segunda-feira, 28 de março de 2016

A imprensa virou um braço da acusação. Por Jean Menezes de Aguiar

É ‘lamentável’ ver em o quê grandes emissoras, revistas e jornalões se transformaram. Ou pelo menos voltam a ser em momentos críticos da história brasileira. Há méritos e críticas normais a toda imprensa. Mas o desmonte em termos de qualidade jornalística e sensacionalismo jabaizado na atualidade parece ter superado outras épocas.
Basicamente, em todo e qualquer processo penal existem três partes: acusação (autor, promotor, MP); julgamento (juiz, Poder Judiciário); e defesa (réu, advogado). A lei, em regra, no mundo todo, sustenta esta estrutura tríplice.
No Brasil, com uma Constituição da República efetivamente ‘cidadã’ a pessoa acusada de um crime tem amplíssima chance de se defender, além de ser considerada inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Salvo essa interpretação pioradíssima aí do Supremo Tribunal Federal, num surto de Direita Penal, determinando encarceramento do réu após uma segunda sentença.
A lei 8906, no artigo 6º surpreende muita gente esclarecida que não tem a menor ideia de como se desenrola um processo judicial.  Diz textualmente o artigo: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”
Duas coisas chamam atenção na redação. A primeira é o ‘não há’. Se no plano institucional entre defesa, acusação e julgamento deve haver uma preferência para a defesa, até em razão do princípio secular, “na dúvida absolva-se”, no plano profissional entre juiz, advogado e promotor a lei é simétrica e igualitária. Não aceita nem subordinação nem hierarquia. Se não, o que estaria em desvantagem seria a cidadania, o réu, representado pelo advogado. Por isso muita gente não entende ‘como’ um advogado enfrenta um juiz ou um promotor e não lhe ‘acontece’ nada.
A segunda coisa que chama atenção é a expressão ‘devendo todos’. Um reforço à isonomia profissional no sentido de que a defesa do cidadão não precisa ter medos, receios, cerimônias, temores, respeitosidades excessivas, sob pena, de novo, de a própria cidadania não ser plenamente defendida.
Disso tudo se extrai um equilíbrio perfeito entre três funções processuais: acusação, julgamento e defesa. Aí começa o problema da imprensa.
Imagine que a imprensa ao ouvir os ‘lados’ (!) de um processo, abra 5 minutos na reportagem para a acusação, dando o nome do promotor, imagens bonitas e fazendo perguntas ‘fáceis’ para ele, mostrando-o simpático e justiceiro, defendendo uma pena altíssima para um ‘suposto’ crime ‘bárbaro’ – a palavra ‘suposto’ é a nova malandragem de jornalistas para evitar serem processados.
Imagine que na mesma reportagem, ‘para se dizer’ equidistante, seja ouvido o advogado. Mas aí as perguntas a ele são cruéis, incômodas, implicantes e buscando somente contradições e expor a defesa a saias justas. Em outras palavras já induzindo o réu à culpa.
Será que uma imprensa assim não está naturalmente fazendo um justiçamento pelas próprias mãos do réu? É claro que sim.
É o caso da poderosa, e suspeitíssima, Globonews, com largas matérias sobre a polícia federal, juiz Sergio Moro, procuradores do MP. Reportagens ‘compenetradas’ do tipo o que comem, o que sentem, como vivem. E, zero sobre defesas. A não ser para afundar a situação do réu.
Não se pode esquecer que o princípio da presunção da inocência é constitucional. Não é uma ‘vontade’ da advocacia. Pertence a todas as democracias. É um ganho caríssimo às sociedades que precisaram lutar efetivamente para conquistar este patamar.
É óbvio que ninguém aguenta mais corrupção, ladroagem, safadeza, desonestidade, tudo no serviço público envolvendo ‘autoridades’ seriíssimas, austeras e fiscalizadoras de moralidades e condutas ‘impolutas’. Um verdadeiro ‘me engana que eu gosto’. Tudo em formação de quadrilha com empresários mais que capitalistas, ávidos pelo bilhão safado. Agora com a lista rapidamente abafada da Odebrecht – parece que Sergio Moro aprendeu que é apenas juiz de primeiro grau-, que compromete até a altura do abdome caciques do PSDB, a coisa finalmente ganhou mais ‘verdade’.
O processo penal que é uma garantia do cidadão não deveria estar servindo para uma imprensa sensacionalista prejulgar, condenar por antecipação e estimular a sociedade, em grande parte acrítica, a ter a cabeça feita para um lado e somente. Mas isso que a imprensa faz não é de hoje.
Virou moda nas reportagens a frase: ‘procurada, a defesa não deu retorno’; ou ‘a defesa não foi encontrada’. Tolinhos e crédulos acreditam. Ou seja, ouve-se o lado acusatório que a imprensa quer e, em muitos casos, solta-se essa desculpa esfarrapada.
Cada um escolhe o herói que quiser. Crença e adoração são sentimentos livres. Notícias que vendem e rendem lucros milionários também pertencem ao jogo democrático e capitalista. A Globo pode premiar e transmitir o que quiser, juiz, cantor de Lepo Lepo etc. Compra quem gostar.
Mas quando uma estrutura como o processo penal é mostrado desequilibradamente, a imprensa está sendo parcial, desonesta, facciosa e efetivamente contributiva para um golpe. Palavra que muitos contestam porque o impeachment está regularmente previsto na Constituição da República. Perfeito.
Mas o que o italiano Antonio Gramsci teorizou sobre hegemonia, mostra que o controle social em muitas vezes não vem pela força, mas pela ‘manipulação sutil’. Há golpes escancarados, com tanques e toques de recolher. Há outros efetivamente sutis.



