Tensões elevam risco de nova guerra civil no
Sudão do Sul
O Sudão
do Sul enfrenta um aumento nas tensões políticas e sociais, com a violência
crescente de milícias, mudanças de gabinete e prisões de várias autoridades do
alto escalão do governo na capital, Juba.
Nas
últimas semanas, o presidente Salva Kiir e seu vice, Riek Machar, se envolveram
em divergências políticas que conduziram a confrontos mortais. O ataque a um
helicóptero das Nações Unidas que matou um
membro da tripulação da ONU e um general sul-sudanês na semana passada foi mais
um passo em direção ao risco de uma nova guerra civil no país mais jovem do mundo.
Os
rivais fazem parte de um acordo de paz instável assinado em
2018 que encerrou uma guerra civil de cinco anos entre as forças leais a Kiir e
Machar, na qual quase 400 mil pessoas foram mortas.
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Como
surgiu a última discórdia?
Kiir
demitiu vários funcionários importantes do governo em fevereiro como parte de
uma reformulação do gabinete, o que foi visto por Riek Machar como uma violação
ao acordo de paz de 2018, explica Daniel Akech, analista do Sudão do Sul no
International Crisis Group, uma organização não governamental de prevenção de
conflitos.
"E
no oeste de Bahr al-Ghazal, houve alguns surtos de violência em protesto
contra essas mudanças que o presidente fez sem consultar o
vice-presidente", acrescentou Akech, em referência a uma região no
noroeste do país.
De
acordo com Akech, a ordem de Kiir para a redistribuição de forças em algumas
áreas desencadeou a violência em regiões como Nasir, no Alto Nilo, no leste do
país, onde o helicóptero das Nações Unidas que tentava resgatar soldados foi
atacado.
A Radio
Miraya, afiliada à ONU, informou que o chamado Exército Branco, um bando de
jovens armados da comunidade étnica Nuer, a mesma de Machar, era suspeito de
envolvimento no ataque.
Desde
então, a Embaixada dos Estados Unidos no Sudão do Sul
ordenou a saída do país de funcionários não emergenciais do governo
americano. O ataque foi condenado ainda pelas embaixadas de países como
França, Canadá, Holanda, Alemanha e Noruega.
"O
conflito armado está em andamento e inclui lutas entre vários grupos políticos
e étnicos. As armas estão prontamente disponíveis para a população", diz
um aviso de viagem dos EUA.
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Mediadores
e Uganda entram em cena
Em 12
de março, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Igad) da
região, que tem a atribuição de lidar com questões de paz e segurança no Sudão
do Sul, convocou uma cúpula para discutir os últimos acontecimentos.
Enquanto
isso, a vizinha Uganda, membro líder da Igad, enviou esta semana forças
especiais para o Sudão do Sul.
"Há
dois dias, nossas unidades das Forças Especiais entraram em Juba para
protegê-la", disse o chefe do exército do país, Muhoozi Kainerugaba, no X.
"Nós,
da UPDF [forças armadas de Uganda], reconhecemos apenas um presidente do Sudão
do Sul, S.E. Salva Kiir... qualquer movimento contra ele é uma declaração de
guerra contra Uganda", diz.
Kiir e
o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, são aliados, e Museveni já interveio
militarmente ao lado de Kiir no Sudão do Sul.
As
forças armadas de Kiir estão posicionadas nos condados vizinhos a Juba,
enquanto as forças armadas ligadas a Machar e à oposição também estão
posicionadas nos chamados locais de contenção em áreas próximas, disse Akech à
DW.
"Portanto,
se houver algum movimento agressivo entre as duas forças, essa pode ser uma
área em potencial. Mas até agora as coisas têm se mantido calmas, porém
tensas", disse ele.
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ONU
alerta sobre "regressão"
Em 8 de
março, Yasmin Sooka, presidente da Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas no Sudão do Sul, emitiu uma declaração severa.
"O
Sudão do Sul deveria estar avançando, implementando as disposições do acordo de
paz, fortalecendo as instituições e construindo uma base para a
democracia", afirma. "Em vez disso, estamos testemunhando uma
regressão alarmante que pode apagar anos de progresso duramente
conquistado."
A
comissão também observou que o Sudão do Sul retornou "às disputas de poder
imprudentes que devastaram o país no passado".
Em seu
relatório mais recente sobre o país, a comissão disse que uma grande crise
de direitos humanos se instalou.
Mais da metade da população está enfrentando insegurança alimentar aguda,
enquanto 2 milhões de sul-sudaneses estão deslocados internamente e
2,3 milhões buscaram refúgio em países vizinhos.
Nos
últimos dias, grupos da sociedade civil local, organizações lideradas por
mulheres e líderes da igreja sudanesa têm pedido diálogo político para evitar
novas hostilidades.
Especialistas
dizem que a volátil dupla que está no poder não ajuda a situação geral.
"Há muitas tensões não resolvidas entre os dois líderes, que remontam à
época da guerra civil... alguns desses episódios de conflito que estamos vendo
agora estão ligados a essas feridas", disse Akech.
