segunda-feira, 24 de março de 2025

Bruno Machado: Menos tecnicismo, mais populismo

O populismo de esquerda que tanto foi alvo de críticas dos liberais brasileiros de Getúlio Vargas a Lula parece ter sido abandonado como estratégia de conquista do apoio popular para implementar mudanças estruturais no Estado brasileiro. O populismo hoje está sendo muito mais utilizado como ferramenta de força política pelo bolsonarismo do que pelo petismo.

Enquanto Jair Bolsonaro utiliza dos discursos anticorrupção, punitivismo penal e patriotismo para angariar a simpatia do brasileiro médio, o petismo se coloca em uma posição de defesa da institucionalidade, causando desconforto na sua militância que historicamente adotava uma posição política de anti-sistema. Abandonar a força do populismo em nome de uma política técnica e cientificamente limpinha é jogar fora uma boa arma na disputa pela opinião pública.

Desde a frente ampla de 2022, que incluiu Geraldo Alckmin e Simone Tebet, o petismo adotou um discurso mais próximo do tecnicismo tucano e o próprio presidente Lula tem feito discursos que parecem mais voltados ao Congresso e ao mercado do que a população em si, diferentemente do que fazia Jair Bolsonaro, por exemplo, em suas lives semanais as quintas-feiras. O episódio da fala de Fernando Haddad sobre compras na Shopee, onde o ministro do alto de sua soberba afirmou que compra livros na Amazon todo dia foi apenas um exemplo do afastamento do petismo do sentimento popular.

Além disso, enquanto Lula “taxou as blusinhas” da China, Jair Bolsonaro aumentou a validade da CNH para 10 anos, fato que é lembrado até hoje pelos brasileiros. É verdade que as mudanças nas compras internacionais foi apenas uma regulamentação para o cumprimento das leis que já existiam e não eram cumpridas e é verdade que o aumento da validade da CNH pode representar um risco maior para o trânsito, mas é fato que uma ação foi rejeitada pelo povo e outra foi aplaudida. É fundamental que o governo leve em conta a opinião pública e pequenos atos populistas de baixo custo devem sim ser utilizados para o ganho de força na opinião pública.

Outro ponto que colocado em perspectiva no orçamento público federal pode parecer irrisório, mas atinge em cheio a popularidade do governo são os gastos pessoais excessivos de Lula e Janja. Um presidente que esbanja com dinheiro público será visto com maus olhos pela população em qualquer país do mundo. Enquanto Jair Bolsonaro emulava uma falsa simplicidade com sua caneta Bic e seu pão francês com leite condensado, Lula não parece preocupado com isso enquanto o governo compra sofás de R$65 mil. É um erro achar que por ser irrelevante para o orçamento público os pequenos gastos pessoais do presidente da República não são importantes, pois para a moral popular são. Novamente o petismo cai no tecnicismo tucano em vez de utilizar a simplicidade do líder como instrumento de busca pela simpatia popular, como faziam José Mujica e López Obrador.

O materialismo histórico como método de análise da sociedade é um dos pilares mais importantes do pensamento socialista, entretanto, na disputa democrática tanto pelo voto quanto pela opinião popular, a moralidade e a subjetividade cumprem papéis decisivos também. Se a esquerda quer maior poder popular para implementar mudanças além do que os bancos, o agro e os militares desejam, precisa se preocupar com o que pensa o brasileiro além das questões econômicas.

A ideia de que basta atuar nas bases para elevar a consciência de classe e a politização dos trabalhadores para que estes se unam aos partidos de esquerda que tem projetos de desenvolvimento econômico e distribuição de renda segue sendo o núcleo central da atuação da esquerda, mas não pode parar aí. As pautas moralistas de anticorrupção, punitivismo e patriotismo precisam ser recuperadas pela esquerda, ainda que não reflitam mudanças concretas na realidade e se convertam em medidas pontuais com eficácia reduzida e baixo custo-benefício.

