Embora os
programas de candidatos à Presidência da República tenham sido
enviados obrigatoriamente ao Tribunal Superior Eleitoral e ali haja
referências a problemas urbanos, principalmente ao déficit habitacional de 6
milhões de moradias no País (Estado, 11/7), é rarefeita e escassa a visão das
grandes questões das cidades, como se o drama se limitasse à "mobilidade
urbana", que foi o centro dos protestos há alguns meses.
Onde está,
por exemplo, a discussão sobre a expansão urbana, que já levou a população nas
cidades a 85% do total e à previsão de que em poucos anos São
Paulo e Rio de Janeiro poderão formar uma megalópole de mais de
40 milhões de pessoas, mais que a população do Canadá (previsão já comentada
neste espaço)? Em 1960 tínhamos apenas 45% de urbanoides e 55% das pessoas no
campo. Sem políticas adequadas, chegamos aonde estamos e poderemos ter uma
concentração ainda maior - embora possa haver políticas adequadas como em
cidades dos Estados Unidos (Portland, por exemplo, que contém a expansão
horizontal) ou do Canadá (Guelph, que refreia a expansão vertical), como já se
mencionou aqui (11/7). O Brasil já tem a quarta maior população urbana do mundo
- lembrou o ex-ministro Pedro Malan(Estado,
9/3). "Nosso futuro", escreveu Malan, "depende de mais
clareza nessa discussão e sobre a prioridade no uso de recursos escassos. Há
prioridades que estimulam maior crescimento, outras que o inibem."
Que se deve
pensar, então, quando o próprio Conselho Municipal do Patrimônio
Histórico está deixando de lado regras que dificultavam a construção de
prédios, início de obras ou reforma, sem licença, vizinhas de bens tombados
(1.º/9) em São Paulo? Segundo as notícias, oito regiões de capital paulista que
estavam "congeladas" por uma lei de 1992 já podem receber
empreendimentos sem autorização prévia dos órgãos estaduais e municipais de
proteção do patrimônio histórico - como, por exemplo, a Praça da
República ou corredores do Colégio Sion, em Higienópolis. Estará
enganado o Ministério Público quando leva a Justiça a barrar um
megaempreendimento às margens do Rio Pinheiros, com residências,
escritórios, hotel e shopping, exatamente por causa de seus futuros impactos
"ambientais" e urbanos em geral?
Tudo leva a
pensar nos rumos que vamos tomando no País quando se lê, por exemplo,
que Bombinhas, no litoral catarinense, aprova projeto de lei que autoriza
cobrar uma "taxa de proteção ambiental" de R$ 20,53 por automóvel do
milhão de visitantes que recebe a cada ano, 60 visitantes para cada um de seus
16,9 moradores permanentes (UOL, 9/9). Que pode acontecer na cidade?
Nas cidades
maiores, não bastasse a ampliação populacional, a preferência agora é (Estado,
27/7) por apartamentos - 210 mil pessoas saíram de casas em São
Paulo para edifícios residenciais, em cinco anos; e já são 37% do total de
habitantes, que alegam como razão principal para isso a "segurança".
Mas onde está essa discussão entre segurança e formatos de viver? Onde a
reflexão sobre os custos gerados na cidade ao serem despejadas por veículos nas
cidades 71,6 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono - dez vezes mais
que há uma década (Estado, 1.º/9)?
E tudo se
faz em meio às notícias de que a Justiça paulistana vai julgar ação popular que
obriga a Prefeitura, a Eletropaulo e
a Telefônica a cumprirem lei de 2005 que obriga empresas públicas e
concessionárias a aterrar fios e cabos que hoje estão expostos. Em 2010 a
Prefeitura paulistana dizia que sua rede subterrânea tinha 47,8 mil quilômetros
das redes debaixo do solo e que o total era de 115 mil quilômetros (Estado,
24/8). As empresas dizem, agora, que cumprir a lei exigiria muitos bilhões de
reais e os custos teriam de recair sobre os usuários, a não ser que houvesse
isenção total de impostos (e nesse caso se transferiria o ônus para o poder
público e para os cidadãos). Na gestão Kassab a estimativa do
investimento necessário era de R$ 100 bilhões ("para acabar com as redes
aéreas", 1.º/9); na gestão Haddad é de R$ 15 bilhões. Uma lei
municipal estabelece a obrigação de sepultar 250 quilômetros anuais de fios e
cabos - o que exigiria muitas décadas.
E o capítulo
da drenagem, onde fica ele neste vácuo de discussões eleitorais sobre dramas
urbanos? A Prefeitura de São Paulo promete aumentar em 53% a
capacidade de armazenamento de água, com investimentos em barragens - hoje são
retidos 4,7 milhões de metros cúbicos e se afirma ser necessário chegar a 7,2
milhões, com obras de canalização de córregos e piscinões, ao custo de R$ 4,7
bilhões, dos quais R$ 2,95 bilhões do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), que nos remetem mais uma vez para o plano federal (Estado,
28/8), onde nada disso se discute.
Em meio
à "crise da água", também não se vê na campanha eleitoral foco
nas perdas do que sai das estações de tratamento (e já teve alto custo em
reservatórios, adutoras, estações de tratamento e redes de distribuição) e se
esvai pelo caminho até as residências, com furos e vazamentos. São quase 40% do
total da água tratada no País, inacreditáveis 73,92% perdidos em Macapá, 70,66%
em Porto Velho, 62, 03% no Recife, 65,31% em Cuiabá (Estado, 6/9). Mesmo a
cidade de São Paulo ainda perde cerca de 30%.
E enquanto
não se discutem essas questões fundamentais na vida dos cidadãos, debate-se à
exaustão quanto cresceu ou vai crescer o produto interno bruto (PIB), um
conceito que - segundo André Lara
Resende, um dos autores doPlano Real - já "não faz
sentido, sobretudo o papel que lhe foi atribuído na segunda metade do século
20: o de aferidor de desempenho e qualidade de vida".
Tudo faz
lembrar mais uma vez as palavras já transcritas aqui do então presidente da
França Jacques
Chirac, numa sessão solene da Cúpula do Desenvolvimento
Sustentável de 2002, em Joanesburgo, promovida pela ONU: "As futuras
gerações vão nos cobrar. Vocês - dirão elas - sabiam de tudo. E não fizeram
nada".
Washington Novaes: Foi repórter, diretor, editor e colunista em
várias das principais publicações brasileiras: Veja, O
Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Última Hora, Visão, Correio
da Manhã, O Jornal, Gazeta Mercantil, entre outros; Diretor, editor e comentarista em algumas das principais
redes de televisão do país: Rede Globo, TV Manchete, TV Rio, Rede Bandeirantes, TV Gazeta, TV Brasil Central, entre outras; Documentarista e produtor independente de televisão. Foi
secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal,
entre 1991 e 1992. Consultor
na área ambiental.
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