Jean Menezes de Aguiar: Advogado e professor da pós-graduação da FGV

A crise brasileira atual revelará quem realmente é soberano no país. Por Jacques Távora Alfonsin

Tanto a defesa do impeachment da presidenta Dilma, quanto a defesa desta têm fundado a sua argumentação na Constituição Federal, o que leva para o campo do direito e das leis questões políticas de alta complexidade, transferindo para um “poder não eleito”, como Boaventura de Sousa Santos denomina o Judiciário, a responsabilidade de oferecer solução para a grave crise em que o Brasil está envolvido.
Se o parágrafo único do primeiro artigo da Constituição reconhece todo o poder emanar do povo, e uma das formas da sua expressão ser a do voto, tem-se de dar como certo o sujeito dessa soberania ter escolhido recentemente a presidenta como mandatária desse poder.
Ora, a infidelidade a qualquer mandato, ainda mais quando esse é o de governar o Estado em função daquele mesmo soberano, exige prova incontestável. Não pode depender, por exemplo, só do desgosto de quem perdeu as eleições, ou da admissão apressada e indiscriminada de delações premiadas, notoriamente selecionadas e divulgadas para apressar uma determinada saída do impasse sob o qual vive a nação. Muito menos de decisões judiciais singulares, levadas a público, em franca desobediência aos limites da competência de quem assim decide, e ao previsto em lei, para a regular tramitação de uma investigação dessa gravidade.
Por isso, a baixaria que inspirou a turba inconformada com o despacho do ministro Teori Zavascki, determinando ao juiz Sergio Moro a remessa ao Supremo Tribunal Federal de todas as investigações relativas ao ex-presidente Lula, acrescenta mais um indicativo da contradição motivadora do grupo  que tem ido às ruas em defesa do impeachment da presidente.
Se é mesmo a defesa da moral pública, a punição das/os corruptos que ela persegue, deveria reconhecer que o despacho do ministro não teve base exclusivamente jurídica mas fundamentalmente ética, demonstrativa, por sinal, de que o juiz Sergio Moro pode ter dado aí um passo fatal para o futuro dos seus despachos nas operações policiais que determina.
Bem examinada a reprimenda de Teori, ela contém uma advertência séria não só contra a ilegalidade da decisão de um juiz em divulgar um determinado fato sujeito a sigilo, como um aviso à sua conduta pessoal de magistrado, vetada até pelo Código de Ética da magistratura:
“Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”.
“Não há como conceber” “descabida invocação de interesse público”, “conversações que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal” desprotegendo “intimidade e privacidade das pessoas”, esse recado dá a entender ao juiz destinatário que ele está praticando verdadeiro desvio de poder, abusando da sua autoridade, uma das faltas mais graves que um juiz pratica.
Infelizmente, Sergio Moro não está sozinho. Quem defende direitos humanos em nosso país já presenciou e sofreu, junto das vítimas a quem presta seus serviços, muita humilhação judicial do mesmo tipo. Basta elas se organizarem em algum movimento popular, para defender os seus direitos, para sentirem como a intepretação e a aplicação da lei se distancia da sua letra, quando aqueles direitos estão em causa. À arrogância e à prepotência contra “pés de chinelo”, como a cultura ideológica da desigualdade social presente na intepretação e aplicação da lei contra pessoas pobres as identifica, tem tudo a ver com o verdadeiro soberano, com quem manda no Estado e no seu povo.
Em “Soberania e Constituição” Gilberto Bercovici demonstrava, em 2008, numa linha semelhante às mais recentes lições de Tarso Genro e Boaventura de Sousa Santos, onde se encontra a causa das crises como a brasileira de agora:
“Capitalismo e Estado estão indissociavelmente ligados, são parte da mesma evolução histórica.” {…} O Estado moderno, como Estado mercantilista, firmou-se como uma entidade econômica autônoma.” {,,,} “Não à toa, o capitalismo, ou seja, a razão econômica da nova sociedade internacional, está em estreita relação com a razão de Estado. A razão de Estado, primeiro discurso do estado de exceção, tinha por finalidade garantir a preservação do Estado a qualquer preço.” {…} “Mas, para surpresa dos liberais, ao realizarem suas revoluções, um novo ator político entrou em cena: o poder constituinte do povo, incontrolável e ameaçador. As experiências de fundação dos regimes constitucionais inglês, americano e francês demonstram os esforços das classes dominantes em limitar e fazer desaparecer o poder constituinte do jogo político.” {..} “Com o discurso exclusivo da legalidade, a distinção entre normalidade e exceção perde o sentido, pois a exceção, ao ser legal, assume a veste da normalidade. A forma institucional disso foi o constitucionalismo. O constitucionalismo  nasceu contra o poder constituinte, buscando limitá-lo. A separação dos poderes, por exemplo, foi pensada menos para impedir a usurpação do poder executivo do que para barrar as reivindicações das massas populares.”
Que um diagnóstico duro como esse seja aceito sem mais, é de se duvidar, ainda mais considerado o grau de paixão atualmente em conflito entre as defesas jurídicas da presidenta e as do seu impedimento, mas que o aviso desse constitucionalista sobre a manipulação da Constituição em favor de um capital visivelmente insatisfeito com o governo dela, tem toda a procedência, isso não dá para esconder.