A disputa pelas grandes questões da política brasileira, que envolve a dívida pública, o orçamento, as estatais, os direitos trabalhistas, a previdência, o agro, o sistema financeiro, as universidades e etc., é importante demais para ser perdida por questões que envolvem apenas o discurso, a moral e as aparências. É preciso vencer em todas as frentes.

O recente governo de López Obrador no México demonstrou a força que o populismo pode dar a esquerda enquanto desarma a direita, obrigando-a a ir para o debate público com suas políticas concretas, que são majoritariamente anti-povo e impopulares. Se Lula abraçasse o populismo de esquerda como López Obrador, talvez Jair Bolsonaro tivesse que ir para a disputa eleitoral com sua agenda política real e concreta, que é a agenda Paulo Guedes, da carteira verde e amarela, da previdência por regime de capitalização e da privatização das estatais.

É importante ressaltar que reconhecer a eficiência do método de governo de López Obrador não significa defender integralmente suas ideias e muito menos replicá-las cegamente no Brasil, não se pode esquecer do negacionismo de Obrador frente a pandemia e os danos que causou a saúde da população mexicana com seus discursos, na mesma linha que fez Jair Bolsonaro no Brasil.

Para derrotar o bolsonarismo e seus sucessores na direita, as lideranças de esquerda precisam se reconectar com o brasileiro médio, se aproximar da moral popular e sua religiosidade, capturar os discursos da anticorrupção, do punitivismo e do patriotismo que hoje pertencem à direita, e utilizar mais da comunicação direta com o eleitor, como fizeram Jair Bolsonaro e López Obrador, em vez de se limitar as campanhas de marketing e as coletivas de imprensa de sempre. Se não o fizer, correrá grande risco de perder para a onda do populismo de direita que veio com Donald Trump nos EUA, Javier Milei na Argentina e ainda tem força com Jair Bolsonaro no Brasil. O México mostrou o caminho.

Sem o discurso populista de esquerda, Getúlio Vargas não teria feito as transformações econômicas no Brasil como fez, Leonel Brizola não teria o tamanho que teve no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, e provavelmente Lula não teria sido eleito em 2002. Se a esquerda quer vencer a disputa pelo poder real para transformar o Brasil de forma estrutural, não pode deixar o canhão do populismo nas mãos da direita.

•                             "O fascismo a gente não combate com flores", diz Rui Falcão

Em entrevista à TV 247, o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) expressou suas críticas às propostas que têm ganhado força dentro do PT e comentou sobre sua possível candidatura à presidência da legenda. Falcão, ex-presidente do PT, explicou que ainda está refletindo sobre a decisão, após receber várias sugestões e pedidos para entrar na disputa interna do partido. "Até o final de março ou começo de abril, tomarei uma decisão", afirmou.

<><> Críticas à "despolarização" e ao centrismo dentro do PT

Durante a entrevista, o deputado foi enfático ao se opor a algumas das propostas que circulam dentro do PT, principalmente aquelas que sugerem um movimento do partido em direção ao centro e o fim da polarização política. Para Falcão, a polarização não é uma escolha, mas sim um reflexo dos antagonismos e interesses de classe que definem o cenário político atual. "Hoje, a polarização vem da extrema direita contra nós", disse.

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Falcão também repudiou a ideia de apaziguamento com setores fascistas e extremistas, uma proposta que considera equivocada dentro de uma estratégia política eficaz. "Não adianta ir com bandeirinha branca, porque o fascismo e seus aliados a gente não combate com flores", afirmou, reforçando que é preciso manter uma postura firme e radical na defesa de pautas progressistas.

Em relação à proposta de um PT mais centrista, Falcão foi igualmente crítico. "Acho que esse não é o caminho nem para governar, nem para recuperar a popularidade do presidente Lula", declarou. Para ele, políticas concretas, com impacto direto na vida das pessoas, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a criação de uma alíquota para os super-ricos, são essenciais para reverter a percepção negativa do governo Lula entre a população.

