isso prefere não falar publicamente
sobre o caso. Segundo Valadares, Pinto negou ter cometido as violências em um
primeiro momento, mas depois disse que se arrependia. Ainda de acordo com ele,
outro funcionário do Papo de Homem, que também não quis ser nomeado, teria
emprestado R$ 5 mil para o palestrante, e depois não ouviu falar mais dele. O
Papo de Homem se pronunciou publicamente sobre o caso apenas um ano depois, no
fim de 2024, após os posts de Valeska Zanello. O instituto publicou um post no
Instagram e enviou uma carta às empresas para as quais presta serviços, além de
outras 1,5 mil que fazem parte da rede do Pacto Global. O texto diz que Pinto
foi alvo de “denúncias relatando comportamentos antiéticos praticados pelo
mesmo, em relações amorosas com mulheres e também em relações profissionais” e
que “recomendamos às empresas participantes da rede do Pacto Global da ONU no
Brasil que não trabalhem com Manoel Pinto”.
Nesse meio-tempo, Amanda não sabia de tudo o
que estava acontecendo. Pinto disse a ela que estava sendo perseguido e
minimizou o conteúdo da denúncia. Ele recebeu um último pagamento pelo Papo de
Homem e disse à namorada que iriam gastar viajando para o Rio de Janeiro no Carnaval.
Pediu que ela arranjasse outro apartamento com móveis novos, porque os de então
eram o que ela tinha com o ex-marido – e ele tinha ciúmes. Pinto alugou um
carro de luxo para ir para o Rio e os dois aproveitaram festas e restaurantes
luxuosos. Na volta, estava zerado de novo, e voltou a depender do dinheiro de
Amanda até para pagar passagem de metrô. Ele entrou em uma crise depressiva e
ficou dias sem comer e dormir direito. Foi então que, segundo Amanda, ele foi a
um posto de saúde e recebeu um diagnóstico de depressão. “O jeito que ele
contou aquilo me impactou. Parecia que estava feliz, animado. Para ele, era uma
espécie de salvo-conduto, de que ele poderia fazer o que quisesse”, conta. A
partir de então, ele mandava fotos dos remédios para justificar que não poderia
trabalhar e pagar o aluguel do apartamento. Segundo Amanda, ele deve em torno
de R$ 60 mil para a proprietária do imóvel.
Quando o casal estava junto havia cerca de
seis meses, ele começou a criticar a aparência e a personalidade de Amanda.
“Ele estava impotente e dizia que era porque eu não me cuidava e só usava
pijama, não colocava uma lingerie. Dizia que eu tinha autismo, que eu era
acomodada, que eu tinha cabeça de 15 anos [Amanda tinha 32]”, conta. “Ele
falava para as minhas amigas que queria uma mulher do lado dele e que eu era
muito menina. Elas ficavam desconfortáveis, me falavam: ‘Mas, Amanda, você
entende tanto de feminismo e se submete a isso’. Eu respondia que o Manoel
entendia mais de feminismo que eu, porque ficava tão insegura, me sentia tão
incapaz, que desconfiava do que eu mesma sabia”, continua.
Amanda diz ter “despertado”, em suas
palavras, após ele ter levado uma prima de 22 anos para passar alguns dias na
casa deles, sem consultá-la. “Os dois flertavam na minha frente e ele dizia que
eu estava louca, que estava imaginando coisas. Foi então que eu percebi como
isso se parecia com tantas outras histórias de relacionamentos abusivos que eu
ouvia.” Nessa época, ele usava o cartão de crédito de Amanda para pagar cerveja
em bares e presentear amigos e parentes, enquanto a namorada bancava as contas
do lar. “Às vezes ele falava que ia pagar uma conta na frente dos outros, mas
aí eu recebia a notificação do banco no meu celular. Ou seja, ele pagava com o
meu cartão”, lembra.
Desconfiada porque ele ficava muito tempo no
celular, um dia ela entrou no Instagram dele e viu uma lista de meninas de 20 e
poucos anos com quem ele flertava ou falava sobre os “velhos tempos”.