Os dois
ainda precisam estabelecer confiança, chegar a um acordo sobre uma constituição
e implementar outras disposições importantes do acordo de paz. "Tem sido
um relacionamento com muitas suspeitas e desconfianças. Portanto, não espero
que eles transformem essa relação em uma relação positiva. É uma relação muito
hostil", disse o analista à DW.
Como
resultado, o Sudão do Sul não tem uma constituição acordada e uma força armada
unificada ainda não foi formada.
·
A
guerra civil em grande escala é inevitável?
"Cada
líder tem suas próprias forças armadas em todo o país, e esse é o
problema", disse Akech. Machar tem as forças de oposição da SPLA-IO.
Os
pesquisadores do International Crisis Group dizem que as avaliações
internacionais indicam uma rápida deterioração da situação de segurança e a
possibilidade de uma nova guerra civil. O grupo alertou sobre a possibilidade
de as milícias do Exército Branco assumirem o controle de Nasir e de outras
partes estratégicas do Sudão do Sul e se espalharem pelo Sudão, ao norte.
Há
também a atual crise no Sudão. "O tipo de
tensão que estamos vendo agora tem muito a ver com o alastramento da guerra no
Sudão", de acordo com Akech. O Sudão do Sul se tornou independente do
Sudão em junho de 2011. Juba depende dos
petrodólares do petróleo transportado pelo Sudão.
Nos
últimos dias, Kiir consultou seus colegas no Sudão e na Somália.
Seria
imprudente sugerir que a violência em grande escala é inevitável no Sudão do
Sul agora, de acordo com Abiol Lual Deng, um cientista político
sul-sudanês-americano.
"Quando
falamos sobre o Sudão do Sul e a violência, fico triste em dizer que,
infelizmente, é um país em que sempre houve violência de baixo nível",
disse ela à DW.
A
medida em que a comunidade internacional pode exercer pressão é o que realmente
está em jogo no país com uma população jovem que não necessariamente
compartilha as divisões étnicas de seus líderes.
Deng
acredita que o que está em jogo é até que ponto a comunidade internacional pode
exercer pressão sobre os lados em conflito.
"Acho
que a comunidade internacional se unirá para enviar mensagens para [Kiir e
Machar] discretamente, e também publicamente, para que parem", disse ela.
¨
Por que embaixador da África do Sul 'não é mais bem-vindo
nos EUA', segundo governo Trump
Os Estados Unidos estão
expulsando o embaixador da África do Sul em Washington,
Ebrahim Rasool.
O secretário de Estado, Marco Rubio, disse que ele
"não é mais bem-vindo em nosso grande país".
Em uma
publicação no X, Rubio acusou Rasool de odiar a América e o presidente Donald
Trump, e o descreveu como um "político que incita racismo".
O
gabinete do presidente da África do Sul chamou a decisão de
"lamentável", e acrescentou que o país continua comprometido em
construir um relacionamento mutuamente benéfico com a América.
A
incomum ação dos EUA marca o mais recente desenvolvimento nas crescentes
tensões entre os dois países.
Embora
diplomatas de escalão inferior às vezes sejam expulsos, é altamente incomum nos
EUA que isso aconteça com um funcionário de alto escalão.
Em sua
postagem na sexta-feira (14/3), Rubio colocou um link para um artigo do canal
de notícias de direita Breitbart que citava falas recentes de Rasool durante
uma palestra online sobre o governo Trump.
No
evento, Rasool disse que Trump estava "mobilizando um supremacismo" e
tentando "projetar a vitimização branca como um apito de cachorro",
enquanto a população branca visualizava se tornar uma minoria nos EUA.
"Vemos
isso na política doméstica dos EUA, o movimento Maga (Make America Great Again, em
inglês) como
uma resposta não simplesmente a um instinto supremacista, mas a dados muito
claros que mostram grandes mudanças demográficas nos EUA, nas quais o
eleitorado votante nos EUA está projetado para se tornar 48% branco",
disse ele.
Ele
sugeriu que a África do Sul estava sob ataque porque "somos o antídoto
histórico para o supremacismo".
Em
resposta, Rubio chamou Rasool de "PERSONA NON GRATA", referindo-se à
frase latina para "pessoa indesejada".
Os
laços entre os EUA e a África do Sul vêm se deteriorando desde que Trump
assumiu o cargo.
Uma
ordem executiva dos EUA do mês passado — que congelou a assistência dos EUA à
África do Sul — citou "discriminação racial injusta" contra os
africâneres brancos, em grande parte descendentes de colonos holandeses que
chegaram no século 17.
Essa
ordem faz referência a uma nova lei, a Lei de Expropriação, que alega ter como
alvo os africâneres ao permitir que o governo tome terras privadas.
"Enquanto
a África do Sul continuar a apoiar maus atores no cenário mundial e permitir
ataques violentos a fazendeiros inocentes de minorias desfavorecidas, os
Estados Unidos interromperão a ajuda e a assistência ao país", segundo uma
declaração da Casa Branca na época.
