quarta-feira, 19 de março de 2025

Racismo no futebol e o direito do trabalho

O racismo é uma chaga social que persiste em diversas esferas da vida. No Brasil, a Constituição consagra o princípio da igualdade, vedando qualquer forma de discriminação, incluindo a racial. Além disso, a CLT e outras normas infraconstitucionais reforçam a proteção contra práticas discriminatórias no ambiente de trabalho. No entanto, apesar desse arcabouço legal, o racismo ainda se manifesta de forma velada ou explícita, exigindo uma atuação firme do direito para coibir tais condutas.

No âmbito trabalhista, a discriminação racial pode ocorrer de diversas formas, como em processos seletivos que excluem candidatos com base em sua cor ou origem étnica, em diferenças salariais injustificadas, no assédio moral com conotação racial ou na dificuldade de ascensão profissional para grupos.

A Lei 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, reforça a necessidade de políticas públicas e privadas para a promoção da igualdade de oportunidades e a eliminação das desigualdades raciais. No ambiente de trabalho, isso se traduz na obrigação das empresas de adotarem práticas inclusivas e de combate à discriminação.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem desempenhado um papel fundamental na interpretação e aplicação das normas que combatem o racismo no trabalho. Em diversos julgados, o TST tem reconhecido a gravidade da discriminação racial e estabelecido parâmetros para a responsabilização dos empregadores.

Um exemplo emblemático é o entendimento de que a prática de racismo no ambiente de trabalho configura dano moral, independentemente da intenção do ofensor. Isso significa que, mesmo que o ato discriminatório não seja intencional, a empresa pode ser responsabilizada por falhas na prevenção e no tratamento adequado dessas situações. Além disso, o TST tem reforçado a importância de políticas de diversidade e inclusão nas empresas para prevenir condutas discriminatórias.

O empregador tem o dever de garantir um ambiente de trabalho livre de discriminação e adotar medidas eficazes para coibir práticas racistas. Isso inclui a implementação de códigos de conduta, a realização de treinamentos sobre diversidade e a criação de canais de denúncia seguros e confidenciais.

Em caso de omissão, a empresa pode ser responsabilizada. A vítima de racismo no trabalho tem direito a indenização por danos morais e materiais, além de poder requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho, caso a conduta discriminatória torne insuportável sua permanência no emprego.

O racismo não se limita ao ambiente corporativo tradicional; também se manifesta em outros contextos profissionais, como no esporte. Um exemplo recente e emblemático é o caso do jogador Luighi, do Palmeiras, que sofreu insultos racistas durante uma partida do Sub-20 da Libertadores da América. O atleta foi alvo de cânticos discriminatórios por parte da torcida adversária, que imitavam sons de macaco e proferiam ofensas relacionadas à sua cor de pele.

O caso de Luighi não é isolado. Diversos jogadores brasileiros, como Vinícius Júnior, Taison e Tinga, foram vítimas de racismo tanto no Brasil quanto no exterior. Esses episódios evidenciam a necessidade de uma atuação mais firme das entidades esportivas, dos clubes e das autoridades para coibir tais práticas. Os atletas também são profissionais, e os clubes têm a responsabilidade de garantir um ambiente de trabalho seguro e livre de discriminação.

O clube tem papel crucial não apenas no apoio ao atleta, mas também na exigência de investigação e punição dos agressores. A responsabilidade do clube vai além da emissão de notas de repúdio; deve agir de forma proativa, colaborando com as autoridades e as entidades esportivas para identificar os responsáveis pelos atos racistas e garantir que sejam punidos conforme a lei. A equipe pode e deve pressionar a Conmebol para que medidas mais rigorosas sejam tomadas, como a aplicação de multas, a suspensão de estádios ou, até, a desclassificação da equipe na competição.

Essa postura firme não só protege os direitos do atleta, mas também envia uma mensagem clara de que o racismo não será tolerado. A atuação do clube é fundamental para transformar o ambiente esportivo em um espaço verdadeiramente inclusivo e respeitoso.

A luta contra o racismo é um dever de todos, e o ambiente de trabalho e o esporte devem ser espaços de inclusão, respeito e oportunidades iguais para todos, independentemente de sua cor ou origem étnica. Casos como o de Luighi nos lembram que, enquanto o racismo persistir, o jogo não estará ganho.

 

¨      Cresce o número de ações trabalhistas por assédio sexual. Por Maria Eduarda Lavocat

Em 2024, o número de ações sobre assédio sexual na Justiça do Trabalho atingiu um total de 8.612, representando um aumento de 35% em relação aos 6.367 casos registrados em 2023. No entanto, esse crescimento não deve ser visto apenas de forma negativa. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, destaca que esse aumento reflete a crescente disposição das mulheres em denunciar essa forma de violência no ambiente de trabalho. "Denunciar é um passo essencial para transformar essa realidade", afirma o ministro.