Confrontou o então namorado, que falou que aquilo não tinha nada de mais. “Eu
me sentia humilhada. Comecei a ter uma crise de pânico. Deitei no chão,
coloquei a mão na cabeça. Ele veio por cima, disse que eu não tinha lugar pra
ir e que estava fazendo drama. Me viu no fundo do poço e queria me colocar mais
pra baixo”, lembra. Amanda pegou suas coisas e foi pra casa da irmã, enquanto
ele gritava, segundo ela. Ela tentou retomar a vida aos poucos, mas ele não
aceitou o fim do relacionamento. Aparecia na casa dela sem avisar, mandava
mensagens até de madrugada e dizia que a filha estava com saudades. Um dia, ele
teria ido para a psicóloga de Amanda e ficou esperando terminar a sessão.
Quando a viu, chorou e pediu para voltar. “No mesmo dia, uma amiga viu ele num
bar beijando outra menina”, disse. “Depois que as coisas se acalmaram, eu me
sentia muito burra. Como eu podia não ver? Agora tudo parece muito óbvio. Mas
hoje eu vejo que dei meu melhor e ele usou dos meus pontos fracos para me
manipular. Então acho que na verdade fui corajosa de sair e expor”, avalia. Ela
diz ter gastado pelo menos R$ 50 mil acima de seu orçamento com os gastos de
Pinto, e ainda lida com as dívidas.
No tempo de relacionamento com Amanda, Pinto
teria se relacionado com outras duas mulheres – fazia planos de viagens,
conhecia a família e todo o roteiro de um namoro tradicional. Para uma delas,
disse ser não monogâmico. Mas, ainda assim, uma não sabia da outra. As três se
conheceram de forma online no fim do ano passado e agora se reúnem
periodicamente para se apoiar. “De fato, tive vários amores”, confessou Pinto.
“Eu falhei em não ter delimitado com mais clareza quando fui não monogâmico e
quando fui monogâmico. Mas em alguns momentos eu fui uma pessoa solteira, e eu
tinha algumas pessoas ao mesmo tempo, acontecia”, disse à reportagem.
• Relacionamentos
imaginários
Em 20 de janeiro do ano passado, a jornalista
especializada em violência contra a mulher Cristina Fibe publicou uma coluna no
portal UOL com o título “‘Golpistas da masculinidade’ vendem feminismo e
escondem abusos”. Em dado momento, ela cita um homem que dizia ter sido aluno
de Valeska Zanello sem nunca ter estudado com ela – era Manoel Pinto. “O mesmo
golpista, depois de me abordar como admirador do meu trabalho, passou a se
referendar também com o meu nome, mentindo por aí que se relacionava comigo”,
escreveu em seguida.
À Pública, Fibe explicou que costumava ser
procurada por Pinto nas redes sociais. Ele mandava mensagens de apoio, tentava
puxar assunto, que ela respondia de forma rápida e educada. Eles se viram
pessoalmente uma única vez, em um bate-papo de que ela participou em um teatro
em São Paulo, em 2023. Nesse dia, ele pediu a palavra e falou para a plateia,
emocionado, sobre abusos que ele e sua família sofreram. No fim do evento,
pediu para tirar uma foto com Fibe. Semanas depois, ele convidou Fibe para uma
conversa online promovida pelo Ser Cabra Macho e disse que também participaria
Valeska Zanello, que seria a sua “orientadora querida”. O encontro ocorreu em
maio de 2023 e teve a presença de Fibe, a atriz Claudia Campolina e a educadora
Marjorie Chaves. Zanello não participou. A jornalista diz que Pinto usou o nome
de Zanello para convencer as outras participantes, que admiram o trabalho da
pesquisadora. Depois, ele continuou tentando manter contato. “Escapei de todos
os convites para cafés, que depois viraram convites para cerveja. A uma certa
altura, depois de saber que ele tentou se relacionar com uma conhecida minha e
ela não se sentiu respeitada, parei de responder totalmente”, lembra.