As tais “forças ocultas” do passado já nem se escondem mais e se o verdadeiro poder constituinte vacilar, até ele vai ser atropelado por elas. Agora, porém, esse já começou a mostrar que não vai ser pego desprevenido, como aconteceu em 1964, e o povo, consciente das advertências de juristas como aqueles acima lembrados, pode ter a chance de provar que a soberania prevista no parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal, desta vez, será exercida pelo seu verdadeiro titular.

Cai a máscara de Moro. Por Walter Santos

De repente, não mais do que de repente – como repetia o Poeta, o noticiário político no Brasil começa a ser tomado por insuspeitas reportagens pontuando uma sequência de acusações de desvios de recursos através de Lista da Odebrecht envolvendo os principais lideres da Oposição – Aécio, Serra, Alckmin, Cássio, Roberto Freire, Paulinho da Força, etc, todos sem exceção – os mesmo que clamam Ética ao PT e a Lula, agora diante do beneficio processual com a decisão do Juiz Sérgio Moro de não mais querer investigá-los levando o magistrado a assumir assim postura Parcial deplorável no trato judicante, algo já identificado ao longo da Operação Lava Jato.
ARGUMENTO PÍFIO
O Juiz alega ter tomado a decisão de poupar os lideres da Oposição sob o argumento de que não tem como determinar se os pagamentos na Lista de contabilidade paralela da Odebrecht a mais de duzentos políticos são ilegais ou não, embora nesta famosa relação recusada por Moro exista ainda denúncia de repasse de R$ 15 milhões ao “Mineirinho” – atribui-se ser Aécio Neves -, durante a campanha presidencial.
Mas, dentro da obviedade processual presumida, por que o Douto Juiz não quis proceder com investigações a fundo contra os lideres de Oposição no mesmo nível do que processara na relação com o PT e o ex-presidente Lula?
Por que esta conduta parcial, flagrantemente desprovida de razão? Por que, enfim, não investiga Aécio e todos os relacionamento na Lista?
ACUSAÇÕES MUITO GRAVES
Não precisa ser Expert em Contabilidade para identificar que de todos os documentos apreendidos pela Lava Jato nenhum tem mais consistência mais profunda e detalhada do que a Lista oferecida pela Odebrecht ao Juiz relator da Lava Jato, que insiste em recusar a delação premiada tão defendida por ele ao longo do processo – cenário este que desvenda atitude incompatível com mister judicante.
Ao se manter desta forma, ainda levando em conta as ações ilegais que cometera em vários momentos da Operação anteriormente, cada vez mais Moro perde a condição de Magistrado isento, portanto, já não desfruta de mesmas condições morais para se manter à frente da Lava Jato.
Pelo enredo processante, o Juiz não estava disposto a agir com senso de Justiça em todos os níveis e sim ser o Carrasco contra o PT e, sobretudo Lula, cuja missão a serviço de outros interesses – em especial prender Lula - ao que tudo indica ele não conseguirá o intento.
Em síntese, Moro não é Juiz isento e isto afasta definitivamente a aura de Justiceiro.
Tudo faz crer e o leva mais à condição de Perseguidor, ator de uma trama que começou há anos para extinguir Lula e o PT – algo que não conseguirá, assim como não conseguiu o ex-Ministro Joaquim Barbosa.
UM DETALHE A DESVENDAR A OPERAÇÃO ABAFA
Está lá no Blog “Do Cafezinho” expondo números impressionantes envolvendo os partidos de Oposição. Diz o site:
“Um internauta se deu ao trabalho de cruzar os números da planilha da Odebrecht com os dados do TSE. O resultado, segundo ele, explica porque a mídia e a Lava Jato resolveram abafar a planilha. O cruzamento revela que PMDB e PSDB, somados, omitiram de suas declarações a cifra de R$ 8 milhões em doações. O PT, em oposição, teve redução do valor legalmente declarado de R$ 336,00.”
