Justiça inglesa acata ação contra mineradora
por danos a quilombolas na Bahia
A
JUSTIÇA DO REINO UNIDO decidiu nesta sexta-feira (14) que a ação movida
pelos quilombolas de Bocaina e Mocó, em Piatã (BA), contra a mineradora inglesa
Brazil Iron pode prosseguir e ser julgada em território britânico.
A medida agradou as comunidades da Chapada Diamantina. “Acredito que dessa
maneira será mais justo”, diz a líder comunitária Catarina Silva. “Esperamos
que finalmente teremos justiça por todos os impactos negativos e o desrespeito
que sofremos”, afirma a moradora Vanusia Santos.
A área
é palco de conflitos entre os quilombolas e a mineradora inglesa por causa dos
impactos das operações da empresa sobre as comunidades, como mostrou
a Repórter Brasil em matéria publicada em maio de
2022. O escritório de advocacia inglês Leigh Day passou a defendê-las na
Justiça britânica após tomar conhecimento da reportagem.
Na
ocasião, moradores afirmaram que as atividades de prospecção da mineradora
teriam rachado casas, destruído roças e assoreado a nascente do córrego
Bebedouro, usado para abastecimento de água na época de seca.
Iniciado
em outubro de 2023, o processo engloba 103 quilombolas. A Brazil Iron contestava
a jurisdição da corte inglesa para analisar o caso, sob o argumento de que o
litígio deveria ser resolvido no Brasil. No entanto, os quilombolas e o
escritório inglês convenceram a Justiça britânica de que o Reino Unido é o foro
adequado para a ação. A empresa tem 21 dias para recorrer.
Procurada,
a Brazil Iron afirma que irá recorrer da decisão e que tem convicção de que a
jurisdição brasileira é “legítima e adequada” para julgar a ação. “O sistema
jurídico brasileiro tem plena competência para analisar e julgar este caso, com
um ordenamento jurídico robusto para questões de responsabilidade ambiental. As
instituições brasileiras, incluindo o Poder Judiciário, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, o Ministério Público e outros órgãos de
proteção, detêm as ferramentas necessárias para assegurar a aplicação da lei.”
A
mineradora diz, ainda, refutar “veementemente” as alegações, pois não teria
causado danos às comunidades quilombolas. “A Brazil Iron reitera seu
compromisso com a saúde e o bem-estar da população, evidenciado pela
disponibilização de equipes médicas e tratamento integral gratuito para
qualquer pessoa que apresentasse problemas de saúde”, afirma a nota (leia a
íntegra ao final do texto).
“É
essencial que as empresas britânicas sejam legalmente responsabilizadas pelos
danos ambientais supostamente causados por suas operações no exterior”, afirmou
o advogado Richard Meeran, do escritório Leigh Day.
Entre
os argumentos apresentados pelas comunidades estavam as dificuldades de obter
acesso pleno à Justiça no Brasil e o fato de as empresas controladoras da
Brazil Iron – Brazil Iron Limited (BIL) e Brazil Iron Trading Limited (BITL) –
estarem sediadas no Reino Unido.
Durante
o processo, uma liminar (decisão provisória) da Justiça inglesa determinou que
representantes da mineradora não mantivessem contato com os moradores. Os
advogados ingleses sustentam que funcionários da empresa teriam assediado e
intimidado os quilombolas para que desistissem da ação judicial.
A ação
judicial no Reino Unido corre em paralelo a outros esforços legais no Brasil. A
DPU (Defensoria Pública da União) ajuizou uma Ação Civil Pública contra a
Brazil Iron e a ANM (Agência Nacional de Mineração). O órgão pede uma indenização
de R$ 5 milhões para as comunidades afetadas.
- Explosões e poeira durante prospecção
Durante
a fase de pesquisa, a movimentação de terra feita pela Brazil Iron teria
assoreado uma nascente, dizem os moradores. “Eles [Brazil Iron] começaram a
degradar em cima do morro e o rejeito de minério foi descendo para a nascente”,
detalha a líder quilombola Catarina Silva.