<><> O cenário da eleição interna do PT

No campo da disputa interna, Falcão comentou sobre os nomes que já se colocam como pré-candidatos à presidência do PT: Romênio Pereira, Walter Pomar e Edinho Silva, que ainda enfrenta resistência dentro de seu próprio grupo político. Falcão afirmou que suas críticas e intervenções não são pessoais, mas sim programáticas. "Tenho discordâncias com algumas propostas que têm sido apresentadas", explicou, destacando a "despolarização" e o "centrismo" como direções equivocadas para o partido.

•                             “O capital, a religião e o fuzil são a base do projeto do fascismo”, diz Genoino

Em entrevista ao programa Bom Dia 247, o ex-presidente nacional do PT, José Genoino, fez uma análise detalhada sobre os rumos da extrema-direita no Brasil e os desafios da esquerda diante de um projeto que, segundo ele, combina interesses do grande capital, repressão policial e instrumentalização da fé para consolidar uma nova forma de autoritarismo. As declarações foram feitas em conversa com os jornalistas Leonardo Attuch e Dafne Ashton.

“O capital, a religião e o fuzil: essa união faz a base da governabilidade do fascismo da extrema-direita”, afirmou Genoino. Segundo ele, esse tripé constitui o fundamento do projeto bolsonarista, que busca se reinventar para 2026 por meio de alianças com setores da velha direita, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Tarcísio de Freitas (São Paulo).

O ex-deputado vê no atual governador paulista um nome que tenta herdar o espaço do bolsonarismo, mesmo sem se desvincular de sua origem: “O Tarcísio está demonstrando que ele não pode se afastar do núcleo histórico de onde ele nasceu, que é o bolsonarismo raiz”.

Para Genoino, o fracasso de público na manifestação organizada por Jair Bolsonaro em Copacabana, no início de março, não representa uma derrota definitiva: “A extrema-direita expressa no bolsonarismo é uma resposta à crise que o sistema vive. A derrota não se dará apenas no plano jurídico e policial, mas no enfrentamento político”.

Ele também alertou para uma possível estratégia de anistia a Bolsonaro e aliados caso a extrema-direita vença a eleição presidencial de 2026: “Estão apelando para eleger um presidente que possa, além de nomear ministros para o Supremo, decretar anistia para o Bolsonaro. É isso que está em jogo”.

Genoino defendeu uma reformulação profunda no campo democrático-popular, com foco em propostas concretas que melhorem a vida da população: “O Lula tem que se manifestar na entrega e na defesa dos direitos do povo, na construção de uma agenda popular. Segurança pública, inflação, saúde, qualidade do emprego, são temas fundamentais”.

Ele fez duras críticas ao modelo de Banco Central independente e à política monetária vigente: “Banco Central independente de quem? Do povo, do governo? É dependente do rentismo. Esse modelo foi capturado pelo mercado financeiro”. E completou: “Posso não ter força para fazer a mudança mais profunda, mas tenho que dizer qual é o caminho. Se eu não disser, nunca vou criar condições para um dia chegar nele”.

Sobre a aprovação do Orçamento de 2025, o ex-presidente do PT avaliou como uma vitória pontual, mas alertou para a estrutura viciada do sistema político brasileiro: “O orçamento é a ponta de um iceberg que revela a bagunça institucional. Envolve altos salários, emendas impositivas, privilégios. Esse modelo institucional nosso é caótico”.

Genoino reforçou que a esquerda deve encarar a disputa de 2026 com clareza estratégica e foco na formação de um polo democrático-popular: “Será a última eleição que Lula terá condições de disputar. Defendo que a gente faça uma frente mais ampla, mas que também construa um polo de esquerda”.

Ele concluiu com uma advertência sobre o papel das reformas institucionais para conter o avanço da extrema-direita: “Devemos defender mudanças nas Forças Armadas, na segurança pública e no sistema eleitoral. Se a gente se conforma com esse sistema, a população vai sentir que somos parte dele. E não podemos ser”.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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