sexta-feira, 21 de março de 2025

Por que telefonema entre Trump e Putin é visto como uma vitória na Rússia

A julgar por algumas manchetes de quarta-feira (19/3) na Rússia, Moscou acredita que a mais recente conversa telefônica entre os presidentes Vladimir Putin e Donald Trump correu bem – pelo menos para o Kremlin.

"Putin e Trump concordam em trabalhar juntos para resolver a questão da Ucrânia", concluiu o jornal Izvestia.

"Conversa recorde entre Putin e Trump", declarou o diário Komsomolskaya Pravda. O site do jornal acrescenta: "Nas atuais circunstâncias, a Rússia obteve uma vitória diplomática."

Por que alguns na Rússia estão falando em "vitória" após a ligação de duas horas feita na terça-feira (18/3)?

Provavelmente porque, no telefonema, Vladimir Putin não foi pressionado a fazer grandes concessões à Ucrânia ou aos Estados Unidos.

Pelo contrário, ele, na prática, rejeitou a ideia de Trump de um cessar-fogo imediato e incondicional de 30 dias.

Putin concordou apenas em suspender ataques a alvos da estrutura energética da Ucrânia por 30 dias.

Nesta quarta, porém, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que seu país foi atacado por 150 drones russos durante a noite passada, "visando a infraestrutura energética, entre outros alvos".

Após a ligação com Putin, em vez de pressionar Moscou com a ameaça de sanções ainda mais duras para forçar a Rússia a aceitar seu plano, o governo dos EUA reagiu elogiando o líder do Kremlin.

"Tivemos uma ótima ligação", disse Trump à emissora americana Fox News.

"Eu elogio o presidente Putin por tudo o que ele fez hoje nessa ligação para aproximar seu país de um acordo de paz definitivo", afirmou o enviado de Trump, Steve Witkoff.

·        Condições de Putin

Moscou não apenas recusou um cessar-fogo incondicional, como o próprio presidente Putin estabeleceu suas próprias pré-condições para a paz.

Entre elas, estão o fim da ajuda militar ocidental a Kiev, a interrupção do compartilhamento de inteligência com os ucranianos e a suspensão da mobilização na Ucrânia.

Tais condições são amplamente vistas como uma forma de forçar a rendição ucraniana.

É difícil imaginar Kiev concordando com isso.

Nesta quarta, Trump teve uma conversa com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Os dois disseram que tiveram uma conversa telefônica "positiva".

Zelensky disse ainda que a paz duradoura é alcançável ainda este ano.

Uma nova conversa entre as delegações americana e russa está marcada para o domingo (23/2), na Arábia Saudita.

Mas será que o governo Trump poderia, eventualmente, ser convencido por Moscou de que essas condições são aceitáveis? E, nesse caso, Washington pressionaria a Ucrânia a aceitá-las?

Muito pode depender de o Kremlin conseguir convencer o presidente Trump de que ele tem mais a ganhar desenvolvendo boas relações com Moscou do que defendendo os interesses ucranianos.

Para reforçar esse ponto nas conversas com os americanos, autoridades russas já estão acenando com diversas vantagens econômicas e financeiras, destacando como a relação entre Rússia e EUA poderia ser mutuamente benéfica se os dois países revitalizassem suas relações bilaterais e colaborassem em projetos conjuntos.

Recentemente, Vladimir Putin mencionou a possibilidade de cooperação entre EUA e Rússia na produção de alumínio e na mineração de minerais raros.

A mensagem parece estar sendo compreendida.

"Gostaríamos de ter mais comércio com a Rússia", disse Donald Trump na terça-feira (18/3), em entrevista à Fox News.

"Eles têm algumas coisas muito valiosas para nós, incluindo minerais de terras raras. Eles possuem uma grande extensão de território, a maior do mundo. Eles têm recursos que poderíamos utilizar."

Moscou pode estar esperando – e talvez calculando – que Donald Trump priorize garantir uma fatia desse "grande território russo" em vez de buscar um acordo aceitável para a Ucrânia que leve ao fim da guerra.

Esse ponto foi ecoado nesta quarta pelo jornal pró-Kremlin Izvestia:

"A lógica de Moscou é tornar as relações econômicas com os EUA tão lucrativas que rompê-las se tornaria caro demais para os Estados Unidos."

