A Folha de S.Paulo deste domingo 25 de janeiro publicou um artigo
assinado por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-deputado
federal do PSDB e ex-Banco de Boston.
O artigo é direto e reto: não basta o ajuste Levy-Barbosa; será
necessário fazer reformas estruturais.
Na boca da esquerda, reformas estruturais significa entre outras coisas
melhorar o padrão de vida da classe trabalhadora.
Na boca da direita, reformas estruturais significa entre outras coisas
reduzir o valor da força de trabalho.
A seguir, reproduzo e comento trechos do artigo de Meirelles, que
reproduzo integralmente ao final:
"1) O ajuste fiscal é fundamental para não só tirar o Brasil do
rumo da insolvência, mas eliminar incertezas macroeconômicas que afastam
investimentos";
-na opinião de Meirelles, estariam certos os tucanos que diziam que
estávamos no "rumo da insolvência";
-dúvida: quais seriam as "incertezas macroeconômicas": a crise
internacional? as altas taxas de juros? o câmbio? a oligopolização da economia?
os níveis nababescos de rentabilidade a que o grande empresariado tupiniquim se
acostumou? Ou seriam as políticas sociais e trabalhistas?
"2) 2015 será duríssimo, com desaceleração econômica numa economia
já estagnada em função do ajuste fiscal e do aperto monetário --o quadro é de
crescimento baixo ou zero, inflação e juros altos e crise no setor de energia e
água";
-ou seja: nossa economia já estaria "estagnada"...
-e mesmo assim vai piorar, porque teremos "desaceleração
econômica"... "em função do ajuste fiscal e do aperto
monetário";
-ou seja: o ajuste vai aprofundar a desaceleração econômica!!!
"3) Se tem razão quem vê o ajuste fiscal como gerador de
estabilidade, confiança e investimentos, tem razão também quem vê um quadro
difícil nos próximos anos".
-ou seja, se o ajuste fical vai gerar "estabilidade, confiança e
investimentos" no andar de cima....
-no andar de baixo teremos "um quadro difícil nos próximos
anos".
(Aliás, para quem não lembra, "nos próximos anos" teremos
eleições municipais e presidenciais.)
Segundo Meirelles, não será suficiente fazer o ajuste fiscal.
Se o ajuste "for integral", o país deve "voltar a
crescer".
Óbvio: reduzindo a remuneração da classe trabalhadora, desperta-se o
espírito animal do empresariado; e depois de uma recessão, sempre vem algum
crescimento ("exclusive" para os mortos e feridos).
Mas atenção: mesmo com um ajuste "integral" (pobre
seguro-desemprego...), Henrique Meirelles alerta que "os problemas
estruturais desenvolvidos nos últimos anos impedem o tipo de crescimento que
todos esperam".
Ou seja: o que impede o "tipo de crescimento" que "todos
esperam" são os problemas estruturais desenvolvidos "nos últimos
anos", leia-se, durante os governos de presidentes petistas. Ou terá sido
durante o último governo, quando Meirelles já não era presidente do Banco
Central?
Seja como for, ele diz que para termos o crescimento que "todos
(like Meirelles) esperam" será preciso remover os tais "problemas
estruturais" e fazer o seguinte:
1) "reformas estruturais profundas";
2) "viabilização dos investimentos em infraestrutura";
3) "substituição dos incentivos ao consumo por incentivos ao
investimento";
4) "melhora do ambiente de negócios";
5) "aumento continuado da produtividade";
6) "diminuição do custo de produção no Brasil".
Os itens 1, 3, 4, 5 e 6 são jargões cifrados que, na boca de gente como
Meirelles, admitem a seguinte tradução: baratear a força de trabalho.
Meirelles não é amigo do PT, nem da esquerda. Mas não se pode negar que
neste artigo ele avisa perfeitamente qual o script que Levy & Barbosa
pretendem seguir.
Acordes
dissonantes - Henrique Meirelles – Folha de S.Paulo
O Brasil vive momento complexo em diversas frentes, gerando notícias
aparentemente contraditórias.
De um lado, a equipe econômica anuncia medidas para aumentar a
arrecadação e cortar despesas. No fórum de Davos, o ministro Levy diz que a
responsabilidade fiscal é a base para melhor estruturação da economia e que,
com incentivos corretos, trará de volta confiança e investimentos. A reação do
mercado é positiva, com sinais de boa vontade de empresários e investidores com
a retomada de investimentos no Brasil.
Do outro lado, um dos mais bem-sucedidos gestores de investimentos do
país trabalha com cenário desastroso para o Brasil neste ano e desempenho
medíocre nos próximos devido a problemas estruturais que vão além do
reequilíbrio fiscal, como o aumento do tamanho do governo, o predomínio do
consumo sobre investimento e a má gestão em áreas vitais como energia e água.
Já a alta autoridade do Judiciário declara que o aumento de impostos como foi
feito é confisco. E o criador do acrônimo BRIC prevê que Brasil e Rússia cairão
da divisão de potências econômicas emergentes, restando só Índia e China, o IC.
Essas são só algumas das visões dissonantes que dificultam o
entendimento.
Em resumo, o que se pode dizer é: 1) O ajuste fiscal é fundamental para
não só tirar o Brasil do rumo da insolvência, mas eliminar incertezas
macroeconômicas que afastam investimentos; 2) 2015 será duríssimo, com
desaceleração econômica numa economia já estagnada em função do ajuste fiscal e
do aperto monetário --o quadro é de crescimento baixo ou zero, inflação e juros
altos e crise no setor de energia e água; 3) Se tem razão quem vê o ajuste
fiscal como gerador de estabilidade, confiança e investimentos, tem razão
também quem vê um quadro difícil nos próximos anos.
O país deve voltar a crescer se o ajuste for integral. Mas os problemas
estruturais desenvolvidos nos últimos anos impedem o tipo de crescimento que
todos esperam.
O potencial de crescimento do país caiu do patamar entre 4% e 5% da
década passada para pouco acima de 2% na próxima década. O equilíbrio das
contas públicas elimina um cenário de incerteza com risco de crise fiscal e
aumento do custo país, mas não é suficiente para voltarmos a crescer no ritmo
dos demais emergentes.
É possível aumentar esse potencial nos próximos anos, mas só voltaremos
a crescer a taxas robustas com reformas estruturais profundas, viabilização dos
investimentos em infraestrutura, substituição dos incentivos ao consumo por
incentivos ao investimento e melhora do ambiente de negócios, gerando aumento
continuado da produtividade e diminuição do custo de produção no Brasil.
Autor: Valter
Pomar é historiador e integrante da Direção Nacional do PT
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