O censo
de 2022 da África do Sul observou que os brancos — incluindo os africâneres —
constituíam 7,2% da população. No entanto, de acordo com uma auditoria de
terras de 2018 feita pelo governo sul-africano, fazendeiros brancos possuíam
72% das terras agrícolas individuais do país.
O
governo da África do Sul, composto por 10 partidos liderados pelo Congresso
Nacional Africano (ANC), disse anteriormente que as ações do presidente dos EUA
foram baseadas em "uma campanha de desinformação e propaganda com o
objetivo de deturpar nossa grande nação".
E
acrescentou que nenhuma terra foi apreendida sem compensação, e disse que isso
só aconteceria em circunstâncias excepcionais, como se a terra fosse necessária
para uso público e todas as outras vias para adquiri-la tivessem sido esgotadas.
Um
folheto informativo da Casa Branca afirma que o país "discrimina
descaradamente os descendentes de minorias étnicas de grupos de colonos".
Rasool,
que serviu anteriormente como embaixador dos EUA de 2010 a 2015, foi removido à
força de sua casa no Distrito Seis da Cidade do Cabo quando criança, depois que
foi declarada uma área branca sob o governo do Apartheid.
Mais
tarde, ele descreveria o despejo como um momento significativo em sua criação,
que guiou seu futuro.
Rasool
se tornou embaixador de Pretória nos EUA novamente em 2024.
Fontes
no governo sul-africano disseram ao site de notícias online Daily Maverick na
época que ele era considerado bem posicionado para lidar com uma administração
Trump devido à sua experiência e aos contatos que adquiriu durante sua primeira
passagem como embaixador.
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Alegações de genocídio branco 'não são reais', disse tribunal sul-africano
Em
fevereiro, um tribunal sul-africano rejeitou alegações de um "genocídio
branco" no país como "claramente imaginado" e "não real",
minando comentários antes feitos por Trump e seu conselheiro Elon Musk.
A
decisão veio quando o tribunal bloqueou a doação de um rico benfeitor a um
grupo supremacista branco. O tribunal decidiu que essa solicitação era
inválida, vaga e "contrária à política pública".
Em
2018, Trump havia falado em "matança em larga escala de fazendeiros"
na África do Sul. E Musk, que nasceu e cresceu na África do Sul, já condenou o
que ele disse serem "leis racistas de propriedade" e mencionou
anteriormente o "genocídio de pessoas brancas".
Apesar
de prometer reprimir a imigração, Trump disse que fazendeiros sul-africanos
brancos teriam permissão para se estabelecer nos EUA como refugiados por causa
da perseguição que ele disse que eles enfrentaram.
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‘Lamentável’, responde
África do Sul após embaixador ser expulso dos EUA
Horas
após o embaixador sul-africano Ebrahim Rasool se tornar persona non
grata nos Estado Unidos e, consequentemente, ser expulso do país, o
governo da África do Sul reagiu por meio
de nota. “A presidência tomou nota da lamentável expulsão do embaixador da
África do Sul nos Estados Unidos, o senhor Ebrahim Rasool”, afirma o texto,
divulgado neste sábado (15).
A
expulsão do embaixador foi comunicada nesta sexta-feira (14) pelo secretário de
Estado dos EUA, Marco Rubio, que chegou a acusar que Rasool de “odiar” os
Estados Unidos e o presidente Donald Trump.
Este é
mais um capítulo das ofensivas estadunidenses contra o país africano. No início
de fevereiro, Trump anunciou corte de assistência financeira à África do Sul,
afirmando ser uma reação ao anúncio de uma política de desapropriação de terras
aprovada pelo presidente Cyril Ramaphosa em janeiro deste ano.
Trump
também citou a ação movida pela África do Sul no Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel
por conta do massacre promovido pelo país na Faixa de Gaza.
A
denúncia sul-africana aconteceu em dezembro do ano passado, argumentando que a
guerra na Palestina viola a Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e
Punição do Crime de Genocídio de 1948, acusação que Israel nega.
Na
última semana, a África do Sul reforçou a denúncia. O Ministério de
Relações Exteriores da África do Sul acusou Israel de utilizar “a fome como arma de guerra” em Gaza, em um
comunicado emitido sobre o bloqueio à ajuda humanitária imposto pelo exército
israelense no início de março.
“Impedir
a entrada de alimentos em Gaza é a continuação do uso da fome como arma de
guerra por Israel”, afirmou a chancelaria sul-africana.
Recentemente,
o presidente Ramaphosa esteve em um encontro com membros da União Europeia
quando foram anunciados acordos entre as nações envolvidas.
Membra
do Brics, a África do Sul assume, desde dezembro passado e até novembro de
2025, a presidência rotativa do G20, o grupo que reúne as 19 maiores economias
do mundo, além da União Europeia e da União Africana.
Fonte: DW Brasil/BBC News Mundo/Brasil de Fato

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