Trocando em miúdos, com os novos fatos registrados a Operação Lava Jato acabou, perdeu de vez o sentido e destinação legal.
ÚLTIMA
“Onde houver trevas/ que eu leve a luz...”



Walter Santos é publisher da Revista NORDESTE e do Portal WSCOM

Quem irá nos defender? Por Lelê Teles

Um belo dia, enquanto assistíamos TV em casa, comendo pipoca, vimos uma turma branca de verde-amarelo sair às ruas, dedo em riste, mandando todos os petistas tomarem no cu.
Como não somos petistas, tiramos o nosso da reta.
Depois, intoxicados pelo ódio e envenenados pelos ventríloquos da mídia grande, os mesmos celerados aceleraram sua sandice: os vimos, pela TV, a chacoalhar um inofensivo cadeirante no meio da rua.
Mas como não usamos cadeira de rodas, ousamos fingir que não era conosco.
Então, encorajados por nossa omissão, os cachorros loucos iniciaram uma onda de ofensas públicas contra autoridades de um único partido em hospitais, restaurantes, livrarias, aeroportos...
Como não votamos em nenhum desses caras, demos de ombro.
Até aí, a única coisa que vimos de errado, e condenamos, foi a seletividade dos agressores.
E eles passaram a agir desavergonhadamente, já que ninguém os peitava, a ninguém mais eles respeitavam.
Até que um certo dia, cegos de ódio e atirando para todos os lados, os alucinados ameaçaram espancar, veja que coisa, um filho do Noblat, com um bebê no colo.
Isso também vimos pela TV e até achamos graça; afinal, Noblat não é aquele cretino que vive a instigar o ódio na turma verde-amarela?, pois provou do próprio veneno.
Bem feito, dissemos, em silêncio.
E quanto mais nos calávamos, mas a voz dos midiotas se fazia ouvir.
O nosso mutismo conivente deu aos sociopatas a impressão de que todos nós estávamos de acordo com os seus métodos.
"Quem defende corrupto é corrupto", gritavam, ameaçando os que balbuciavam alguma palavra contrária.
Somente no dia em que xingaram o Chico é que percebemos que eles estavam chegando perto de nós.
Mas já era tarde demais.
Inusitadamente, como um demônio ex-machina, eles apareceram dentro de uma peça de Chico e de lá, em pleno teatro, passaram a nos xingar de negros filhos da puta.
Sob a chancela ingênua de nosso silêncio conivente, suas vozes odiosas saíram das ruas e ganharam as TVs, os rádios, as redes sociais e até os teatros, senhoras e senhores.
Anabolizados pelos ventríloquos da plutocracia, as subcelebridades do caos decidiram agora cassar, na mão grande, 54 milhões de votos e, de lambuja, proibir o uso de roupas vermelhas a qualquer transeunte.
Ontem mesmo estavam às portas Planalto, tentando arrancar de lá, pelos cabelos, a presidenta e o ministro recém-empossado.
Em seguida, foram à porta da casa de um juiz da Suprema Corte fazer ameaças, chamá-lo de vendido, cabrita...
Eles perderam o limite.
Agora assistimos, já um pouco preocupados, os cachorros loucos se metamorfosearem em animal de tourada, e saírem a desferir chifradas em qualquer coisa vermelha que se mexa pelas ruas.
Cãezinhos, bebês, senhoras...
Até que, inesperadamente, nos vimos com a respiração suspensa: durante uma missa, uma analfabeta política esbofeteou um padre. foi a gota d'água.
Era como se ouvíssemos o barulho da multidão se aproximando de nosso quintal, com os archotes acesos, já pisando a grama do nosso jardim.
Acoelhados, começamos a sentir um pouco de medo.
Há pouco ouvimos os seus gritos na varanda ao lado, batendo panelas e xingando, sob o silêncio covarde da vizinhança.
Não tardará a hora em que, na calada da noite, eles aparecerão à nossa porta, com porretes nas mãos.
E como nada fizemos para defender o cadeirante, o filho do Noblat, a mamãe com o bebê, as autoridades políticas, o juiz, o ex-presidente, a presidenta, o Chico e o bispo...
Quem irá nos defender?

