Neste domingo, a Grécia fez um referendo de cujo resultado
dependem o futuro do país e de seu governo eleito. Estará na balança, também, o
destino do euro e da União Europeia. Pela escrita de hoje, a Grécia não
pagou ao FMI parcela já vencida; as negociações foram interrompidas,
e os “grandes e bons” estão dando por descartado o governo grego e pregando um
voto “Sim”, que aceite os termos dos credores para o que dizem ser “reforma”,
para “salvar o euro”. Em todos esses juízos, eles estão – e não é a primeira
vez – errados.
Para compreender essa luta amarga, é importante que, antes, nos demos
conta de que os líderes europeus hoje são gente rasa, enclausurados,
preocupados com a política local de cada um e mal preparados moralmente ou
intelectualmente, para lidar com um problema continental. É verdade
sobre Angela Merkel na Alemanha, sobre François Hollande na
França, e é verdade também sobre Christine Lagarde no FMI.
Especialmente no Norte da Europa, os líderes não sentiram a crise e nada sabem
de economia. Nesses dois campos são o perfeito oposto dos gregos.
Para os norte-europeus, os profissionais nas “instituições” definem os
termos, e só há uma atitude pensável: aceitar. A negociação que houve foi
sempre do mesmo tipo: mais e mais concessões do lado grego. Qualquer adiamento,
qualquer objeção, só podia ser interpretado como má intenção. As intenções
adversas são normais, é claro: os políticos esperam encontra-las. Mas aos
ministros das Finanças europeus, jamais ocorreu a ideia de que seu colega
grego,Yanis Varoufakis não seja movido por alguma intenção inconfessável.
Quando Varoufakis não parou nem cedeu, a resposta dos “grandes e
bons” foram ofensas e assassinato de reputação.
Ao contrário do que pretendem comentários mal informados, o governo
grego sempre soube, desde o início, que enfrentava furiosa hostilidade
de Espanha, Portugal e Irlanda; desconfiança profunda
da esquerda mainstream naFrança e na Itália; obstrução
implacável da Alemanha e do FMI; e disposição para
desestabilizá-lo, do Banco Central Europeu. Mas por muito tempo, esses
pontos não foram visíveis internamente.
Havia gente influente, muito próxima de Tsipras, que não acreditava
nisso. Outros imaginavam que, ao final, a Grécia teria de se conformar com o
que conseguisse arrancar. Então, Tsipras adotou uma política de ceder
terreno. Deixou que os negociadores intermediários negociassem. E quando voltaram
com concessão e mais concessão, ele acedeu e concordou.
Em resumo, o governo grego descobriu que tinha de ceder às demandas dos
credores por superávit primário vasto e permanente. Foi um golpe duro;
significava aceitar o arrocho que o governo havia sido eleito para rejeitar.
Mas os gregos insistiram no direito de determinar a modalidade do arrocho — e
sua modalidade seria principalmente aumentar impostos sobre os gregos mais
ricos e sobre lucros das empresas. Pelo menos, a proposta protegia os
aposentados mais pobres contra cortes ainda mais devastadores. E não cederam em
direitos trabalhistas fundamentais.
Os credores rejeitaram também isso. Insistiram no arrocho e também em
determinar a precisa forma desse arrocho. Foi quando deixaram claro que não
tratariam a Grécia como haviam tratado qualquer outro país europeu. Os credores
lançaram sobre a mesa uma proposta tipo “pegar ou largar”, que sabiam
que Tsipras não poderia aceitar. De um modo ou de
outro, Tsipras estava sobre a linha de alvo. Decidiu correr seus riscos,
num referendo.
A reação furiosa e destemperada dos líderes europeus não foi,
provavelmente, inteiramente falsa. Talvez ainda não se tivessem dado conta de
que enfrentavam coisa que não se vê na Europa já há alguns anos: um líder
político.
Alexis Tsipras está no cenário internacional há poucos meses,
apenas. Não é refinado, mas é sedutor. É natural que gente tão limitada, como
são os atuais líderes europeus, não perceba que Tsipras,
como Varoufakis, queria dizer e dizia, sem simulação, exatamente o que
todos ouviam.
Diante da decisão de Tsipras de convocar
um referendo, Merkel e seu vice-chanceler Sigmar
Gabriel, Hollande na França e David Cameron na Grã-Bretanha
– e, para sua própria vergonha, também Matteo Renzi da Itália – todos
enviaram mensagens ao povo grego, dizendo que estava em jogo a permanência da
Grécia na zona do euro. O presidente da Comissão Europeia foi ainda
mais longe: disse que seria votação para decidir a permanência dos gregos como
membros da União Europeia. Foi ameaça orquestrada: rendam-se ou vocês
acabaram.
A verdade é que nem o euro nem a eurozona estão em questão, no
referendo: o que está em votação é o que responder aos credores. A ameaça de
expulsar a Grécia é blefe óbvio. Não há meio legal para alguém ejetar
um país para fora da eurozona ou da União Europeia. O referendo é de fato, e
obviamente, sobre o governo eleito na Grécia. Os líderes europeus sabem disso.
E estão tentando garantir que Tsipras caia.
O que Tsipras ganha com a vitória do voto “não”? Além de
sobrevida política, só uma coisa: esse é o meio que ele tem para provar, de uma
vez por todas, que absolutamente não pode ceder às condições que estão sendo
impostas. O ônus, pois, volta a recair sobre os credores. Se escolherem
destruir um país europeu, terão cometido um crime, e todos verão.
Isso posto, não há garantia alguma de que Tsipras vença neste
domingo. Nas eleições de janeiro, seu partido obteve 40% dos votos; agora,
precisa alcançar a maioria. Há medo e confusão por todos os lados. Os gregos
estão votando, de fato, para escolher entre dois futuros desconhecidos — o que
não pode oferecer garantia para ninguém, de lado algum.
Se os gregos votarem “Não”, há óbvia incerteza sobre o futuro econômico.
Talvez os bancos continuem fechados, os depósitos se percam e os credores
levemadiante suas ameaças. A incerteza é ampliada, inevitavelmente, pelo fato
de que o governo não pode fazer campanha a favor de permanecer no euro e ao
mesmo tempo explicar como enfrentará o trauma de ser forçado a sair. Se há
providências preparadas, é segredo até agora muito bem guardado.
Por outro lado, se os gregos votarem “Sim”, a incerteza será política. A
coalizão Syriza pode rachar e seu governo, cair. Então, o que
acontecerá? Não há governo alternativo com credibilidade na Grécia. Acima de tudo,
é difícil acreditar que algum governo (no sentido de qualquer governo, seja
qual for) formado para aceitar a rendição e aprofundar a depressão durará muito
tempo.
Parece certo que depois de um eventual “Sim” — uma rendição e depressão
ainda mais profunda –, a oposição oficial deixará de ser feita pela esquerda
pró-Europa que está hoje no governo da Grécia.
Essa oposição terá sido destruída pela Europa. A nova oposição, e algum
dia o governo, será ou um partido de esquerda ou um partido de direita que se
oporá ao euro e à União Monetária. Pode ser a Aurora Dourada, o
partido neonazista. A lição da Grécia ecoará sobre oposições em outros pontos
do mundo, inclusive na extrema direita em ascensão na França.
A ironia do caso é que a verdadeira esperança – a única esperança – para
a Europa está numa vitória do “Não” no domingo, seguida de novas negociações e
um melhor acordo. O “Sim” é vitória do medo, contra a dignidade e a
independência. O medo é força poderosa – mas dignidade e independência podem
voltar, prestigiadas, ao centro do palco.
*Economista norte-americano
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