O presidente Lula parece estar se divertindo muito com o episódio Sarney. E se diverte antes, com a reação do Planalto. Depois, com a surpresa do próprio Sarney. E finalmente com o assombro de íntimos e não íntimos, com a facilidade com que se desmente, se contradiz ou se desdiz.
Primeiro, logo no início das acusações, surgiu com essa novidade sensacional a respeito do “julgamento” que as pessoas têm que ter. Para ele, “Sarney não pode ser julgado como um homem comum, por causa da biografia”.Concordo inteiramente com o presidente. Um homem como Sarney, que transitou com toda a facilidade e felicidade da ditadura para a democracia, tem que ser admirado, que capacidade.
Mais concordância: entrando na política pobríssimo, sem bens de família, hoje ostenta uma fortuna para ninguém botar defeitos, ele e a família. Nessa matéria de enriquecimento, para ele tudo é familiar.
E finalmente, minhas reverencias ao presidente Lula por ter visto na frente de todos: tendo começado em 1954/56 como suplente de deputado na Frente Parlamentar Nacionalista, Sarney foi percorrendo todas as faixas, chegando à extrema direita. Orgulhoso e feliz, anunciou: “É preciso acabar a dinastia de 40 anos de Vitorino Freire”. Acabou mesmo, implantou a sua, exatamente de outros 40 anos.
Só que Vitorino não tinha herdeiros políticos, acabou, acabou. Sarney tem filhos, netos, sobrinho, afilhados, até o namorado da neta (ainda é? Os jornais não dão sequencia).
Apesar de tudo isso, Lula não abandona o político Jose Sarney. Uma semana depois, absoluto e irrepreensível, Lula sempre publicamente declara: “Não votei em Sarney para presidente do Senado, eles que resolvam a questão”.
Não era desprezo, contradição, reviravolta. Apesar do seu “companheiro” Tião Viana ter duvidado de Lula, este mais uma vez é o guia genial, e tem o meu aplauso total e sem restrições.
A vida é dinâmica e não estática, raciocinou profundamente, e sempre com a maior coragem, mostrou que a coerência consiste em mudar e não em ficar. Bravos, presidente, não entendem essa competência de estudar os problemas.
Galileu não disse que a Terra por si move? E não tomou outra posição? Por que contradizer a Inquisição, que tinha certeza de que a Terra estava sempre parada?
Era a segunda posição, mas não a ultima. Ontem, sexta-feira, Lula deu mais uma aula inteiramente sensata e da qual só os tolos discordam. Defendeu Sarney e de passagem chamou alguns críticos de IMBECIS. O presidente não gosta de eufemismos, tem certeza de que o cidadão comum nem sabe o que é isso.
Dizem no Planalto que essa terceira afirmação do presidente foi lançada diretamente contra Mercadante, Suplicy, Palocci (como candidato ao governo de São Paulo) e todos os que se atiram contra o “grande amigo” Ciro Gomes. Neste caso, Sarney foi apenas uma estrada que Lula percorreu, não precisamente para atacar ou defender o presidente do Senado, e sim para fulminar “os que não entendem suas jogadas geniais”.
E uma delas, saída diretamente de sua cabeça, é o registro de Ciro como candidato a governador de São Paulo. Ciro não tem a menor chance de ganhar e até mesmo de obter legenda.
Mas Lula está executando uma estratégia, como criticar antecipadamente uma estratégia? Napoleão na Rússia e depois em 1812, partindo para o confronto com o almirante Nelson, não cumpria uma estratégia? Nenhum constrangimento em aplaudir o presidente Lula, afinal, quem se compara a ele, partindo do interior de Pernambuco e chegando a Brasília e conquistando o Planalto-Alvorada, o Brasil e o mundo?
Segunda-feira o Congresso reabre, depois de um necessário, reconfortador e indispensável recesso. O presidente Lula não pode deixar de fazer uma saudação a esses bravos parlamentares. E tendo refletido (uma constante do presidente) profundamente sobre a presidência do Senado, não deixará de vir com sua contribuição para resolver o problema.
Não tentem adivinhar, apenas se preparem para aplaudir. É uma estratégia e não uma tática, iriam querer que Lula antecipasse tudo que obteve com elocubrações geniais?
Quanto a este repórter, não me interessa se o presidente confirma a primeira ou a terceira afirmação, mesmo negando a segunda.
Artigo do jornalista Helio Fernandes
Publicado na Tribuna da Imprensa
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