Palavra da salvação.

Campanha deseleitoral. Por Alex Solnik

Isso que estamos vivendo é um episódio inédito na política brasileira.
Não é impeachment, porque não há crime de responsabilidade. Por isso acho mais conveniente denominá-lo “campanha deseleitoral”.
Trata-se não de eleger, mas de “deseleger” a presidente da República.
A campanha eleitoral acontece num determinado período e em determinados horários nas emissoras de TV.
A campanha “deseleitoral” acontece o tempo todo desde o início de 2015 e além de aparecer durante 24 horas na maior emissora do país conta com a colaboração da Editora Abril, da rádio Jovem Pan, da “Folha” e do “Estadão”.
Funciona assim.
A Polícia Federal fornece a matéria prima, em forma de delações “premiadas” para o juiz Sergio Moro, que a distribui aos órgãos já citados, que alimentam os movimentos de rua, financiados pelo Grupo Ultra, pela Fiesp e outras empresas, que, por sua vez, pressionam os 513 deputados federais e 81 senadores que formam o “colégio deseleitoral”.
Diferentemente de uma campanha eleitoral, em que quatro ou cinco ou nove candidatos disputam um contra o outro, na “campanha deseleitoral” são todos contra um: todos – Cunha, Temer, Aécio, Marina contra a presidente da República.
E até mesmo no STF há ao menos um ministro (Gilmar Mendes) que desde há muito trocou a toga da imparcialidade para unir-se à campanha.
Por aí dá para entender porque a Polícia Federal prendeu o principal marqueteiro do governo (João Santana) e está tentando prender o maior cabo eleitoral do governo (Lula).
Como se vê, a principal batalha que o governo enfrenta é a da comunicação, com resultado até agora completamente desfavorável. O SBT, a TV Band, a RedeTV e a Rede Record estão neutras. A TV Cultura, que espicaça com seu “Roda Viva” não tem ibope para sequer entrar na batalha. A única emissora que está ao lado do governo é a TV Brasil, mas a sua audiência e, portanto, seu poder de fogo é limitadíssimo.
Os aliados do governo são os 39 ministros, que deveriam dar sangue, suor e lágrimas na defesa do status quo, mas ninguém sabe aonde estão nem o que estão fazendo, sendo que alguns dos principais também foram neutralizados pela Polícia Federal e pela República de Curitiba.
A batalha só não está perdida porque, por enquanto, os tais “movimentos de rua” mobilizaram somente a “elite branca”. A maioria da população ainda não percebeu que será a principal prejudicada caso a presidente seja “deseleita”, anestesiada pelas novelas e pelo futebol, por isso continua em casa, sem entender o que está acontecendo.
Nessa maioria estão as 13,9 milhões de famílias ou 45,8 milhões de pessoas (um em cada quatro brasileiros) que recebem a “bolsa família” e é aí que o governo pode começar a virar o jogo, se conseguir informá-los – furando o paredão “deseleitoral” comandado pela Rede Globo – que eles vão perder a sua renda assim que a “deseleição” se consumar e colocá-los na rua, massivamente, para fazer a contrapressão sobre os 594 “deseleitores”.

