As
severas denúncias contra o presidente da Câmara dos Deputados talvez sejam a
única boa notícia para o petismo nos últimos seis meses.
Encurralado
pela ofensiva conservadora, assistindo impavidamente a dissolução de sua base
social, o Palácio do Planalto vinha sendo feito de gato e sapato por Eduardo
Cunha.
Forjou-se,
ao redor do parlamentar fluminense, uma nova coalizão, de centro-direita, que
dirigiu a vida política no primeiro semestre e fragilizou as condições de
governabilidade da presidente Dilma Rousseff, estabelecendo uma espécie de
aleijão parlamentarista.
Mesmo
acossado pelas investigações da Operação Lava Jato, o líder peemedebista
operava como exímio alfaiate da escalada reacionária, combinando alentado
arsenal fisiológico com forte espírito de combate e ilimitado empenho na
articulação das forças do atraso.
O
poder executivo não conseguia frear suas investidas, acumulando sucessivas
derrotas e retrocedendo de forma atabalhoada, resumindo-se a agir
desesperadamente pela simples sobrevivência.
Cunha
deitava e rolava sobre um governo refém do próprio PMDB, além de abandonado por
grande parte de seus eleitores, depois do cavalo-de-pau na política econômica.
O
Planalto revelou-se apático, nestas contendas, para enfrentar o mar de
contradições no qual corre risco de afogamento.
Mas
uma tempestade mudou a paisagem, com um dos condutores fundamentais da
estratégia oposicionista abalado pela acusação de que teria embolsado gorda
propina em negociatas com fornecedores da Petrobrás.
A
situação de Eduardo Cunha, aliás, pode ficar ainda pior, se o procurador-geral
da República solicitar ao STF seu afastamento do comando da Câmara dos
Deputados.
De
uma hora para outra, o campo conservador viu-se tomado por sentimentos de
confusão e perplexidade, sem saber o que fazer com os danos provocados pelo
raio caído em seu território.
O
PSDB e seus aliados saem momentaneamente de cena, silenciosos e escorregadios.
A
velha mídia se divide, entre veículos que pulam na jugular de Cunha e outros
que preferem mantê-lo vivo como samurai contra o governo e o PT.
Setores
do PMDB e outras agremiações formalmente integrantes do bloco oficialista, que
ainda não estavam rendidos ao golpismo, ganharam dose extra de oxigênio e certa
margem de manobra.
Conspurcada,
a Câmara dos Deputados passa a ter mais dificuldades, diante da opinião
pública, para gerir eventual processo de afastamento contra uma presidente
legitimamente eleita.
A
verdade é que se abriu inesperada janela de oportunidade para uma
contraofensiva petista.
Fatores
estruturais continuam desfavoráveis, com a confluência entre crise econômica,
deterioração social, esgotamento do sistema político e desgaste moral, mas o
oponente tomou um sopapo e baixou a guarda.
Caso
o governo e o PT se contentem em respirar aliviados, satisfeitos com a dor
alheia, acabarão por dar fôlego à recuperação de seus adversários.
Mesmo
que Cunha soçobre, a direita rapidamente poderia se recompor, retomando sua
capacidade de ataque e voltando a acantonar o Palácio do Planalto.
Bastaria,
por exemplo, eleger alguém do mesmo naipe para a presidência da Câmara dos
Deputados, se o atual ocupante for ejetado, ou deixar que temas tóxicos – como
o julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” – ocupem o vácuo deixado pela
inação.
Há
uma chance preciosa, no entanto, para a esquerda abandonar a política de
infindáveis recuos praticada desde outubro do ano passado, cujos resultados
desastrosos saltam à vista por todos os lados.
Outro
rumo poderia ser traçado se a presidente Dilma Rousseff aproveitasse a tormenta
para demitir o ministério e nomear um novo gabinete, no qual a participação da
sociedade civil se sobrepusesse às negociações partidárias, em tentativa
orgânica de buscar legitimidade extrainstitucional perante progressivo colapso
do sistema de representação.
O
governo renascido deveria ter como lastro um programa de combate à recessão e
retomada do desenvolvimento, com o objetivo de recompor o pacto entre as forças
progressistas e atrair correntes democráticas que ainda respiram nas legendas
centristas.
Também
seria boa hora da presidente retomar a bandeira da Constituinte para a reforma
política, transformando-a em um dos fundamentos da repactuação governamental,
materializada em proposta imediata de plebiscito popular por sua convocação.
Tratam-se
de operações com enormes perigos, fáceis de especular e complicadas para
executar. Ficar parado no mesmo lugar, porém, parece ser receita infalível para
o ocaso.
Pior
ainda se prevalecer a política de “bandeira branca” defendida pelo deputado
José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos Deputados, que aprofunda
a dependência e a vulnerabilidade do projeto petista em relação a frações que
conspiram abertamente para encerrar o processo de mudanças inaugurado em 2003.
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