É
‘lamentável’ ver em o quê grandes emissoras, revistas e jornalões se
transformaram. Ou pelo menos voltam a ser em momentos críticos da história
brasileira. Há méritos e críticas normais a toda imprensa. Mas o desmonte em
termos de qualidade jornalística e sensacionalismo jabaizado na atualidade
parece ter superado outras épocas.
Basicamente,
em todo e qualquer processo penal existem três partes: acusação (autor,
promotor, MP); julgamento (juiz, Poder Judiciário); e defesa (réu, advogado). A
lei, em regra, no mundo todo, sustenta esta estrutura tríplice.
No
Brasil, com uma Constituição da República efetivamente ‘cidadã’ a pessoa
acusada de um crime tem amplíssima chance de se defender, além de ser
considerada inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Salvo essa interpretação pioradíssima aí do Supremo Tribunal Federal, num surto
de Direita Penal, determinando encarceramento do réu após uma segunda sentença.
A
lei 8906, no artigo 6º surpreende muita gente esclarecida que não tem a menor
ideia de como se desenrola um processo judicial. Diz textualmente o artigo: “Não há hierarquia
nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público,
devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”
Duas
coisas chamam atenção na redação. A primeira é o ‘não há’. Se no plano
institucional entre defesa, acusação e julgamento deve haver uma preferência
para a defesa, até em razão do princípio secular, “na dúvida absolva-se”, no
plano profissional entre juiz, advogado e promotor a lei é simétrica e
igualitária. Não aceita nem subordinação nem hierarquia. Se não, o que estaria
em desvantagem seria a cidadania, o réu, representado pelo advogado. Por isso
muita gente não entende ‘como’ um advogado enfrenta um juiz ou um promotor e
não lhe ‘acontece’ nada.
A
segunda coisa que chama atenção é a expressão ‘devendo todos’. Um reforço à
isonomia profissional no sentido de que a defesa do cidadão não precisa ter
medos, receios, cerimônias, temores, respeitosidades excessivas, sob pena, de
novo, de a própria cidadania não ser plenamente defendida.
Disso
tudo se extrai um equilíbrio perfeito entre três funções processuais: acusação,
julgamento e defesa. Aí começa o problema da imprensa.
Imagine
que a imprensa ao ouvir os ‘lados’ (!) de um processo, abra 5 minutos na
reportagem para a acusação, dando o nome do promotor, imagens bonitas e fazendo
perguntas ‘fáceis’ para ele, mostrando-o simpático e justiceiro, defendendo uma
pena altíssima para um ‘suposto’ crime ‘bárbaro’ – a palavra ‘suposto’ é a nova
malandragem de jornalistas para evitar serem processados.
Imagine
que na mesma reportagem, ‘para se dizer’ equidistante, seja ouvido o advogado.
Mas aí as perguntas a ele são cruéis, incômodas, implicantes e buscando somente
contradições e expor a defesa a saias justas. Em outras palavras já induzindo o
réu à culpa.
Será
que uma imprensa assim não está naturalmente fazendo um justiçamento pelas
próprias mãos do réu? É claro que sim.
É
o caso da poderosa, e suspeitíssima, Globonews, com largas matérias sobre a
polícia federal, juiz Sergio Moro, procuradores do MP. Reportagens
‘compenetradas’ do tipo o que comem, o que sentem, como vivem. E, zero sobre
defesas. A não ser para afundar a situação do réu.
Não
se pode esquecer que o princípio da presunção da inocência é constitucional.
Não é uma ‘vontade’ da advocacia. Pertence a todas as democracias. É um ganho
caríssimo às sociedades que precisaram lutar efetivamente para conquistar este
patamar.
É
óbvio que ninguém aguenta mais corrupção, ladroagem, safadeza, desonestidade,
tudo no serviço público envolvendo ‘autoridades’ seriíssimas, austeras e
fiscalizadoras de moralidades e condutas ‘impolutas’. Um verdadeiro ‘me engana
que eu gosto’. Tudo em formação de quadrilha com empresários mais que
capitalistas, ávidos pelo bilhão safado. Agora com a lista rapidamente abafada
da Odebrecht – parece que Sergio Moro aprendeu que é apenas juiz de primeiro
grau-, que compromete até a altura do abdome caciques do PSDB, a coisa
finalmente ganhou mais ‘verdade’.
O
processo penal que é uma garantia do cidadão não deveria estar servindo para
uma imprensa sensacionalista prejulgar, condenar por antecipação e estimular a
sociedade, em grande parte acrítica, a ter a cabeça feita para um lado e
somente. Mas isso que a imprensa faz não é de hoje.
Virou
moda nas reportagens a frase: ‘procurada, a defesa não deu retorno’; ou ‘a
defesa não foi encontrada’. Tolinhos e crédulos acreditam. Ou seja, ouve-se o
lado acusatório que a imprensa quer e, em muitos casos, solta-se essa desculpa
esfarrapada.
Cada
um escolhe o herói que quiser. Crença e adoração são sentimentos livres.
Notícias que vendem e rendem lucros milionários também pertencem ao jogo
democrático e capitalista. A Globo pode premiar e transmitir o que quiser,
juiz, cantor de Lepo Lepo etc. Compra quem gostar.
Mas
quando uma estrutura como o processo penal é mostrado desequilibradamente, a
imprensa está sendo parcial, desonesta, facciosa e efetivamente contributiva
para um golpe. Palavra que muitos contestam porque o impeachment está
regularmente previsto na Constituição da República. Perfeito.
Mas
o que o italiano Antonio Gramsci teorizou sobre hegemonia, mostra que o
controle social em muitas vezes não vem pela força, mas pela ‘manipulação
sutil’. Há golpes escancarados, com tanques e toques de recolher. Há outros
efetivamente sutis.
Jean Menezes de Aguiar: Advogado e professor da
pós-graduação da
FGV
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