Em maio
de 2022, ela acompanhou a equipe da Repórter Brasil até o local para
mostrar os efeitos do assoreamento provocado pela mineração, como retrata o
vídeo a seguir. O problema também foi constatado pelo departamento técnico do
Inema, órgão ambiental do governo baiano, e utilizado como uma das
justificativas para a interdição das atividades da Brazil Iron em abril de
2022.
Além da
nascente assoreada, os quilombolas se disseram afetados de outras maneiras
durante os anos em que a mineradora inglesa realizou perfurações e explosões
para pesquisar a existência de minério na região.
As
comunidades reclamavam do barulho provocado pelo uso de dinamites, das
rachaduras nas paredes das casas e da poeira excessiva gerada pela movimentação
de caminhões — o que teria provocado problemas respiratórios em algumas
pessoas.
Quando
estavam em Piatã, os jornalistas da Repórter Brasil foram até a sede
da empresa para solicitar uma entrevista com algum porta-voz da mineradora
sobre as queixas dos moradores.
No
entanto, em vez de conversar com a equipe de reportagem, o então gerente de
logística e atual vice-presidente da Brazil Iron chamou a polícia. O episódio provocou
protestos de diversas entidades, como a Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (Abraji) e o Comitê para Proteção de Jornalistas
(CPJ).
Depois
dessa tentativa de intimidação, o Inema, órgão ambiental baiano, fiscalizou as
instalações da mineradora e decidiu interditá-la. A medida foi
justificada por ao menos 15 irregularidades, como a não previsão de recursos
para a recuperação das casas rachadas na comunidade.
- Comunidades têm dificuldade de acessar a
Justiça no Brasil
Segundo
o advogado Jonny Buckley, do escritório Leigh Day, que representa as
comunidades no processo, a ação corre na Justiça da Inglaterra porque as
empresas controladoras da Brazil Iron estão sediadas no país europeu.
Outro
motivo, de acordo com Buckley, é a dificuldade de os quilombolas conseguirem
acesso à Justiça no Brasil. “São comunidades rurais e remotas, e a mineradora
tem muito poder, pois é a principal fonte de renda da região”, avalia.
Duas
quilombolas, Ana Joana Bibiana Silva e Leonísia Maria Ribeiro, entrevistadas
pela Repórter Brasil em 2022, morreram nesse intervalo de tempo sem
acesso a nenhum tipo de indenização. “Essas bombas do minério estrondam a casa
todinha. Tem hora que até as coisas da casa a gente vê sacudindo. Eu estou com
medo dela [a casa] cair. Eu tenho imaginação de estar dormindo e uma hora a
casa despencar de vez”, contou Leonísia, enquanto mostrava as rachaduras na
parede.
A
mineradora Brazil Iron é a subsidiária brasileira da holding inglesa Brazil
Iron Trading Limited. Fundada após a aquisição de direitos minerários na
Chapada Diamantina, em 2011, a empresa tem 45 pedidos de pesquisa mineral
protocolados na ANM, espalhados por vários municípios da região.
Antes
da interdição pelo Inema, a companhia tinha autorização para extrair 600 mil
toneladas de minério por ano, ainda no estágio de pesquisa e exploração. “Foge
do razoável esse tipo de ação, uma vez que a mineradora está sem operar há mais
de um ano”, disse a empresa em nota, ao ser questionada em 2023, a respeito do
processo movido pelo escritório inglês.
*Leia
a íntegra do posicionamento enviado pela Brazil Iron
A
Brazil Iron reafirma sua convicção de que a jurisdição brasileira é legítima e
adequada para avaliar a questão em sua totalidade. A empresa irá recorrer da
decisão proferida pela corte inglesa.
Em
sua decisão, o próprio juiz do caso reconhece o risco de decisões conflitantes
com os processos em andamento no Brasil e afirma que: “como as questões
centrais do caso (operação da mina, regulamentação e impacto ambiental) estão
diretamente ligadas ao Brasil, a maioria das evidências relevantes estará lá.
Isso fortalece o argumento de que o caso deveria ser julgado no Brasil.”