De acordo com a advogada especialista em Direito Trabalhista do escritório Abe Advogados, Priscila Soeiro Moreira, embora o aumento das ações trabalhistas relacionadas ao assédio sexual possa sugerir um crescimento dessas condutas, ele está fortemente ligado a uma maior conscientização e disposição das vítimas para denunciar comportamentos abusivos.

"O crescimento das denúncias e ações judiciais pode refletir tanto a maior visibilidade do problema e das consequências do assédio quanto uma mudança no comportamento das vítimas, que agora se sentem mais empoderadas para agir. Muitas delas passaram a denunciar condutas que antes eram vistas como 'normais' ou 'toleráveis'", explica a especialista.

Esse aumento é um indicativo, também, de que as empresas precisam estar mais preparadas para enfrentar e prevenir essas questões, que estão se mostrando cada vez mais atuais e sensíveis à sociedade (a alteração trazida na NR 1, e que passará a valer a partir de maio, demonstra essa preocupação). É crucial que as empresas invistam em treinamentos e que preparem suas equipes e líderes para lidar com situações dessa natureza.

Já a advogada sênior da área trabalhista no Lopes Muniz Advogados, Juliana Campão Pires Fernandes Roque, ressalta que esse aumento também pode estar relacionado ao maior conhecimento dos direitos das vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho. Segundo ela, o acesso à informação tem estimulado cada vez mais pessoas a buscarem seus direitos. 

"Muitas vezes, essas informações são adquiridas dentro da própria empresa, por meio de políticas internas e canais de denúncia. Além disso, a mídia tem desempenhado um papel importante ao divulgar as diferentes formas de assédio sexual, contribuindo para conscientizar e encorajar as vítimas a tomarem providências", pontua.

Juliana também afirma que o empenho da Justiça do Trabalho em punir práticas que caracterizam o assédio sexual no ambiente do trabalho também contribui no encorajamento das vítimas levarem os fatos para os tribunais trabalhistas. 

<><> Direitos 

Priscila Soeiro Moreira explica que trabalhadores vítimas de assédio sexual podem ajuizar uma reclamação trabalhista, solicitando a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Além disso, é possível denunciar o caso ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que conduzirá uma investigação. Caso sejam identificadas irregularidades, o MPT pode propor um Termo de Ajustamento de Conduta para que a empresa corrija a situação ou, em caso de recusa, ajuizar uma Ação Civil Pública com pedido de indenização por danos morais coletivos.

Juliana complementa que o assédio sexual no ambiente de trabalho é considerado falta grave do empregador, o que pode justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho por iniciativa da vítima. "Para isso, é necessário que a vítima ingresse com uma ação trabalhista requerendo a rescisão indireta do contrato, conforme previsto no artigo 483 da CLT. Nesse caso, haverá o direito ao recebimento de todas as verbas rescisórias, além da possibilidade de pleitear indenização por danos morais", explica.

Além da esfera trabalhista, a vítima também pode tomar medidas na esfera criminal para responsabilizar o agressor legalmente.

<><> Maioria mulheres 

A Justiça do Trabalho utiliza desde junho de 2020 uma ferramenta chamada Monitor de Trabalho Decente que utiliza inteligência artificial para mapear sentenças, decisões e acórdãos proferidos na primeira e na segunda instância. De acordo com os dados fornecidos pelo monitor em sete de cada 10 processos envolvendo esse tema, a autoria da ação é de pessoas do gênero feminino.

O assédio sexual no trabalho consiste em qualquer comportamento de cunho sexual não desejado que cause constrangimento, intimidação ou humilhação à vítima no ambiente profissional. Ele pode partir de superiores, colegas ou terceiros. 

Essa violência no ambiente profissional pode se manifestar de diversas formas, como cantadas e comentários inapropriados, propostas inadequadas ou chantagens que envolvem benefícios na carreira em troca de favores sexuais. Envio de mensagens ou imagens de teor sexual sem consentimento e olhares ou gestos invasivos que geram desconforto também são considerados assédio.

O assédio pode ocorrer de maneira explícita, quando há abordagens diretas, ou sutilmente, por meio de insinuações e piadas de duplo sentido. Além de ferir os direitos da vítima, o assédio sexual no ambiente de trabalho é crime no Brasil, previsto no artigo 216-A do Código Penal, podendo levar à demissão por justa causa do agressor, além de processos civis e trabalhistas.

<><> Número de novos casos na Justiça do Trabalho envolvendo assédio sexual

2020: 5.446

2021: 6.854

2022: 5.771

2023: 6.367

2024: 8.612

 

Fonte: Por Rômulo Felipe Reis Miron, no Correio Braziliense

 

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