A jornalista conta que, semanas depois, foi
avisada por três pessoas de que ele teria inventado ter um relacionamento com
ela. “Segundo uma dessas fontes, a história mentirosa era que teríamos um
relacionamento aberto. Imagino que usasse a selfie que fez — e pediu como
fã/admirador — para ‘comprovar’ essa relação. Uma mentira completa, uma
informação falsa que flerta com a difamação. Senti a minha dignidade e honra
atacadas”, afirma. “É lamentável que homens misóginos se aproveitem de uma
‘onda’ de combate à misoginia para lucrar e reforçar violências. São uma
armadilha, porque chegam disfarçados de aliados e atrapalham ativamente a
causa. Tiram espaço e dinheiro de mulheres que têm pesquisas e trabalhos sérios
nesse tema enquanto fingem lutar do nosso lado”, ela pontua.
Pessoas que conviveram com o coach dizem que
ele alardeava ter tido relacionamentos com a atriz Danni Suzuki, com quem fez
uma conversa online sobre paternidade em 2020, e a comediante feminista Giovana
Fagundes – mas também era mentira. “Danni nunca teve qualquer envolvimento
amoroso com o sr.. Manoel e tomou conhecimento das referidas acusações agora”,
disse a assessoria de Suzuki. Com Fagundes, ele participou de um show stand-up
ao lado de Amanda. Segundo a ex-namorada, havia apenas três homens na plateia.
Fagundes perguntou se algum deles toparia participar, e Manoel Pinto levantou a
mão. Ele foi chamado pela comediante de “o perfeito esquerdo-macho”. “Todo
mundo riu. Aí ele disse que trabalhava recuperando homens violentos condenados
pela Lei Maria da Penha. Era mentira, mas todos aplaudiram. Acho que ele se
sentiu tão humilhado que quis dar a volta por cima”, diz Amanda. Já em casa,
Pinto teria dito à então namorada que a comediante pediu para segui-lo no
Instagram e o convidou para um forró. Amanda só descobriu a verdade tempos
depois, quando eles já tinham terminado. Ela encontrou Fagundes por acaso em um
aeroporto e perguntou se ela lembrava da situação com Pinto. “Esse é um
babaca”, a comediante teria respondido, completando que ele a teria enchido de
mensagens e convites, que foram ignorados. À reportagem, Pinto confessou ter
falado para outras pessoas que teve relacionamentos com Fibe, Suzuki e Fagundes
e admitiu que isso nunca aconteceu. Quando questionado sobre o porquê de
mentir, ele disse “não sei”. “Por ser moleque.”
• Calotes
e desculpas
Andressa Quadros ouviu falar do Ser Cabra
Macho na metade de 2023, em uma live com uma autora que ela admira, e achou que
seria importante sugerir um evento sobre masculinidades em sua empresa, uma das
maiores multinacionais do país. “Eu insisti e dei a cara a tapa para que
houvesse a contratação”, conta. Até que ocorresse a oficina, os dois começaram
a conversar e rapidamente engataram um breve romance – que durou pouco porque
Quadros estava no Rio e Pinto em São Paulo. Nesse meio-tempo, porém, ele disse
a ela que estava com problemas de saúde, que teria feito quatro sessões de
quimioterapia preventiva e estava vendendo os móveis da casa para sobreviver.
Comovida, Quadros emprestou a ele R$ 20 mil. Na data combinada, Pinto não
participou do evento na multinacional, alegando problemas de saúde. O encontro
foi mediado por dois de seus então sócios, Rafael Stein e Marcelo Correia — que
depois também alegam ter sido lesados financeiramente por ele.
Quadros mostrou prints das conversas com o
coach no WhatsApp. Pouco depois de ter apontado os problemas de saúde e
recebido o dinheiro, ele apareceu em fotos no Instagram com uma nova namorada,
aparentemente feliz e saudável. Quadros estranhou, mas apenas lhe lembrou que
precisava do dinheiro de volta. Pinto disse que ainda estava se restabelecendo
financeiramente e concordou em assinar um termo de compromisso de dívida, com
dez parcelas mensais. Ele fez o primeiro pagamento, mas, já no mês seguinte,
não fez mais. Em vários momentos da conversa do WhatsApp, ele diz que “não é
mau caráter” e que iria cumprir com as obrigações. Mas até agora, um ano e meio
depois, isso ainda não aconteceu, segundo Quadros.