Após a Ucrânia ter concordado com um cessar-fogo incondicional há uma semana, o governo americano declarou publicamente que "a bola estava no campo [da Rússia]".

Agora que Vladimir Putin rejeitou o acordo e estabeleceu suas próprias condições, o líder do Kremlin devolveu a bola para o "campo" dos EUA.

Mas as negociações entre Rússia e Estados Unidos continuarão – tanto sobre a Ucrânia quanto sobre os laços bilaterais.

E são essas negociações que provavelmente influenciarão o próximo movimento de Donald Trump.

¨      Soldados ucranianos descrevem sua retirada traumática da região de Kursk, na Rússia

Soldados ucranianos em combate na região russa de Kursk descreveram cenas "como de um filme de terror", enquanto recuavam da linha de frente.

A BBC recebeu relatos detalhados de tropas ucranianas sobre uma retirada "catastrófica", frente a fogo pesado, colunas de equipamento militar destruído e constantes ataques de esquadrões de drones russos.

Os soldados conversaram pelas redes sociais. Eles receberam pseudônimos para proteger sua identidade.

Alguns relataram a ocorrência de um "colapso", quando a Ucrânia perdeu a cidade russa de Sudzha, a maior que estava em seu poder.

As restrições de viagens para o front impostas pela Ucrânia impossibilitaram a obtenção de um quadro completo da situação. Mas cinco soldados ucranianos descreveram para a BBC o que aconteceu.

·        Volodymyr: 'drones 24 horas por dia'

No dia 9 de março, "Volodymyr" (nome fictício) enviou para a BBC uma mensagem via Telegram. Ele contou que ainda estava em Sudzha, onde havia "pânico e colapso no front".

As tropas ucranianas "estão tentando sair – colunas de tropas e equipamentos. Algumas são queimadas por drones russos na estrada. É impossível sair durante o dia."

O movimento dos soldados, logística e equipamento dependia de um caminho principal entre Sudzha e a região de Sumy, em território ucraniano.

Volodymyr contou que, um mês atrás, era possível viajar naquela estrada com relativa segurança. Mas, em 9 de março, "tudo estava sob o controle do fogo inimigo – drones 24 horas por dia. Em um minuto, você pode ver dois a três drones. É muito."

"Temos toda a logística aqui na estrada entre Sudzha e Sumy", prossegue ele. "E todos sabiam que [os russos] tentariam interromper. Mas, novamente, foi uma surpresa para o nosso comando."

Na época das mensagens, pouco antes da retomada de Sudzha pela Rússia, Volodymyr afirmava que as forças ucranianas estavam sendo pressionadas de três lados.

·        Maksym: destroços de veículos espalhados pelas estradas

No dia 11 de março, as forças ucranianas lutavam para evitar a interrupção da estrada, segundo as mensagens recebidas de "Maksym" no Telegram.

"Alguns dias atrás, recebemos uma ordem para deixar as linhas de defesa em uma retirada organizada", contou ele. Maksym destacou que a Rússia havia reunido forças significativas para retomar a cidade, "incluindo grandes números de soldados norte-coreanos".

Especialistas militares estimam que a Rússia tenha reunido até 70 mil soldados para retomar Kursk, incluindo cerca de 12 mil norte-coreanos.

A Rússia também enviou suas melhores unidades de drones para o front e usava aparelhos kamikazes e variantes de visão em primeira pessoa (FPV, na sigla em inglês) para "assumir o controle das principais rotas logísticas".

Eles incluíram drones guiados por fibra óptica, sem o uso de rádio. Interferir neles com aparelhos eletrônicos é impossível.

Com isso, segundo Maksym, "o inimigo conseguiu destruir dezenas de equipamentos" e os destroços haviam "congestionado as rotas de abastecimento".

·        Anton: retirada catastrófica

No dia 11 de março, "Anton" descreveu a situação como "catastrófica".

O terceiro soldado que conversou com a BBC estava destacado para o quartel-general do front em Kursk. Ele também salientou os danos causados pelos drones FPV russos.

"Costumávamos ter vantagem em questão de drones, agora não temos mais", declarou ele.