Não é uma tarefa fácil, mas não vejo outra saída para o governo Dilma.

O combate da mídia à palavra golpe. Por Tereza Cruvinel

Os defensores do impeachment estão incomodados com a ressonância adquirida pela palavra golpe. Esta preocupação pautou os jornais e a mídia política em geral neste domingo de Páscoa, através de condenações variadas, e por diferentes atores, à percepção de que se trata de um golpe parlamentar-judicial-midiático para derrubar a presidente Dilma Rousseff e empossar seu vice Michel Temer. Está em curso a guerra da narrativa antes do fato, no pressuposto de que a História é sempre escrita pelos vencedores. Quando George Orwell disse isso, entretanto, era mais simples controlar a verdade. Não havia, por exemplo, a Internet.
Estão preocupados porque, mesmo que sejam vencedores, não escaparão do registro da História. Depois do golpe de 1964, estes mesmos jornais escreveram editoriais louvando a derrubada do presidente constitucional João Goulart como se tivesse sido uma vitória da democracia contra o risco de uma ditadura comunista. “Ressurge a democracia”, bradou O Globo. “Mais uma vez as Forças Armadas deram provas de sua intransigência democrática”, disse o editorial da Folha. Muitos anos e atrocidades depois, fizeram uma autocrítica envergonhada.
Estão preocupados, os atores do impeachment, com as repercussões internacionais do que se passa no Brasil e por isso condenaram com veemência a entrevista da presidente aos correspondentes estrangeiros. A OEA e a Unasul já se pronunciaram contra e não será pelo tamanho e peso do Brasil que o Mercosul deixará de invocar a cláusula democrática para suspender o pais, tal como foi feito em relação ao Paraguai. Lá também o impeachment sofrido por Lugo estava previsto na Constituição mas foi aplicado com inobservância das regras. Por isso foi um golpe paraguaio.
Na batalha contra a palavra golpe, neste domingo, a Folha de São Paulo protestou em editorial. Endossou as declarações do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto e dos atuais ministros Carmem Lucia e Dias Toffoli, lembrando que o impeachment é um instrumento previsto na Constituição. “A frenética tática defensiva do governo está aí – e por isso convém reduzir ao mínimo os pretextos que possam ser utilizados pela militância na guerra retórica”, disse a Folha.
Previsto o impeachment é, tanto que já foi até aplicado. Mas como disse também na Folha o insuspeito de esquerdismo-petismo Delfim Netto: ”(o impeachment) está no Congresso, está na Constituição. Quando acontece uma violação de função. ...Vai ter que provar no Congresso se realmente houve a violação de função.” Os dois ministros, bem como o ex-ministro do STF, sabem disso mais que todo mundo. Não se está questionando a constitucionalidade da figura do impeachment mas a forma de sua aplicação.
Eis que também o decano do STF, ministro Celso de Mello, aparece num vídeo, que teria sido feito num shopping de São Paulo na quarta-feira, dia 24, e foi postado por uma ativista dizendo: "A figura do impeachment não pode ser reduzida à condição de mero golpe de estado porque o impeachment é um instrumento previsto na Constituição Brasileira e estabelece regras básicas". E lá do vale do esquecimento ressurge em Paris o ex-ministro Eros Grau citando numa carta aberta os dois artigos da Constituição que prevêm o impeachment para condenar os que o condenam pela forma como está sendo conduzido: na ausência de um crime de responsabilidade indiscutível. Grau diz-se ainda surpreso com as manifestações contra o impeachment ocorridas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde estudou. Haverá outra.
No Estadão, o destaque é para o presidente da OAB, Claudio Lamachia, que amanhã, segunda-feira, vai entregar à Câmara um novo pedido de impeachment contra Dilma, agora valendo-se da conversa entre ela e Lula, ilegalmente divulgada Evitará um encontro com Eduardo Cunha, deixando o pacote no protocolo geral da Casa. Sorrateiro, finge tomar as dores do STF. “Essa afirmação do governo, com tanta frequência, de que há um golpe em curso me parece ofensiva ao próprio Supremo Tribunal Federal. Se dizem que é golpe, então o Supremo, há poucos dias, regulamentou o golpe. Ou seja, tanto não é golpe que a instância máxima da Justiça, numa sessão histórica, regulamentou o procedimento de impeachment. Isso acaba com a ladainha de golpe.”
O STF não regulamentou golpe nenhum. Provocado pelo PCdoB, depois que Eduardo Cunha baixou um rito diferente do que foi adotado por Ibsen Pinheiro em 1992 contra Collor, esclareceu como deve ser o ritual de um processo de impeachment em qualquer tempo, contra qualquer presidente. Era seu papel. E novamente provocado, pelo recurso de Cunha, manteve o seu entendimento quanto ao rito. Como Dilma já disse que fará uso de todos os recursos legais para resistir ao golpe, é possível que em algum momento peça ao STF que diga se houve ou não crime de responsabilidade. Aí, sim, os ministros vão ter que separar o alho do bugalho.
Em O Globo, Merval Pereira chama de “narrativa ridícula” as crescentes condenações ao impeachment que será golpe se consumado nas atuais circunstâncias: sem a devida prova de transgressões que configurem o crime de responsabilidade.

