As ideias
que se seguem são motivadas pela perplexidade frente ao ataque agressivo, na
forma e no conteúdo, desferido contra o Banco Central do Brasil. Por sua
história e pela seriedade de sua missão, essa instituição do estado brasileiro
jamais poderia ter sua administração adjetivada levianamente como temerária
(uma conduta tipificada no código penal brasileiro). Tais ataques não têm
legitimidade política para sancionar a terceirização da gestão econômica do
Brasil e muito menos encontram amparo técnico que as qualifique; são apenas
expressão do apego a concepções anacrônicas, elaboradas quando o Brasil ainda
engatinhava em termos de estabilidade monetária.
Desde a virada
do século, economistas e dirigentes de bancos centrais em todo o mundo têm
debatido o poder conferido às autoridades monetárias e sua missão. Esse debate
se acentuou com o complexo quadro econômico mundial pós-crise. E são muitas as
manifestações nesse sentido.
Em março
deste ano, o Presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney admitiu que a busca
exclusiva da estabilidade de preços, típica de um Banco Central Independente,
"...tornou-se uma distração perigosa para a economia". Na mesma
linha, Christine Lagarde, diretora-chefe do FMI, afirmou ter chegado a hora de
se ajustar o controle dos governos sobre os Bancos Centrais; eles não podem
ficar presos só ao objetivo da estabilidade de preços. E ela acrescenta que,
como a crise ensinou, "a estabilidade de preços não necessariamente leva à
estabilidade macroeconômica". Ademais, as evidências revelam: os países
que não tem meta de inflação ou banco central independente se saíram tão bem ou
foram melhores que aqueles adeptos desse arcabouço na condução da política
econômica.
Malcom Sawer
(Universidade de Leeds) e Philip Arestis (Universidade de Cambridge) afirmam
que, "já passa da hora da política de meta de inflação operada por um
banco central independente ser abandonada". Se o período da "Grande
Moderação" (fim dos anos 80 até a crise de 2008/9), tal como batizado por
Ben Bernanke, deu margem para que uma geração de economistas acreditasse em seu
sucesso, reconhece-se agora que naquele período, o crescimento do emprego e a
estabilidade de preços não se deveram à política monetária, mas sim a uma mera
coincidência.
Com a crise,
o véu caiu. Os empregos e os salários ganharam relevância no foco da política
monetária. A propósito, os presidentes dos bancos centrais das principais
economias, reunidos em Jackson Hole (agosto último), concluíram ser
indispensável perseguir o controle da inflação e o estimulo a empregos e
salários. Referência que, desde meados dos anos 90, deixou aos poucos de ser
considerada uma heresia, que os sabujos daqui insistem em preservar.
Agora, às
vésperas das eleições presidenciais, os especialistas econômicos de Marina e
Aécio, laureados por nossa mídia, continuam professando a tese do Banco Central
Independente. Está subentendido nessa postura que ao Banco Central cabe apenas
e tão somente ser o guardião da moeda. Por isso, sentem-se escandalizados
quando entram em contato com a idéia de que o Banco Central deveria se
preocupar também com empregos e com o equilíbrio macroeconômico como um todo.
Reagindo ao que chamam de heresia, batem no peito para dizer que o emprego e o
crescimento não dependem das forças monetárias.
Esta
"modernidade" dos críticos ao Banco Central do Brasil está, pelo
menos, vinte anos atrasada. Hoje em dia, nas economias centrais e emergentes, o
consenso que se persegue é outro. A gestão monetária é uma peça essencial na
determinação do emprego, do investimento e do crescimento, influenciando a
"economia real". O grande desafio é como coordenar a política
monetária e a política fiscal para garantir o pleno-emprego e a estabilidade
macroeconômica, o que vai muito além da estabilidade inflacionária.
Mas o
anacronismo não é o único problema dos defensores do Banco Central
Independente. Há, por detrás dessa tese, a ideia autoritária de que as decisões
econômicas devem ser independentes do mundo político. Para eles, o Banco
Central, tal como um think tank, deveria ser gerido pelos melhores e pairar
acima do Estado. Ou seja, ser administrado sem se integrar à formulação da
política econômica. Pretendem apenas a coordenação das expectativas manipuladas
no espaço estrito do mercado financeiro, "locus" preferencial da
seleção dos melhores.
A ideia de
que as decisões de política monetária possam ser, em todo ou em parte,
terceirizadas para um "board" de experts em um Banco Central Independente,
é, na verdade, uma agressão aos princípios da democracia representativa, assim
como o é a proposta de um "board" de especialistas para dar a última
palavra na política fiscal (tal como se encontra em um dos programas). É esse
desejo de submeter a política econômica de uma nação ao controle de
"experts" que move ataques tão agressivos e insistentes.
A tese do
Banco Central Independente não pode ser apresentada com a leviandade de uma
fórmula mágica e salvadora. Precisamos, sim, de um Banco Central republicano;
uma instituição de estado com profissionais com capacidade reconhecida, para
executar a política monetária, inserida no bojo da política econômica como um
todo.
Enfim,
parafraseando John C. Williams, presidente do Federal Reserve Bank de São
Francisco, a liturgia tão valorizada por aqui é fruto de uma falha em olhar o
mundo e da incapacidade de ouvir. Não serão da virulência e da descompostura
típicas da pregação do controle particular da política monetária que virão as
boas propostas para o desenvolvimento do Brasil.
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