Segundo ele, a Rússia tinha vantagem com ataques aéreos mais precisos e maior número de soldados. E as rotas de abastecimento haviam sido cortadas.

"A logística não funciona mais", segundo ele. "O abastecimento organizado de armas, munição, alimentos e água, agora, é impossível."

Anton contou que conseguiu deixar Sudzha a pé, à noite. "Quase morremos em várias oportunidades. Os drones estão no céu a todo tempo."

O soldado previa que toda a presença ucraniana em Kursk seria perdida, mas que, "do ponto de vista militar, a direção de Kursk se exauriu. Não há mais motivos para mantê-la."

Autoridades ocidentais estimam que a ofensiva ucraniana em Kursk envolveu cerca de 12 mil soldados. Eram alguns dos seus oficiais mais bem treinados, equipados com armas fornecidas pelo Ocidente, incluindo tanques e veículos blindados.

Blogueiros russos publicaram vídeos exibindo parte dos equipamentos sendo destruídos ou capturados. No dia 13 de março, a Rússia declarou que a situação em Kursk estava "totalmente sob controle" e que a Ucrânia havia "abandonado" grande parte do seu material.

·        Dmytro: a centímetros da morte

Em postagens nas redes sociais em 11 e 12 de março, o quarto soldado, "Dmytro", comparou a retirada do front a "uma cena de filme de terror".

"As estradas estão tomadas por centenas de carros destruídos, veículos blindados e ATVs (veículos-todo-o-terreno). Existem muitos feridos e mortos", ele conta.

Dmytro destaca que os veículos, muitas vezes, eram caçados por diversos drones.

Ele contou que conseguiu fugir por pouco, pois o carro em que ele viajava ficou atolado. Dmytro e seus colegas tentaram empurrar o veículo para liberá-lo, quando foram atacados por outro drone FPV.

O drone não atingiu o veículo, mas feriu um dos seus colegas. Eles precisaram se esconder na floresta por duas horas, até serem resgatados, segundo o relato.

Dmytro afirma que muitos ucranianos se retiraram a pé, alguns "andando de 15 a 20 km". A situação havia mudado de "difícil e crítica para catastrófica".

Em uma mensagem em 14 de março, ele informou que "tudo está acabado na região de Kursk... a operação não foi bem sucedida".

Ele estimou que milhares de soldados ucranianos haviam morrido desde o primeiro cruzamento da fronteira com a Rússia, em agosto do ano passado.

·        Artem: 'lutamos como leões'

Um quinto soldado pareceu apresentar uma situação menos sombria.

No dia 13 de março, "Artem" enviou uma mensagem pelo Telegram de um hospital militar, onde estava sendo tratado. Ele foi ferido por estilhaços em um ataque de drones.

Artem contou que estava lutando mais a oeste, perto da aldeia de Loknya. Lá, forças ucranianas estabeleciam forte resistência, "lutando como leões".

Ele acreditava que a operação tivesse alcançado algum sucesso.

"É importante que, até o momento, as Forças Armadas da Ucrânia tenham criado [e mantido] esta zona-tampão", segundo ele. "Graças a ela, os russos não podem entrar em Sumy."

·        Qual é a situação atual?

O principal general ucraniano, Oleksandr Syrskyi, defende que as forças ucranianas se retiraram para "posições mais favoráveis". Ele afirma que elas permanecem em Kursk e lá ficarão "pelo tempo que for conveniente e necessário".

Syrskyi declarou que a Rússia sofreu mais de 50 mil baixas durante a operação, incluindo os soldados mortos, feridos ou capturados.

Mas, agora, a situação é muito diferente de agosto passado. Analistas militares estimam que já tenham sido perdidos dois terços dos 1 mil quilômetros quadrados conquistados no ataque.

A eventual esperança de que a Ucrânia pudesse negociar Kursk em troca de parte do seu próprio território foi significativamente reduzida.

Na semana passada, o presidente Volodymyr Zelensky declarou acreditar que a operação em Kursk havia "cumprido sua tarefa", forçando a Rússia a retirar as tropas do leste e reduzindo a pressão sobre a cidade ucraniana de Pokrovsk.

Mas ainda não sabemos ao certo a que custo.

 

Fonte: BBC News na Ucrânia

 

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