Esta é uma batalha que parece menor mas é importante no curso do jogo. Agora ele está sendo decidido apenas entre as cúpulas partidárias. As manifestações de apoio estão dispensadas. Conturbam. Vai que resolvem cobrar a apuração da lista da Odebrecht.

Corrupção até nos ovos de Páscoa. Por Altamiro Borges

A mídia privada adora fazer escarcéu com as denúncias de corrupção envolvendo empresas estatais e órgãos públicos. O objetivo, que apenas os “midiotas” não percebem, é induzir a sociedade a defender a privatização do patrimônio público e o chamado “Estado mínimo” – com menos gastos para as áreas sociais e mais grana para os rentistas e os ricaços. Quando um escândalo atinge a “competente e eficiente” iniciativa privada, a mídia venal trata logo de escondê-lo. Até porque, ela se alimenta da fortuna destes anunciantes. Isto ocorreu recentemente com a Volkswagen, que fraudou os dispositivos antipoluição de mais de 9 milhões de veículos em todo o mundo. A mídia abafou! Até na Páscoa, a corrupção privada está presente, mas não é destaque na mídia corrompida e venal.
Na terça-feira (22), a Fundação Procon de Porto Alegre informou que vai apurar a responsabilidade das fabricantes Nestlé, Garoto e Lacta na redução do peso dos ovos de chocolate. Segundo o órgão de defesa do consumidor, as empresas diminuíram o peso, mas mantiveram o mesmo preço do produto, sem o aviso devido ao consumidor. Os ovos de Páscoa fabricados neste ano pelas três marcas tiveram o volume reduzido entre 10% e 15% em relação ao ano passado. O Procon irá autuar as empresas, que terão dez dias de prazo para apresentar defesa sobre as irregularidades. As fabricantes poderão ser multadas e até mesmo ter a venda dos produtos suspensa até a adequação das embalagens.
De acordo com Cauê Vieira, diretor-executivo do Procon-Porto Alegre, além de notificar as empresas, o órgão também irá investigar uma alteração de padrão na fabricação. “A notificação é mais ampla do que somente a falta de comunicação ao consumidor. Questionamos também o motivo das empresas retirarem a padronização dos ovos entre os fabricantes, pois até o ano passado eles eram numerados, mas a partir desse ano, com a redução do peso, isso ficou variável entre as empresas", afirmou. Desde 2002, a Portaria nº 81 do Ministério da Justiça estabelece que os fabricantes que diminuírem a quantidade de produtos à venda ao consumidor devem informar a redução de modo claro e ostensivo nas embalagens.

O apresentador de tevê Celso Russomanno, que adora posar de “xerife do consumidor” e é candidato à prefeitura paulistana neste ano, nada falou sobre as fraudes da Nestlé, Garoto e Lacta. Talvez aguarde algum apoio financeiro para a sua campanha eleitoral. Já as emissoras de rádio e televisão, que se lambuzam na publicidade destes fabricantes de chocolate, também não alertaram os consumidores sobre a fraude nos ovos de Páscoa. E ainda tem gente que acredita no coelhinho da Páscoa e na imparcialidade e neutralidade da mídia. Haja inocência ou imbecilidade!