A
decisão também destaca que: “A aplicação da lei brasileira, a necessidade de
especialistas brasileiros, as diferenças entre os sistemas jurídicos e as
questões culturais específicas (como o status Quilombola) favorecem fortemente
a jurisdição dos tribunais brasileiros.”
O
sistema jurídico brasileiro tem plena competência para analisar e julgar este
caso, com um ordenamento jurídico robusto para questões de responsabilidade
ambiental. As instituições brasileiras, incluindo o Poder Judiciário, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, o Ministério Público
e outros órgãos de proteção, detêm as ferramentas necessárias para assegurar a
aplicação da lei.
É
preocupante que uma questão envolvendo brasileiros, sobre um empreendimento
localizado em território nacional, contra empresa regularmente instalada e
registrada no Brasil, seja julgada por um tribunal inglês. Esse tipo de decisão
desmerece a advocacia brasileira.
A
Brazil Iron segue firme em seu propósito de liderar soluções inovadoras e
socioambientalmente responsáveis para a mineração, reforçando o papel da Bahia
e do Brasil na cadeia global de fornecimento de aço verde por meio de seu
multiprojeto na Bahia, que receberá investimentos de mais de US$ 5 bilhões para
gerar empregos e prosperidade para o povo baiano.
A
empresa mantém sua posição de que não causou danos às comunidades locais,
refutando veementemente as alegações. A Brazil Iron reitera seu compromisso com
a saúde e o bem-estar da população, evidenciado pela disponibilização de
equipes médicas e tratamento integral gratuito para qualquer pessoa que
apresentasse problemas de saúde. Essa medida proativa demonstra a
responsabilidade da companhia e seu respeito pelas comunidades em que opera,
reforçando a confiança na lisura e nas boas práticas de suas atividades.
¨ ‘A lição desse
processo é tão relevante quanto a reparação às vítimas’. Por Mariah Friedrich
“A BHP
forçou centenas de milhares de vítimas a viajarem ao redor do mundo para
brigarem por justiça. É, sem dúvida, o pior comportamento corporativo já visto
de uma empresa no mundo.” A declaração do CEO do Pogust Goodhead, Tom Goodhead,
que representa cerca de 620 mil pessoas e 31 municípios atingidos pelo crime
socioambiental da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em 2015, resume o impacto do
julgamento que chegou ao fim nesta quinta-feira (13) na Corte Inglesa. A
decisão sobre a responsabilidade da mineradora está nas mãos da juíza Finola
O’Farrell, que deve emitir sua sentença ainda no meio deste ano.
“Ouvimos
nos últimos meses de julgamento aqui em Londres provas e evidências da
responsabilidade da BHP em relação ao rompimento da barragem. Começamos o
julgamento com a BHP falando que não tinha nada a ver com o rompimento da
barragem, que a Samarco é uma mineradora completamente independente. Nós vimos
também eles oferecendo migalhas como compensação para os clientes, tudo isso
tentando prevenir a justiça, impedir o acesso à justiça dos nossos clientes,
das vítimas desse colapso. E o que aconteceu no julgamento é que esses
argumentos ficaram mais do que demonstrados que são completas falácias”,
enfatizou.
A ação
coletiva envolve ainda 1,5 mil empresas. O objetivo é responsabilizar a BHP
pelo maior crime ambiental da história do Brasil, quando a barragem de rejeitos
da Samarco, controlada pela Vale e BHP, rompeu-se, liberando 40 milhões de
metros cúbicos de rejeitos de mineração. A tragédia matou 19 pessoas, afetou mais
de 2,5 milhões de pessoas em dois estados e devastou 684 km do Rio Doce, até
alcançar o mar em Regência, no Espírito Santo.
Durante
o julgamento, a estratégia da BHP foi argumentar que não tinha responsabilidade
sobre a Samarco, entretanto, essa tese foi desmontada, reforça Tom Goodhead. “O
comportamento que as mineradoras têm tido em lutar contra o direito dos nossos
clientes é um escândalo”, disparou.
O
advogado destacou ainda as tentativas da BHP de minimizar o impacto do crime
com indenizações irrisórias. Logo após o rompimento da barragem de Mariana
(MG), a mineradora ofereceu aos atingidos valores que chegavam a R$ 1 mil por
todos os danos sofridos. O município de Mariana, por sua vez, recebeu uma
oferta de R$ 10 milhões para quitar quaisquer ações contra a empresa no futuro.