Algo parecido ocorreu com Stein, Correia e
Felipe Requião. Os três são palestrantes e mediadores de rodas de conversa
sobre masculinidades. Eles conheceram Pinto pelas redes sociais e se
interessaram em trabalhar com ele, admirados com a desenvoltura e o
conhecimento que ele demonstrava. Apesar de não terem formalmente montado uma
sociedade, o grupo atuou junto por cerca de um ano – inclusive em um projeto de
combate ao machismo no clube Vasco da Gama e em escolas. De acordo com Stein e
Correia, Pinto teria deixado de repassar a eles o pagamento de R$ 36 mil,
referente a uma roda de conversa em uma grande empresa, que seria dividido em
três. Apenas um deles, Requião, conseguiu que Pinto formalizasse um termo de
confissão de dívida de R$ 12 mil – mas que nunca foram pagos. “No princípio,
ele alegou que não havia dívida, pois ele havia me ajudado no início do meu
trabalho, me abrindo portas. Respondi que, se eu soubesse que ele cobraria por
isso, sinceramente, eu poderia não ter feito esta escolha”, disse Requião.
“Após ser vitimado por ele e ter conhecimento das demais vítimas, principalmente
as outras mulheres, tenho certeza de que o machismo dele não é inconsciente,
mas muito bem pensado no sentido de explorar as vulnerabilidades de suas
vítimas e descartá-las sob justificativas descabidas.”
De acordo com Correia, Pinto também teria
praticado estelionato intelectual por ter dito a outras pessoas ser o
verdadeiro autor de trabalhos que Correia produziu – a música “Cansei de ser
homem” e livros da coleção MaM – Meninos Anti-Machistas. “Ele me acusou de
roubo, mas eu que fiz pelo menos 90% do trabalho”, diz. Além disso, ele diz que
também lhe emprestou R$ 12,3 mil nunca reavidos, e também teve pagamentos
retidos por ele. Apesar da experiência traumática, os três ainda atuam com o
tema e dizem que há, sim, homens que fazem um trabalho sério sobre masculinidades.
“É um desserviço usar esse tema importante para benefício próprio”, diz
Correia. Em entrevista à Pública, Pinto admitiu que é devedor e diz que irá
pagar assim que puder. “Devo a muita gente, empresas e pessoas, independente de
gênero e classe social. Vou pagar todo mundo que devo, mas para isso preciso
ter o mínimo para me alimentar”, afirma. Sobre os ex-sócios, afirma que, “na
cabeça dele”, as contas estariam quites porque ele abriu portas e ensinou muito
a eles. Também diz que algumas palestras de que ele não participou não foram
pagas a ele, então “mais ou menos” estaria tudo certo.
Já sobre a doença que alegava ter, Pinto diz
que tem diagnóstico de depressão e que, em uma consulta, foi aventada a
possibilidade de ter algum problema no fundo de um dos olhos que poderia estar
causando enxaqueca. Ele diz que fez sessões de tratamento para enxaqueca, mas
nunca nada relacionado a quimioterapia.
Questionado, Pinto disse que não há provas de
que ele falou sobre fazer quimioterapia. Mas, em uma das mensagens a que a
Pública teve acesso, ele diz para Quadros: “Agora faço a primeira quimio. Vou
fazer quatro sessões de forma preventiva”. Ela pergunta: “Como é isso? Não era
atrás do olho?”. Ele responde: “É. Atrás do olho direito. O local é difícil para
uma pulsão [sic]. Por isto, quimio de forma preventiva”. Ele não quis falar
sobre se foi pai solo de duas meninas. Disse que as mães das duas são
“participativas” e confessou que só foi pai solo da mais nova por um período de
tempo. Mas não quis dizer quanto tempo. Hoje, nenhuma das duas mora com ele.
Ele fez seu último evento sobre masculinidades em novembro do ano passado. Mas
diz que foi o último. Agora quer deixar a área para trás, por estar “cansado”,
e está procurando trabalho. Fez entrevista para uma vaga de recursos humanos em
uma empresa – atribui não ter sido selecionado pela repercussão de seu caso nas
redes sociais – e passou um mês trabalhando em uma loja de rua no centro de São
Paulo.
Fonte: Por Amanda Audi, da Agencia Pública

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