Nove anos mais tarde, a mineradora concordou com um valor de R$ 1,2 bilhão na
repactuação no Brasil, o que ainda é considerado insuficiente pelos advogados e
atingidos. “Mesmo assim, eles estão dispostos a pagar 20 vezes mais do que
quando a ação não existia”, destaca.
Além
das indenizações, ele também critica a atuação da Fundação Renova criada para
gerir a reparação dos danos, extinta pelo novo acordo no Brasil. “Eles criaram
uma fundação falsa, condenada por propaganda enganosa, e chegaram ao cúmulo de
usar um padre falso como perito”, denunciou.
Nenhum
dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente até
hoje. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal, e a
lentidão do processo pode levar à prescrição dos crimes aos demais. Essa
morosidade no Brasil impulsionou a busca por justiça em cortes internacionais.
Além do julgamento na Inglaterra, há outra ação em curso na Holanda, na
tentativa de responsabilizar as empresas envolvidas.
Durante
a coletiva de imprensa realizada em Londres, estiveram presentes o prefeito de
Mariana, Juliano Duarte, o advogado e ex-ministro da Justiça José Eduardo
Cardozo, além de três vítimas do crime: Gelvana Rodrigues, Monica dos Santos e
Pamela Fernandes.
Mãe de
uma criança que morreu arrastada pela lama, Gelvana evidenciou a longa luta por
reparação e os desafios enfrentados por quem perdeu tudo. Ela reforça que não
se tratou de um acidente, mas sim de um crime que custou vidas. “A Vale, a BHP
e a Samarco são culpadas pelo crime que aconteceu”, destacou. Em meio à
expectativa pela responsabilização das empresas envolvidas, a esperança de que
a justiça será feita traz um sentimento de paz diante da tragédia vivida. Para
os atingidos, o julgamento na Inglaterra representa uma nova esperança de
responsabilização das empresas, já que, no Brasil, o sistema jurídico tem se
mostrado falho em garantir punições e reparações justas.
O
prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), afirmou que a cidade aguardou por
nove anos para que a repatriação ocorresse e que os municípios atingidos
tivessem uma indenização justa. No entanto, ele criticou o processo conduzido
no Brasil, afirmando que “nenhum prefeito participou das discussões, nenhum
prefeito foi ouvido, nenhum prefeito sentou à mesa”. Duarte também enfatizou
que os valores destinados aos municípios foram insuficientes, representando
apenas 4% do total, com pagamento diluído ao longo de 20 anos.
Ele
apontou que, caso a condenação da BHP ocorra na justiça inglesa, Mariana poderá
receber imediatamente um valor que já foi reconhecido pela própria empresa, no
montante de R$ 1,2 bilhão. “Esse mesmo valor no Brasil, o município de Mariana
tem direito aqui na Inglaterra. E com essa condenação, Mariana não vai receber
em 20 anos, Mariana vai receber de forma imediata”, considerou. Além disso,
Duarte mencionou que o valor total pleiteado pela cidade na justiça inglesa
chega a R$ 28 bilhões, e montante será acrescido de juros, multas e correções,
o que pode garantir uma reparação mais significativa e célere para o município.
Para o
ex-ministro José Eduardo Cardozo e também advogado do Consórcio Público para a
Defesa da Revitalização do Rio Doce (Coridoce), a decisão da juíza Finola
O’Farrell pode servir de alerta a empresas que priorizam o lucro em detrimento
da vida humana. Ele demonstrou convicção na responsabilização da BHP pelo crime
da Samarco/Vale-BHP, e considera que “a prova da responsabilidade do BHP é
avassaladora”.
Se a
BHP for condenada, abre-se um precedente para que multinacionais sejam
responsabilizadas em seus países de origem por crimes ambientais cometidos no
exterior. “A lição que fica de um processo como esse é tão relevante como a
reparação que se faz para as vítimas”, avalia.
Fonte: Repórter Brasil/Século Diário

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